quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Sem Caio,



Não é tom de misericórdia
É a imensa alegria.

Esta descoberta que se renova
Nas linhas que me denunciam
O crime pesado pelo qual
Não posso pagar.

É o arranhar vocal de Billie
Na melancolia do escritor
Impregnado em mim.

Ele, Deus.
E eu?
Além do ponto
Batendo em sua porta
Que se abre sem formalismo
Sem cobranças.

O homem menino
Frente ao  menino Deus
Ambos forasteiros em tudo
Sem chão e cidade.

Ele transcrito no livro
Eterno à qualquer idade,
E eu embriagado dele
Um tipo de memória amorosa
Que nunca me deixa em falta:
Revivo.

Literariamente.

O meu bater à porta
Em gritos de aleluia.

Eu te percebi
Entre Clarice e Hilda,
E Caetano,
Você tão para mim
Feito a verdade
Que me asas a escrever.

Meu melhor silêncio
É saudade.


domingo, 21 de fevereiro de 2016

Bethânia: a realeza como destino


A trajetória dela marcou o Carnaval brasileiro deste ano. Ali, na Estação Primeira de Mangueira, idiossincrasias, especificidades, narrativas míticas, literárias e pessoais desfilaram a Bahia que Maria Bethânia reinventou à luz do poderosa enredo A menina dos olhos de Oyá, do carnavalesco Leandro Vieira.
E Oyá, o orixá iorubano do movimento e da transformação, ratificou sua predileção por esta filha, menina nascida na pobre Santo Amaro da Bahia, para ocupar o centro da grandeza criativa que nos caracteriza como brasileiros. A Mangueira acelerou a respiração de um país ao desenrolar, de modo artístico, histórico e socioantropológico, aspectos da vida de uma mulher marcada por talento e fé. A voz sem igual que queima feito fogo e abranda como água; musa de muitos mistérios, sabedora do que veio fazer em nome da arte que perfila o melhor que temos como Brasil.
Oyá, entre vermelho, branco e rosa somando-se ao verde, destacou uma escola de samba carioca que é toda a Bahia e ratificou a tese de que a cantora baiana é muito maior do que  seu ofício: ela é veículo para vários signos e sistemas que dão complexidade ao ser brasileiro, entre esferas sagradas e profanas, sua filha dileta é tradutora dialética dessa coisa inesgotável da Bahia, mesmo que amassada por tanto desgoverno, servir de manancial da beleza que tantos, no planeta, precisamos.
Cinquenta e um anos numa trajetória artística invejável. Linda para abusar dos padrões de beleza dos demais. Sagrada para mexer com a racionalidade dos cientistas. Campeã no dia do aniversário da saudosa Mãe Menininha, voltando a desfilar na Sapucaí, sob o seu destino de rainha, no dia 13 de fevereiro – data oficial do seu começo como artista nacional, no Rio de Janeiro, em 1965.
Rascante e enigmática, uma senhora de quase 70 anos, em tessituras antropológicas, Oyá-Bethânia é rainha porque é a dona da simplicidade. 

 (Publicado no Opinião do Jornal A Tarde, p.03, dia 20 de fevereiro de 2016)