segunda-feira, 23 de março de 2009

Mudança


Ele abriu os olhos para tudo que deixou de fazer. Ela esqueceu de lembrar das coisas boas que viveram. Ele se viu sem saídas, sem palavras, sem músicas perfeitas, sem desculpas, só lágrimas. Ela já vacinada: entregou o lenço sujo dele, esquecido na gaveta do criado mudo, por ele; aquele lenço imundo pela indiferença dele e que ela tantas vezes enxugou suas próprias lágrimas. Ela olhou para o vazio dele, para o desatino dele, para sua distância e sem nenhuma mágoa viveu a sensação de liberdade, quando o amor naufraga e alguém escapa pela inteireza da entrega.
Ele - mera desilusão do seu mundo masculino - ficando à toa pairando sobre o que tinha de mais vivo em sua vida de disolvições e aparências... Ele fruto abortado em uma incompreensão histórica. Ele olhares perdidos por dentro do dessentido gerado pelo amor que abandona. Ele criança de si mesmo sem a esperança de se reencontrar maduro. Ele, ao seu espelho, inútil. Vaga confusão na explicação das suas possibilidades de acerto. Ele - novelo das enrolações mais cotidianas, primárias, masculinas, físicas, racionais,pragmáticas... Ele zonzo no adeus dito por ela.
E ela - sua ressonância quando corta os laços, queima os escritos, apaga boas memórias, inventa destino, limpa-se de perfumes e lugares, abre mão de livros, busca novos filmes;se traveste, se reanima, se promete; retoma seus projetos mais íntimos e por estes, perde o medo de enfrentar a solidão momentânea e cônscia de tudo que foi mergulha, femininamente, em sua mudança que garantir-lhe- á a vida que até ali, daquele jeito, não lhe foi possível.
Ela - um rasgo em si mesma. E o que sangra alimenta sua nova vida.

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