(Ponta de Areia - Itaparica)
P/ Beto Heráclito
O vento arrasta as ondas para dentro do meu pensamento, o mundo
imenso que me engole torna-se, neste instante, marulhos noturnos e a lógica de
existir serena frente ao ato delicado de sentir a vida em silêncio. Eu de onda
em ondas salinas do mar que me assiste sentir...
Parece que busquei outra forma de poder. O Tempo que me ensina
também me esvazia de tudo que aprendi. Minhas mãos vazias, o peito calado,
falta de medo e de sonhos... Marulho dentro e fora: meu pensamento como a mais
real das realidades em que tombo sobre o mar.
Estou molhado numa noite de vento sem frio – cato seres celestes
no horizonte sem luz. Meia noite do dia da festa do Natal e nada me é
nascimento. O mar marulhando minha cabeça sem sonhos, portanto, sem pedidos.
Aperto-me para a escrita e tudo que me liberta é grito... Eu em silêncio.
Notívago. Vivo na paisagem mais linda frente ao lugar mais límpido porque o
lugar do meu nascimento.
Então houve aqui um nascimento: o meu na cidade que me aborta,
fecha a porta, delimita e a chamam de salvador. Limiar da minha história de
conquistas e dor... O arranque que me expulsa para o “não sei aonde ir” e o “
como falarei com os meus superiores estrangeiros?”.
Não tenho perguntas. Tenho noite, vento, ondas e silêncio. Meu
não pensamento é estar pensando na falta de luz que me fascina mesmo que ela
esconda o mar.
Vejo o mar com a audição: ele ali, intenso, em movimento, me
aguardando para uma manhãzinha em que saberei, talvez, nadar.
Tantos livros para duas pequenas mãos, dois olhos e uma única
vida. Eu sem libertação. Arrependido, mas com coragem para terminar. O vento me
inclina.
O mundo menor dorme e o maior vigia... Por onde anda a sorte?
Qual o portal de Deus? Bate bate bate bate bate... Tantas
batidas de águas em pedra : o furo da imprecisão e da resistência do nada.
Minha língua sartreana e a aura católica...
Eu sou um sem lugar.
Itaparica, 24 de dezembro de 2015 ( 00: 45)