domingo, 15 de março de 2009

Na terra do coração ( fragmento)

Caio Fernando Abreu
"Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Vega. Levam junto quem me ama, me levam junto também."
( Pequenas Epifanias, Editora Sulina, Caio fernando Abreu; Crônica: Na terra do coração.)
Eis-me aqui diante deste escrito. Esvoançantes palavras de uma dor desenhando esperança para mim, numa tardinha de domingo. Nada que me espelhe agora: palavras que voam me são muito perigosas, falam demais, alcançam quem eu não quero, e o que eu realmente quero é escrever silêncio. Domingo dia de manter a TV desligada, de ouvir músicas dançantes, de almoçar na rua, de apagar a memória, de ir ao cinema em várias sessões, atender todos os telefonemas, evitar elevadores e escadas, tentar não ficar só, tomar sorvete, não ler poesia, olhar e banhar-se no mar, vestir roupas claras, negar o álcool, tomar muito café, contar piadas e, se possível, deitar-se bem cedo...
Eis-me aqui negando tudo isso: já tomei uma cervejinha; preferi minha companhia como única nesta tardinha de hoje; liguei a TV(Arre! como eu gosto de sofrer); li Hilst, Pessoa, Vinicius, Affonso Romano de Sant'anna e despenquei em Caio Fernando Abreu para ligar cruelmente minha memória. Como eu gosto de sofrer. Contudo, vou ao cinema e já tomei café...
Com as palavras que voam de Caio F. , imaginei-me sendo transportado para outro tipo de estrela, que não tivesse tanto destaque e me abrigasse no seio da coragem junto a quem eu queria que me amasse e os Alados trouxeram comigo. Mera paisagem de uma fuga dominical, pois então, o tempo me venceu.
O tempo sempre me vence e eu de domingo, vestindo rosinha( bermuda e camisa), indo sozinho ao cinema com a mente ligada pelo fio da saudade. Eu, em mim mesmo, nunca tomo jeito. Coisas da terra do coração.

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