segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A arte da conquista



Mas existe o cinema. Ainda que sob suspeitas e sobre a pecha de "sessão da tarde". Assisti uma, às 20:30h, no excelente Unibanco, e fui banhado pelas águas da esperança. Isso mesmo: fabricada esperança no rolar imagético hollywoodiano. Meu lado criança gritando. A vontade rasgada de vencer o tédio e a constatação infinita de que o sentido é só amando. Não é estar acompanhado, é estar amando sendo amado... O grande sonho. O maior.
 
O filme é corretíssimo. Eu me vi nas lacunas e silêncio do jovem George ( Freddie Highmore) lutando para sobreviver a si, à ideia da finitude, à anulidade da vida, ao medo da mesma, ao peso das responsabilidades, à escola, às perguntas, às certezas, enfim ,  a tudo que é grave mas é menor que o tédio.

Todos os problemas estão ali. Menos os raciais. O escopo da arte como liberdade expressiva e como outra possibilidade de se ter sentido na vida. Sou eu no meu tamanho sonhando adolescentemente passando dos 40. Uma trilha suavezinha com um texto inteligente. Referências a Basquiat e a pintura dominando como discurso artístico. Um quadro para  a linda Sally( Emma Roberts) me reportando às minhas pinturas vernaculares frente aos olhos do poeta.

Como valeu. E já que show de Maria Bethânia não pode toda semana, o cinema mais cotidiano  me faz levar com mais leveza minha vida. Assistam a esta tarde azulzinha.

Maria Bethânia, o sublime em continuação

( Foto de Daniel Menezes)
Ontem,  no Teatro Castro Alves, às 20 h., Salvador assistiu a sua grande estrela cantando o seu compositor favorito, Chico Buarque, especialmente para sua mãe, D. Canô, quase 105 anos, na plateia tietando a filha. Uma noite que assinala o canto de Maria Bethânia como um dos mais bonitos do mundo contemporâneo. Uma noite que a tornou tão nossa pela intensidade amorosa do público que lotou a Sala Principal para assistir a poesia inteira que é a presença desta artista em cima de um palco.
As vestes brancas combinando com a serenidade, a doçura esvaindo-se da tranquilidade dos gestos, o domínio musical, a beleza de diva, a pronúncia autoral, o vigor artístico, a banda como moldura e ela bailando ao som da sua própria e rara voz. Um presente para qualquer espectador em qualquer lugar do mundo. E como é universal essa baiana!
O repertório irretocável localizando a genialidade de Chico Buarque, e mais que tudo, fazendo a gente arder na ideia de amor que as letras trazem.
Cada cena, cada execução, e eu entre o orgulho e o fascínio, me perguntando por que é assim, meu Deus? A síntese dela, como profissional e artista, é a qualidade. Como se faz para além do "bonita" e ali, no auge da nossa emoção, nos mergulha na sensação de eternidade. Linda!
Isso de melhor intérprete é verdade. Como também é verdade o título de melhor cantora das composições de Chico Buarque. Melhor cantora das audições que  recebem noções culturais deste país. Melhor cantora na voz que ocupa o espaço  e nos atinge como se um deus nos tomando. A mais importante cantora num país que tem Gal Costa  e  Nana Caymmi.
O show me pareceu uma espécie de sonho: eu vi, entre estrelas, o formato de sempre me impulsionando a sentir, a experenciar Maria Bethânia como o sublime em continuação. Aprendo e amo a assertiva de que nela, daquele jeito, o "velho" é uma engenhosa ( deliciosa) novidade.



sábado, 25 de agosto de 2012

A voz e o poema



Se for pela arte, ela habita o que faz sentido.
Domina as paisagens, constrói os textos.
Entre clareza e segredo,
Aparição e distância,
Da emissão do mito escorre paixão.

Acena com a voz para a imensidão
E o seu canto nos faz sonhar;
O palco lhe desenha a imagem
De mulher poema, pássaro sagrado
No céu irregular do Brasil.

Seus olhos relampejam
Suas mãos cortam a estupidez
Sua beleza é contra o vazio.

Faíscas no palco na vida,
Menina  à beira-mar
Catando conchas melodias
Que desbundam nossa audição.

Sua forma é a favor do mistério
Da palavra morada das sereias;
Mas sua alma é fogo e trangressão,
Água na boca do búfalo,
Dança do vento,
Chegada do trovão.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Nelson Rodrigues, o descortinador




Foi na cidade do Recife, em 23 de agosto de 1912, que nasceu o mais controverso e genial dramaturgo brasileiro: Nelson Rodrigues. Poucos anos de sua vida foram vividos entre os nordestinos. Aos 04 anos, com sua mãe e seus cinco irmãos, foi para o Rio de Janeiro, onde estava seu pai, o jornalista Mário Rodrigues, viver e vencer os tempos de penúria que eles passavam nesta época.

Nelson Rodrigues cresceu no Rio e se tornou um legítimo carioca. Sua história pessoal marcada de pobreza e tragédias, como o assassinato do irmão Roberto Rodrigues, perfila também as muitas superações que o escritor alcançou e conduz a leituras compreensivas sobre a sua obra marcada de realismo, azedor , escrachos, diagnósticos, sátira, contradições, erotismo.

Uma obra que retrata o jeito de ser do suburbano carioca, que brinca com os valores das classes médias urbanas brasileiras, que desconstrói este falso moralismo que representa nossa moralidade, que choca a alma e insinua as perversidades que temos todos em nós.

Um homem que circulou entre as pechas do pornográfico e do moralista, e revolucionou o teatro feito no Brasil. Suas peças, hoje, são uma espécie de extensão do humano brasileiro. A mulher sem pecado ( 1942), Vestido de noiva( 1943), Álbum de família ( 1945), Anjo negro (1948), O beijo no asfalto ( 1961), Toda nudez será castigada( 1965), ilustram e eternizam o valor dramatúrgico do gênio que nem chegou a completar o antigo ginasial.

Sua obra desdobrou-se em outras linguagens artísticas e alcançou o cinema. Sua verve criativa contrariava a esquerdistas e direitistas, religiosos e ateus, militares e civis, mas, o anjo pornográfico, o escritor maldito, sempre pautou discussões estéticas e comportamentais no coração do Brasil.

Nelson está vivíssimo, apesar de ter morrido em 1980.  Seus textos imputam reflexões históricas, antropológicas e sociológicas, como fez Adriana Facina, em seu doutorado, um estudo que gerou o livro  Santos e canalhas – uma análise antropológica da obra de Nelson Rodrigues, e deve ser conferido por quem admira o centenário escritor.
(Publicado no Opinião , p. 03, Jornal A Tarde, em 22 de agosto de 2012)


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Não quero só assim

Eis que escuto sua voz. O som escorre por dentro de mim me animando e me fazendo chorar. Ou será sonhar? Ligo-lhe na tela do cinema; revejo-lhe na novela; desenho seu rosto na palma da minha mão. Mas é o poema que lhe traz e faz e é...
 
Perdido entre o que leio, escrevo e imagino no dessentido de viver buscando o "nascer do poema". Anseio pela boca no escopo erótico da palavra como arte. Pela boca no céu do seu ápice chegando em mim. Fundo do fundo no melhor da imagem.
 
Sua luz vermelha que refiz azul. Outros signos na paisagem do agora: o que não mais conheço. E esse seu todo que não me sai, até o que nunca conheci.
 
Escuto sua voz que me diz: sem toque nos tocaremos muito mais. Mas não quero só assim.
 
Seus olhos nos meus; hoje eu tive um pouco de paz.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Parola na língua

Bem que lhe toco na parola do invólucro fino do seu sexo.
Passo ali minha língua bem devagar e,
De súbito: nossa poesia.

Sempre o cinema

Mahmud Shalaby

De fato, de algum modo, sempre fomos da dimensão planetária, universais, interligados. Sempre aprendo assistindo filmes,  e, quanto mais comovido fico, mais sentido levo à minha intelecção. Uma garrafa no mar de Gaza traz a possibilidade do encontro nos vestígios da esperança e do sonho ainda que individualmente, ou melhor, duplamente. Um filme, de produção francesa, ambientado entre entre Gaza e Jerusalem, perfilando os notórios conflitos que infernizam o estar humano naquele lugar. Alimenta no espectador, numa leitura real da possibilidade, a ideia do amor.  Cabe o sonho no cotidiano da gente, e isso é mais que salutar. Neste cotidiano pode poesia também. E até o discurso de beleza póde pousar no trivial - onde existe tanta beleza quanto no desigual. O filme convida e os olhos choram e riem à luz da vontade de torcer pela vida vendo os sonhos acontecerem. La mer e a falta da paz. Olhos cor de Chico. E a mensagem entre uma garrafa nas ondas marítimas e as ondas digitais da net. O amor como pano de fundo da história terrível da guerra e dos desencontros humanos traduzindo o insucesso dessa nossa reunião às claras e ao mistério.

Querer falar algumas línguas sem querer poder. Alcançar para fora do agora que dói o direito de ser ou se sentir feliz. Ser deste planeta. Comunicar-se. Transmutar-se como película tocando a emoção da gente. Ver por tudo. La mer no segredo feminino do mar: ser mulher. Isso de mergulhar pelos olhos o que nos entrega a vida. Isso de ter o mundo pelo tato e pela vontade. Isso de reinventar-se do corpo para alma. Isso de ser mais que a língua materna e deslizar-se entre possibilidades que impregnam o nosso cotidiano. O de todos. Sem excessão.

Meu instante melhora sempre entre o  mar e o cinema.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Água Viva: a beleza intrigante de um poema escrito em prosa



Em 1973, Clarice Lispector, a mais representativa escritora brasileira, inovou e intrigou a nossa crítica e o público leitor, com seu livro inclassificável, numa perspectiva de gênero literário, Água Viva. Assombrou  ao desfiar em forma de prosa, numa feição de missiva, um texto erguido a um tipo de expressão literária só possível sob os aspectos fundantes da forma e da linguagem poéticas. Transgrediu mais uma vez com sua personalidade criativa as regras esculpidas por quem ditava os cânones literários no Ocidente, naquele período.

Água Viva é outro marco deixado por Clarice na literatura brasileira e, sem dúvidas, em toda literatura produzida no mundo. O enredo, transcorrido do jeito de uma não história, se apresenta em variadas impressões de uma mulher artista plástica que escreve ao seu "ex-amor". Escreve  para noticiar momentos de suas sensações, pensamentos, dessentidos, apreensões, fugas, reinvenções, medo, desejo, tristeza, amor em solidão. A missivista inventa uma linguagem para vencer a falta que seu amor lhe faz e, em estesias literárias, em passagens que exprimem o absurdo, e metáforas às vezes inalcançáveis, alonga-se, sem cansar o leitor, em falas que revelam  a riqueza poética da grande escritora nascida na Ucrânia, criada e socializada, desde criança, no Brasil, mas universal  por  revelar-se um dos maiores talentos da literatura feita no mundo no século XX.

O livro é em prosa, mas significa um poema por inteiro. Tem alegria também. E repousa em frases que desarrumam o leitor e promovem  reflexões e sentimentos que abundam em epifanias geradoras da  mais profunda fruição literária.

A linguagem se exprime assim: "Eu que venho da dor de viver. E não a quero mais. Quero a vibração do alegre. Quero a isenção de Mozart. Mas quero também a inconsequência. Liberdade? é o meu último refúgio, forcei-me à liberdade e aguento-a não como um dom   mas como heroísmo: sou  heroicamente livre. E quero o fluxo". A sensação que o texto nos dá é que o mesmo desliza feito  água, e queima como água-viva descrita numa  paisagem  aquática que mescla altivez e saudade, quando na dor, expressa ali, quem ganha é a arte.

Esta  obra  mexeu  com o imaginário de vários artistas como Maria Bethânia, Fauzi Arap, Cazuza, Cássia Eller. Também, alimentou  a  ideia sobre Clarice Lispector  como uma escritora difícil e hermética, já que  muitos consideraram  o  livro  nada comunicativo e fechado em sua mensagem literária. Este panorama  reforça que, numa recepção  tão  controversa, este livro  ultrapassou  as  polêmicas, subverteu os ditames, para torna-se um  romance  sem  história  aparente, com  sua prosa intensamente poética, consolidando-se como outra obra prima erguida pelo gênio clariceano.

Maria Bethânia, em uma de suas récitas mais antológicas,  popularizou  trechos de Água Viva sugeridos  por Fauzi Arap. Como a do final do "livro-poema", em que, numa leve adaptação, ela diz:

Depois de uma tarde de quem sou
E acordar a uma hora madrugada em desespero
Eis que às três horas da madrugada eu acordei
E me encontrei.
Calma, alegre, plenitude sem fulminação.
Simplesmente isso: eu sou eu e você é você.
É lindo, é vasto e vai durar.
Eu não sei bem o que vou fazer em seguida,
Mas por enquanto
 Olha pra mim e me ama...
Não, tu olhas pra ti e te amas.
É o que está certo.

A beleza intrigante de Água Viva merece sempre ser relida. E para quem  não leu, encontre-se consigo nesta leitura, permita-se  a  viajar  entre  as  suas  palavras sensoriais, extensivas à fruição da música, da pintura, da arquitetura, da botânica, da dança, da literatura e mais, da POESIA.

Marlon Marcos é poeta, jornalista e antropólogo.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Cacos do impossível

Não sei. Preocupa-me querer viver o novo que não existe. Talvez visite aquelas ruas que me excluem e goze inspirado pelo sofrimento; talvez me console frente a uma fotografia de nudez proibida e viva mais uma alegoria que não soma nada: enfeita de superfície o vazio da vida.

Saberei. Nada se me convence. Perguntarei sobre todos os lugares e sobre as paisagens que a economia me fez abortar. Vinculado a este tempo que me segura  e elimina e piora na circunscrição da Cidade da Bahia. A palavra para refrescar. O espelho que quebra para suavizar o impossível e as florestas de leituras contundentes que guardei dentro de alguns livros.

Sei. É o nome do destino. Aprendi contra a fixação do desejo inocente de querer pecar. Segurar com a boca me afogar na intensidade de desejo alheio dando o fogo condutor do prazer. Acelerar. A ilusão nome do destino. Obtuso falar sobre o que não se vê, não se crê, mas se superestima. Existe restando sob os cacos do impossível do tipo: amor sobrando a caminho da eternidade.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Jorge Amado, 100 anos!



Amado,

Sua maestria é representativa,
luminária para leituras do profundo prazer.
É abrigo das invenções identitárias
transbordo popular e acinte.
Fagulhas de um tempo difuso
que dão alma ao nosso lugar;
amanhecer negro da beleza
em toda gente que se vê,
força da literatura na forma do conhecer.
Sua maestria é arte e o poder
do que a Bahia mais emblemática
nunca deixará de ser.

- 100 anos e a gente agradece à sua eternidade. Bravo, Jorge!

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Simples assim



Ventando.
No quase da vida clamando.
Réstias na tela finita,
O tempo fechado.
A força do que não houve
Entre vírgulas e silêncio,
Os iguais em procura,
Assalto e lamento
Pelo medo desaquecendo
O ímpeto do encontro.

Chovendo.
A beleza como história,
Quase a glória do amor sendo.
O próprio nome,
Tiro e misericórdia.
Alamedas do sem tempo
Em risos da discórdia.
Molhado beijo eterno,
Mais forte porque não houve.

E  semi seca no horizonte
Da memória inesquecível.

Navegando Cachoeira



“ Quem sabe da verdade que venha então. E fale. Ouviremos contritos”.
Clarice Lispector



Em dois dias singramos os sentidos, os símbolos, o estar de uma cidade. Alcançamos imagens em leituras de nossas câmeras e nossa sensibilidade para uma possível etnohistória, por vezes embriagada pela profunda beleza ressignificando a memória que desenha aquele lugar.

Estivemos, enfim, no contínuo recomeço da presença dos humanos negros, entre lusitanos e índios, a civilizar a nação brasileira.

Navegamos o infinito. O conhecer em campo, pesquisar o “campo” que expõe a inexcedível cultura religiosa trazida pelos diversos africanos fundadores do candomblé da Bahia e do Brasil. Participamos daquele povo que somos nós.

E estudantes, ainda que deslumbrados, ora críticos e ácidos, fotografamos para narrar esta história que nunca pode deixar de ser visitada, pensada, recontada, reescrita: a história da gente preta na natureza e arquitetura que fazem de Cachoeira – uma das cidades mais bonitas do mundo.
 

Nós estivemos lá.

Prof. Marlon Marcos, antropólogo

( Fotograma pertencente à exposição realizada na UNEB, Campus XIII - Itaberaba, em 03/08/2012 - alunos do 2° semestre)

Da água do azul do amor


Eu sinto assim o silêncio: água translúcida.
Mergulho por inteiro para vestir minha alma de azul.
Calo a fala apesar de escrever pensamentos,
Marulhando-me entre as rochas da solidão.
Acordo encharcado e em paz,
Ventilo de emoção negando o que seja impossível...
Enceno ao espelho matutino
A beleza que roubo das águas.
Sou sempre manhã de manhã,
Porque trago a vida em promessas
Em correntezas matinais
De flores e poesias
Cor do amor que me habita
E tem a forma azul da água.

Caetano Veloso: 70 anos entre cores e nomes


Caetano Veloso: 70 anos entre cores e nomes

Marlon Marcos

Jornalista e antropólogo




Eu cresci apreendendo o Brasil a partir da obra lítero-musical dele. Respirava suas radicalizações comportamentais mudando esteticamente este país; navegava as possibilidades coexistenciais das diferenças apontadas por ele; assistia a beleza do negro que ele exprimia das suas canções, cantando, às vezes, com a boca pintada de batom rosa, de camiseta dourada à moda feminina, ora uma conta de Odé, ora uma de Oxum; a poesia que vinha da Bahia revitalizava-se ali: na voz do cantor.

Toda vez que precisava de uma epígrafe para uma prova, ou para reforçar um pensamento, ou falar de amor, mostrar profundidade, alcançava: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, “Botei todos os meus fracassos nas paradas do sucesso”, “Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer”. E era esperança o que eu mais via na música do santo-amarense Caetano Emanuel Vianna Telles Velloso, nascido à luz do signo de Leão, no dia 07 de agosto de 1942.

O Brasil deve muito à inquietação e à criatividade deste homem. Eu devo meu fascínio pela Música Popular Brasileira, pela força da palavra como poesia, pela perda ( ainda que relativa) do medo de ser o que eu tinha que ser nesta vida. O gênio deste homem aflorou em mim o desejo de conhecer, já que suas canções me eram aulas sobre arte, sócio-antropologias, história, literatura, sobre sexo e prazer. Sua voz me adormecia e despertava, eu me sabia inteligente porque desde os 8 ou 10 anos eu gostava de Caetano Veloso.

Uma trajetória artística que sempre arejou e entregou coragem ao povo brasileiro. Traços do absoluto na palavra como domínio da linguagem poética inclinada a canções. O homem mensageiro do novo, insatisfeito, delicado, paradoxal, imerso ou emerso das infinitas possibilidades comunicacionais que marcam sua presença entre os séculos XX e XXI no mundo, singrando a própria angústia que muitas vezes fez o gênio fortemente derrapar.

Mas ele está a salvo do alto dos seus 70 anos, jovialíssimo, apesar de triste, alicerçado num conjunto criativo frente ao qual eu me deslumbro. Não é só o compositor que faz dele inexcedível poeta, é também o cantor, em sua voz burilada pelo tempo que tornou o canto dele, entre os homens, o mais bonito do Brasil.

Às vezes, ele parece em desespero e desarrumado, desarruma existencialmente aqueles que prestam atenção em sua arte; compõe Recanto escuro e põe na voz sublime de Gal. Machuca a audição de um país que dói na beleza, mas avisa: estamos vivos aqui e lá. Ama Salvador do epicentro dos artistas endinheirados do Brasil: o Leblon, no Rio de Janeiro. Rompe com a crença no divino; patrulha as normas cultas nas quais ele acredita como baluarte da língua e chama metade dos brasileiros de analfabeta e burra. Insiste numa iconoclastia que não traduz o cidadão que valida a arte do Psirico, e segue jovem cantando ao lado de Maria Gadú, sem conhecer o canto de Claudia Cunha, Stella Maris, Ana Paula Albuquerque, Carlos Barros; sem fazer referência ao talento múltiplo e universal de Tiganá Santana. Este é o mano Caetano que, em profunda verdade, eu amo.

Amo entoando a melodia de Trem das cores, sendo-me na intensa doçura daquela canção instaurando o tempo irreal da felicidade e que, nela, a gente obtém chorando. Amo nas cenas de Fellini que ele me convidou a assistir, no impacto de O estrangeiro sobre mim, em muitos escritos nos jornais, na representação do baiano universal. Nas canções (minhas melhores lições) também iluminadas na voz da enorme Maria Bethânia, sua irmã.

Entre tantas cores, ligado a tantos nomes, Caetano que é verbo como grafou Djavan, faz 70 anos para a Bahia lhe agradecer e pedir aos Orixás que tome conta deste filho que é deles e sempre será um dos maiores mestres da verve cultural deste país. Em todos os tempos.
(Publicado no blog do Terra Magazine - Portal Terra - em 07/08/2012)

Mãe Zulmira celebra Nanã




Muitos encantos erguidos pelos negros de Salvador perduram na expressão religiosa de muitos terreiros de candomblé que iluminam esta cidade e preservam amálgamas  culturais que a história nos deu. Todos os anos, o Terreiro Tumbenci, fundado em 1937, e comandado hoje por Mãe Zulmira, no dia 26 de julho, dia católico de Santana, a mãe de Maria, que é sincretizada com a Senhora dos lamaçais, a grande avó do candomblé, Nanã, leva presentes consagrados a este orixá que comanda a vida e a morte, sendo a consorte maior dos mistérios da fé que orientam aquele terreiro.

No findar da tarde, ao som suave dos atabaques, e de cânticos que exaltam Nanã, flores, perfumes, joias, bilhetes, enfeites, iguarias alimentícias e amor singram e mergulham nas águas sagradas do Dique do Tororó. Uma tradição que já dura décadas e que derrama beleza, sutileza e esperança sobre todos os que acompanham este ritual de fé.

Mãe Zulmira se traduz nos arquétipos de Nanã e representa para o povo de santo de nação congo-angola, jeje e ketu um símbolo vivo de resistência e força em nome das religiões de matrizes africanas na cidade da Bahia. Aos 78 anos de idade, 61 anos como sacerdotisa, ela ensina o cuidado e a perseverança que se deve ter na prática do candomblé, encontrando-se, em seu exemplo, com outros baluartes religiosos baianos como D. Timóteo Anastácio, o saudoso abade do São Bento, ou o importante Agenor Miranda, saudoso babalaô e signo da sabedoria do Ifá entre nós.

Nessa tarde, no Dique do Tororó, a Bahia fundada sob a égide das civilizações negras que se misturaram aos portugueses e tupinambás, matriz sociantropológica  da ideia de Brasil, revive-se na plenitude da sua vocação popular e entrecruza sentidos religiosos que espelham a Iyá Zulmira reverenciando sua mãe Nanã. O objetivo é atingi-la na lama que habita o fundo do Dique, tocá-la com os elementos sacerdotais que configuram o seu culto, e se permitir, em mentalizações da fé, ao bem estar e à prosperidade que o povo baiano tanto precisa quando a política só tem trazido desgoverno e atraso. Saluba, grande Zumbá!

Marlon Marcos é jornalista e antropólogo email: ogunte21@yahoo.com.br
(Publicado no Opinião, p.03, Jornal A Tarde, dia 26/07/2012)

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Mãe Zulmira de Nanã recebe Medalha Zumbi dos Palmares


A sacerdotisa Zulmira de Santana França, 78 anos, sendo 61 anos de sacerdócio frente ao Terreiro Tumbenci, de Lauro de Freitas, recebe, nesta quarta-feira, dia 08 de agosto, em sessão solene, às 19 horas, a Medalha Zumbi dos Palmares, outorgada pela Câmara dos Vereadores de Salvador. A honraria a esta grande mameto de inquice repousa pelos inestimáveis serviços prestados ao candomblé a favor da preservação da cultura e da religião trazida pelos negros africanos ao território brasileiro.
Mãe Zulmira foi consagrada ao inquice Zumbá, como é conhecida entre os congo-angolas a orixá Nanã, em 1941, aos 7 anos de idade, pela saudosa Marieta Beuí, filha de Matamba; teve como mãe pequena a lendária Gaiaku Luiza de Cachoeira, e recebeu fundamentos litúrgicos de três nações: o congo-angola, o ketu e o jeje-mahi.
A sua trajetória espelha a força, a determinação e a luta das mulheres negras na Bahia, marcando–se historicamente na condução dos sentidos religiosos que mantiveram ( e ainda mantêm) os elementos constitutivos que garantiram o candomblé como uma das instituições religiosas nossas mais representativas do ponto de vista da legitimidade popular.
Com a outorga da Medalha Zumbi dos Palmares a mais uma sacerdotisa do candomblé, a cidade do Salvador reconhece o papel social destas mulheres especiais que através da sua história deram esteio e abrigo social ao povo negro e pobre  que tinha no Terreiro um lugar de refúgio e socialização.
Mãe Zu, como é conhecida carinhosamente, é um emblema da resistência e dos valores centrais que dão consistência às religiões; uma mãe no sentido mais amplo que fez da fé e do saber litúrgico,  instrumentos de ligação e de aglutinação de todos que a ela chegaram em busca de paz e de realização espiritual. Um emblema negro da Bahia!
Serviço
Evento: Outorga da Medalha Zumbi dos Palmares à Mãe Zulmira de Nanã
Local: Câmara dos Vereadores de Salvador; Plenário Cosme de Farias
Dia: 08 de agosto, quarta-feira, às 19 horas.
Proponente: Vereador Gilmar Santiago ( PT)
Entrada Livre

Hoje e sempre: CAETANEAR!


70 anos deste monumento brasileiro! Salve Caetano Veloso!

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Sorte por termos Caetano Veloso



Agosto, no Brasil, e três gênios nasceram: Jorge Amado (10), Nelson Rodrigues( 23), Caetano Veloso (07), compondo um quadro de muita sorte para este país. Os dois primeiros centenários, o último faz 70 anos dando movimento contínuo à cultura produzida entre nós nos últimos 40 anos. Três mestres da palavra, da iluminação, da transgressão, da denúncia, da reflexão.

Caetano é nosso grande poeta. Luz em comportamentos transformadores; comunicação com o profundo, beleza transexual, melodia, e a poesia que brotou vontade de arte, necessidade de beleza em mim. Há o inatingível ali e o prosaico, talvez risível também; mas, para além, há a inteligência e a palavra como método infernal de alterar, em positivo, a sua e a nossa história... Alma da palavra. Amor que me habita.

Nem sei como falar. Homenageio na forma do grito, rude, sem talento, por não ter coragem de ficar em silêncio... Homenageio com todos os meus discos e meu coração cantando, agradecido, sonhando, entendendo o artista que nos marca de amor. Homenageio à luz de Gilgal em Bethânia, soletrando Nelson Rodrigues, e vibrando na pungência de Jorge Amado.

Esse homem mora em mim e como tive sorte de encontrá-lo no meu caminho. Ao deus Destino, ao Infinito, a Tempo - O postulador, todas as preces para o mago das contradições nascido do ventre de D. Canô.

Homanegeio nas impressões raras e piegas do amor e beijo o seu rosto e a sua boca, calo as teorias que nunca quis, de alma quebrantada pela alegria alegria, lhe digo, meu preto: feliz aniversários!!!

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Mais Leminski


Leminski


"Janelas, 
escancaradas janelas do 17º andar, 
aqui vou eu, aqui vai toda essa
minha estúpida vontade de apagar a luz, 
única maneira decente de apagar a dor."

Do chão

"Não há muito a dizer, nunca há.
Meia dúzia de palavras resolvem problemas de mil anos atrás. 
Fomos nos dizendo cada vez menos
Dizer sempre é uma outra coisa."

Nos vejo do chão,
E como pisasse em mim mesmo
Atrapalhando meu outro eu erguido;
Como se não me bastasse sua indiferança
Apressada, desconfiada, bem sucedida...
Do chão nos vendo em mais desacordo,
Do chão querendo gritar,
Do chão minha falta de calma,
Do chão a pior solidão pra se suportar...
Palavras aquecidas ao sol no asfalto,
Eu do chão pisado por mim mesmo
Buscando sua comoção;
Nós que nunca nos dizemos
Nunca tivemos o quê...
Do chão,
Abro Leminski e afundo
Para o lado da coisa sem solução.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Caetano Veloso

O dono da banca

Caetano Veloso em Zera a Reza, canção pura poesia!


Por ser quase 07 de agosto e ter o gosto de celebrar  os 70 anos do senhor das palavras na canção brasileira, poeta legítimo!!! Ouça e cante e dance, já que tudo é tão rápido.