segunda-feira, 30 de maio de 2011

Do tamanho do que vejo


Se o que escrevo tem valor,
não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
 Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade...
Porque eu sou do tamanho do que vejo
e não do tamanho da minha altura
Alberto Caeiro

Maria Bethânia - Canção da manhã feliz




Quando dela me vem esse rasgo assim: é o que digo pra mim frente ao espelho, ensaiando a entrega poética que não veio e ela, passado lançando-me ao futuro pela razão da arte. Rasgo e sangro, sou mártir e a escuto na canção da manhã feliz que não houve. Sem riso olho a voz nos olhos da cantora: ali, meu medo e paixão. Transbordo pelo que tinha de ser. Os gestos daquela mão que toca minha alma; o corpo inteira verdade representacional. A bailarina tímida que nos sequestra de amor. Todos os elementos que vibram. Do chão, da superfície do que sinto, antevejo desejo sombra gozo luz guerra paz; sou-me naquele canto que uso para desamar amando muito mais.

O amor também pode ser assim


Assista com cuidado. As cenas são leves mas são sobre a entrega amorosa entre dois homens. Cenas do filme Do começo ao fim: uma história idealizada do cinema brasileiro a favor de outras possibilidades amorosas. Romance , saúde, bem estar, transgressão e muitas horas de felicidade. O amor também pode ser assim.

domingo, 29 de maio de 2011

Amor de cinema

Plata Quemada

Penso que senão mais leve, fosse a caminhada mais gozosa...
Cheinhas de horas felizes, escritos abundantes, sorvete de ameixa.
Deveria não ter insônia; música livremente e filmes de amor.
É lindo o amor no cinema; forte veneno pra mim que
Só sei viver de ilusões.

temo

temo pela falta de conclusão exigindo do meu  peito impossíveis decisões; me arrancando da livre caminhada que escolhi para ser eu mesmo. eu exato e doce numa entrega formal de paraíso, ouvindo discos que me são alucinações. temo. a verdade não há. o tempo é que é o maior sinalizador dos desperdícios. eu preciso de ilusões para viver. meu cabelo cresceu de novo e perdi tempo fazendo prova e outros desconsolos.domingo é um saco. acabou a mostra das possíveis sexualidades. temo por minhas exigências dentro do meu peito. caminho aturdido sem água do mar há meses no meu corpo. o que é ter um corpo? adriana calcanhotto. temo por minha falta de estrada e tudo que chegou e não sei e nem quero fazer. que tempo é esse meu Deus? temo. e engordo. e me descontrolo. e bate frio em pleno calor. e gosto. e espero. e vi sem ver. raiou à noite. temo essa escuridão. sem email sem telefone sem procura sem alimento sem entrega sem chegada. sem.
temo...

Sem respostas

Esteve ali. Implícita trajetória de quem busca o amor. A pedir a rogar a clamar no seguimento da estrada, velando cantando assistindo ao próprio abandono. Ali entre cortes e cores, sem nome noutro endereço, desfiando tormentos no pensamento e os olhos, numa insistência clínica, sem querer chorar.
Homem não pode mas ele podia. Isso de seguir sem companhia e aguardar no infinito. Achar-se dono do tempo, notar-se eterno pela força daquela procura. Ele vinha  e se entregava ao barulho da auto-estrada, aos seus perigos e velocidade, a ideia do rápido e do efêmero concluindo seu destino. Ávido de dor e esperança, apesar de consorte da solidão. Ainda ria; humanamente ria em sua impossibilidade de chorar. Ria imaginando encontrá-la um dia disposta a aceitar. Sua rude procura, quase inepta, traduzia sua rude e reles postura ao ofertar aquele amor. Há anos não a via e ia para perto do mar; longe das agruras do sertão e do dessentido de viver todo assim: morrendo de falta.
Cada dia ele mais longe de si mesmo. Sem notar o seu desespero estava a cada dia mais perto do mar, e indo nessa afirmativa: o mar. Nadava de ilusão sobre o muito quente dos asfaltos, era verão no Nordeste do Brasil... Ele se fez todo seca por isso achava que o amor, que ela, perversa, só poderia querer viver em lugar de muitas águas.
E se ia, noite e dia, sem se exasperar. Convicto que sua sina era essa busca, que sua alma era esse caminho da bruta aridez à mercê de encontrar horinhas felizes com aquela que escolheu o mar para morar.
Ele não sabia, mas como nunca antes, iria se desencontrar.

Agnaldo Timóteo - Galeria do Amor


P/ Diva Vieira Passos ( in memoriam)

Das muitas coisas que aprendi na vida sobre arte, poesia, comportamento, política, aprendi com ele, Caetano Veloso; hoje, em seu artigo ( O Globo/ A Tarde), ele citou Agnaldo Timóteo cantando essa canção que minha mãe, D. Diva, adorava. Sobre Agnaldo Caetano falou o mais que procedente: descartou as patrulhas sexuais perigosas e indigestas como qualquer outra.
Aqui para louvar o grande cantor que é Timóteo, para marcar meu aprendizado contínuo com Caê e para lembrar minha mãe. Também, desenhar, neste domingo fatídico, uma galeria do Amor dentro de mim. Quem sabe, né?

Elvis e Madona: uma história de Amor


Ontem ( 28 de maio de 2011,às 21 horas), Sala de Arte do Museu, Salvador-Bahia, palco para exibição do longa Elvis e Madona, de Marcelo Laffitte, com Igor Cotrim e Simone Spoladore, na 4ª Mostra Possíveis Sexualidades, sala com super lotação e, na tela, uma íntegra história de amor, com necessários toques de "conto de fada" quando o assunto é cinema e paixão.
Belo como narrativa e excitante como composição afeto-sexual, como possibilidade amorosa neste mundinho contemporâneo cada vez mais desencontrado; educativo a favor da nossa complexidade, que deve ser realçada e ressaltada para tratarmos de assuntos como União Civil Homossexual, Criminalização da Homofobia, Kit anti-homofobia, e as recorrentes hipocrisias religiosas e civis que fazem parte do processo da sociabilidade brasileira.

***

Uma história de amor entre um travesti ( Madona) e uma entregadora de pizza lésbica (Elvis), que apesar de ficção,  compõe uma história muito vista em nosso país: o encontro afeto-sexual aparentemente impossível, como seria o central desta narrativa, mas que acontece e já foi estudado do ponto de vista sócio-antropológico. Uma história que vibra os caminhos das possíveis sexualidades, problematiza nossas contradições e referenda ( o mais importante) o amor.


***
Divertido e com final feliz. Grande atuação de Igor Cotrim, impávido e sensual na pele da adorável Madona. Tudo ali, em Copacabana, o amor explodindo sem regras e redimensionando nossos valores culturais. Reinventando. Ainda pude abraçar Cotrim, agradeço-lo por Madona, que estava presente na primeira exibição do filme na Cidade da Bahia.

sábado, 28 de maio de 2011

Hoje é sábado


"Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado. "

Mergulho de pedidos e muita contemplação. A vontade de me ver bem e estar à luz da inspiração. Para seguir o sol que chega aos lugares por mim.  Sábado é assim: dança de festa e fé, maneira de aproveitar-se só e com os amigos. Sábado é o destino de quem traz Iemanjá na cabeça. E eu vibro  da janela com os olhos no mar. E tudo pode acontecer; até ficar em casa com um livro, recriando histórias, reinventando a vida, redimensionando os sonhos, aproveitando o presente que é este dia que antecede o dia universal do tédio. Eu vou me lançar, e aqui, é sempre no hoje.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Queria.
Tão simplesmente queria.
E queria no tempo passado.
Tocar seu rosto com meus lábios
E sonhar na sensação do seu fascínio
Tendo meu carinho como condução.

Queria
Deslizar a mão no cabelo
E falar coisas quase poemas;
Ver o tempo ruir no brilho
Dos olhos seus.

Queria
Negar a paixão
Tendo-lhe entre os braços meus;

Movimentar-me em Marte
Para vencer aquela guerra
Que nasceu perdida...

Queria
Que o tempo voltasse
Que você me amasse...

E todo resto fosse
Tão somente escrita.

Queria.

fazendo alegria

E esses entremeios perfazendo caminhos do silêncio e da sagração. Algo do desconforto como porta de entrada para atestar a liminaridade. A alma ciscando no esconderijo dos outros. O perigo das capturas noturnas, as pragas, as vergonhas, o choque, as porradas, o abandono, a fome. Tudo visto de cima para realçar a distância. Pedido clemente negado, afogado, inexistente. Leituras dos olhos que o tempo fechou. Uma saudade sem Deus. Batidas na porta da frente. As do fundo dando fuga sem explicação. O lado humano bem dentro na válvula  que canta falácias e ilusões para fazer alegria.
Entremeios. Nociva assimilação. Devaneios do dia, reflexões da noite. O contrário que salva mas impede a criação. E isso que sangra conversas e traduz os montes: longe tão longe nesse marulho que brota dentro de mim. Aqui só há vazio e religião. Compósitos da poesia mais rara, tão amada, calada de separação: o que não mais volta e é rio turvo inexprimível paixão avassalando outrem com sua especial delicadeza.
Lacunas inóspitas que devem guardar a memória dos dias em que ser feliz era só sorrir. O tal marulho fazedor da alegria que é rir com o amor.

Que volte o Kit Anti-homofobia


Convenhamos: não vamos perder a chance de melhorar humanamente, de coexistir com mais elegância e menos ignorância, menos preconceito.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Guadalupe Alonso

Ser é igual a se pensar

O último verão de la Boyita

 Guadalupe Alonso
Nicolás Triese

Cinema argentino. Numa temática já abordada em outras películas espalhadas pela Sétima Arte no mundo: o hermafroditismo; a dubiedade sexual vista também na formação corporal humana. A dureza de existir se descobrindo brutalmente diferente, o menino Mario ( Triese) e o pânico de se vê sendo o que ele não deveria ser.
E Jorgelina. A graça de uma menina bem longe das normalidades estabelecidas, se salvando do mundo dos adultos indo por caminhos criados pela sensibilidade e pela coragem de querer descobrir.
A mistura humana desses dois, poética e poesia sócio-existencial, enche a tela de vida e nossos olhos de lágrimas. Que confusão doída é viver sob o traço da absoluta diferença! Como é duro querer o que não se sabe e se ter sem saber como diante dos outros. Ali, entre os dois, viver é estar em constante partida.
Um filme para nossas almas, reflexão de gente querendo ser, preparação para amar quando se imputa a terrível negação desde já. Cinemão belo, desses que a Argentina tão bem tem sabido fazer.
A atriz, a menina Jorgelina, Guadalupe Alonso é sem explicação: sublime, linda, edificante; vale a pena viver com gente que se forma daquela maneira. A realidade numa personagem sonho. E esta vontade agora de ser e de amar: eu quero!

Maria Bethânia

Maria Bethânia para evitar qualquer exagero, qualquer desespero, qualquer desperdício. Maria Bethânia para devanear.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Interior

Lá no interior
de alguém
no interior além
que nunca sairá
do interior de mim.

João Gilberto : O amor em paz



Ele canta e então, todos os desenhos tornam-se insuficientes para exprimir de mim o que eu queria dizer e como dizer... O amor em paz. Tão grande dificuldade que todos podem, que todos devem. Ele canta para embelezar a inutilidade; para tornar som o sólido sofrido de um sentimento; para calar ainda mais. Canta por mim, eu que ando sem palavras, e, assim, sublima o meu pedido, dignifica o meu comando: não vá, fica. Ainda temos muito o que fazer. O amor com um pouco de paz.

Sem alcance

Foi pura alegria,
uma alma chegada.
Alegorias em verde rosa,
um jeito do Rio,
na forma gostosa da Bahia.

Foi um ultimato,
falácia do impulso,
desenho inesperado
com gosto de sonho.

Foi para o tempo futuro,
e contudo,
resultou em passado.

Esta alegria fremente
na gente que quer amar
para fora desta órbita imprópria,
do lugar das regras desvanecidas,
nas quais o humano se desperdiça.

E o amor não pode alcançar.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Istambul - a cidade toda azul


" - Onde o senhor mora?
  - Numa cidade chamada memória".

Intenso prazer de viajar. A cidade da pedra azul na minha vontade de deixar cidades para trás. Ir a Istambul. Meu coração na intensidade, adrenalina, saudade de muito querer. Viajar até me perder no sumidouro de mim mesmo e esquecer o que tive até aqui. Ir a Istambul. Sem remoer nada. Sem me deter a mais nada. Larga vaga neste toque que só de leve dei. Visão que me azuleja e me alucina. Quero esquecer , me incomodar e viajar até lhe perder por dentro. Não moro em lugar  nenhum. Habito o que me é externo e sem pertencimento. Vago de estesia e alumbramento, secando o mundo com minha água; deslumbrado com os olhos querendo Istambul. E sem sua fala nos levando para o não lugar: a viagem que não houve.
Ir a Istambul? Como agora? Onde eu moro? Na cidade construída na memória e que fica em cima da pedra do mar.

Meu sonho


Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.
Cecília Meireles

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Com a ajuda do mistério


Do não secreto. Do invisível que a pele vê. Sente. Daqueles caminhos desconhecidos mas azuis. Da verdade alta do amor dito sem culpa, sem medo. Do invasivo sentimento que lhe  rouba a paz mas lhe faz sentir vivo. Dos repetidos mais gostosos de ouvir dizer fazer. Da força da paixão que lhe arranca do sono para lhe colocar em sonhos acordados, às vezes. Noutras, o pesadelo da falta. O azul é assim: uma linda cor vida cobrindo sua cabeça, lhe dando imensidão, espaço desmedido, beleza, sofreguidão, tristeza, sofrimento.
Deste não secreto de fazer tudo girar e instaurar a mudança: é assim também. Muda como força a favor do destino. Pode ter carinho. Desenho de giz na calçada. Dizeres em camisas. Um rosa marcando um livro, uma página, o poema. Pode ter lágrimas e beijo na boca. Dança de criança, olhos nus. Corpos nus se entregando. Pode ter não. E nada mais a escrever. E se ter sim. Mais colibris, jardins, músicas, roupa nova, cabelos cortados, tardes febris e ensaios fotográficos com vista para o mar.
O não secreto do humano ávido por amar e ter do sexo, para além do prazer, a geografia do secreto que o outro nos permite intuir.
Azul é um pouco mistério. Delicada expressão que define alguém que está vivo. Entre o céu e o mar navegando esperanças. Nave soberana. Azul celeste e todos mais, o que se bebe no tinto do vinho e se celebra caminhos e talvez, quem saberá?, (re)nasçam (re) encontros.
Do não secreto pode vir deliciosas mudanças. E o mistério deve ajudar.

Meu Coração Teu


Sim, há veneno e uma doçura louca. Cobertura de maresia e palavras que guardei para impressionar. A afirmação do que nunca tivemos e nossa alma a singrar os destinos de um sentimento. Sim. Pintura expressa acima da mesa, longe das certezas, Van Gogh a nos guiar.
O clarão daquela solidão prometida como castigo e violência pelo crime dos que amam sem lei. Ainda assim, sim. Vento traz transformação. O que arde no peito é este carinho, esta vontade, este desejo. O peito abriga o melhor que tenho. Tudo bem acima das promessas, das violências, das ressalvas, dos desmandos. Nada é mais sutil e mais sereno e mais seguro e mais amor do que tenho guardado aí, no peito.
Esmeraldas e diamantes e turquesas; viagens, paisagens, conquistas... Tudo se aplica se de acordo com o que bate o meu coração... Cecílias, Sophias, Bethânias... Tem música e poesia lá e arde meu fogo, minha paixão.
"Meu coração teu".

Na terra do coração


Do livro Pequenas Epifanias, de Caio Fernando Abreu, a crônica Na terra do coração é minha tradução maior. Ali tem a dor de sempre em Caio, mas tem também a esperança dos amantes. E ele era um lindo amante. Posto aqui em homenagem ao que tenho sentido e alio o meu coração às suas marcas insolúveis  de mar areia sol chuva vento amor...


Na terra do coração passei o dia pensando - coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só com-cor, ação - repetido, invertido - ação, cor - sem sentido - couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava. Batia e rebatia, escondido no peito. Então fechei os olhos, viajei. E como quem gira um caleidoscópio, vi:

Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe.

Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham. Roídas de traça, amareladas de tempo, faces desfeitas, imóveis, cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisível. Este apertava os olhos quando sorria. Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra.

Meu coração é o mendigo mais faminto da rua mais miserável.Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água. Olhado assim, de cima, pode ser Wu Wang, a Inocência. Mas tão manchado que talvez seja Ming I, o Obscurecimento da Luz. Ou qualquer um, ou qualquer outro: indecifrável.

Meu coração não tem forma, apenas som. Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. Couro negro, prego e piano.

Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexos.

Meu coração é um traço seco. Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, gravado em fundo preto. Puro artifício, definitivo.

Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar. A brisa sopra, saiu a primeira estrela. Há moças na janela, rapazes pela praça, tules violetas sobre os montes onde o sol se p6os. A lua cheia brotou do mar. Os apaixonados suspiram. E se apaixonam ainda mais.

Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada.

Meu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplado por um único garçom. Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado. Rouco, louco.Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores. Quem dele provar, será feliz para sempre.

Meu coração é uma sala inglesa com paredes cobertas por papel de florzinhas miúdas. Lareira acesa, poltronas fundas, macias, quadros com gramados verdes e casas pacíficas cobertas de hera. Sobre a renda branca da toalha de mesa, o chá repousa em porcelana da China. No livro aberto ao lado, alguém sublinhou um verso de Sylvia Plath: "Im too pure for you or anyone". Não há ninguém nessa sala de janelas fechadas.

Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta categoria. A platéia joga pipoca na tela e vaia a história cheia de clichês.

Meu coração é um deserto nuclear varrido por ventos radiativos.

Meu coração é um cálice de cristal puríssimo transbordante de licor de strega. Flambado, dourado. Pode-se ter visões, anunciações, pressentimentos, ver rostos e paisagens dançando nessa chama azul de ouro.

Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins monstruosos que sempre acabam destruindo tudo.

Meu coração é uma planta carnívora morta de fome. Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos - ai de mim! ai, ai de mim!

Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Veja. Levam junto quem me ama, me levam junto também.Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro, papel crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso.

Acesa, aceso - vasto, vivo: meu coração teu.

Amarílis



Subitamente: as flores. Amarílis no lugar de sempre, incitando a memória, acariciando o olhar, ocupando com beleza os espaços muito vazios da alma. Amarílis.
Reenviando o desejo para o começo da jornada, reativando os elementos mágicos que perfumam a vida. O vaso no centro da estrada, não há nada a lhe atravessar, a não ser os olhares que amam as flores, captam as cores, alimentam-se nisso e seguem... As flores.
Subitamente: este cheiro de vida em acordo com o mais simples; misto de saudade e sedução; inteiro dos olhos de ontem noutros que foram profundamente meus.
O vaso de flores em cima da pedra do mar que ainda quero em mim.

sábado, 21 de maio de 2011

Maria Bethânia, na voz traz Oxum


A mim e a Paula Janaína

O canto dessa mulher não pode cessar dentro de mim: esses temas, essa a voz que se levanta linda em reverência aos Orixás e ao Amor que habita em mim.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Agradecer e Abraçar


É sábado.
21 de maio de 2011.
Dias em 3 e 4.
7.
O mar.
O feminino dança na luz deste dia.
Os pés tocam a  areia.
E a sereia está lá.
Agradeço.
Abraço.
Renasço.

Iemanjá, Senhora Absoluta deste Alvorecer

P.S. Esta canção, na voz dela, para agradecer e abraçar minha Iyá

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Maria Bethânia - Vida Real


Musa até nas intempéries. Um lugar feito de água no qual eu não temo mergulhar. Voz que se imagina e nos faz acreditar no que ela desenha e ali só é a grande artista. Minha peleja é alcançá-la como olhos nos olhos e intensificar o mistério do meu querer, respirar de alívio, depois do risco de ver os olhos da águia. Deixa da emoção que dribla a razão e me põe aos pés dela. Dali levanto com a força dos poemas e singro com medo e encantamento o mar humano daquela mulher. Senhora da beleza. Toco-lhe com o pensamento e faíscas amorosas do meu olhar. Esta é a vida mais real. Voz cortando os ares aliando-se a trovões que rompem afinados - por ela. Musa de corte água fogo ar que caminha na terra. Selvageria que civiliza doutores. Ela é. É o que há e tudo pela arte, pela canção.
Hoje - deslizo na obra da cantora, aprontando-me. Marco-me, e isso é sempre, numa canção do Caetano e rezo por minha vida, e a sinto roteirizada como ouço em Vida Real:  "desse azul que é só seu afinal, só meu afinal". E espero.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ruínas


Continua a ventar aqui na janela. Chove um pouco, mas nada de frio. Quero me aquecer de frio e esquecimentos. Descendo a ladeira vejo nitidamente a burrice que comanda a minha afetividade. Há dias desço ladeira e ela não acaba; ela não tem fim e assim, aumenta a febre e a minha fome de poesia. Enlarguece o olhar que vê o que eu nunca veria. Um dia, em Salvador, fez 18 graus e naquela noite eu tinha um amor também pra esquecer. Sopra o vento a espalhar uma espécie de medo: é como se antes nunca tivesse existido solidão. Sopra o medo no vento: domínio de tudo aqui.
A chuva aborrece a cidade e molha os pés da gente. Paralisa e prende em casa. Uma casa sem boca sem olhos sem respiração. Embalada pelo adagieto da Sinfonia nº 5 de Mahler. Embalada por Plata Quemada negando o futebol que passa na TV. Um homem se afogando na banheira. O descontrole da emoção que quer mas não deixa... O rol das daninhas repetições.
Minha boca beija a chuva e sorve o vento. Minhas mãos escrevem sem pensar e dançam a valsa que me inscreve ainda na esfera dos vivos.
Tem uma epígrafe esta noite: " É só de mim que ando delirante/ Manhã tão forte que me anoiteceu". A janela bate forte, ah, queria assim a alegria, rir em intensidade. Cada dia em sua epifania de confusão. Tiro a roupa para ser possuído pelo frio, antes de dormir, tantos livros, escritos; arre, como tenho que ser o bom que só seria permitindo alumbramentos.
Nada de frio, nada de salvação. Finda uma quarta-feira de Iansã. A chuva branda, o banho morno, leituras obscuras para o amor que passou. Registro o imprevisto como improviso de uma música que não tocou. Jazz. Esperança aterrada também. Não sei por que o número 11 não me traz sorte.
Vastíssima sedução sem pista - escrevo aqui silêncio para trazer morte - que foi para adiante da felicidade que começava.

Callas e chuva


A arte empurrando pra debaixo da chuva. Acho que nasci assim: água caindo do céu, agitando o mar e os peixes, dando frio, recolhendo pessoas; introspecção ensaiando-se já que a vida, pra mim, tem que ser solar. Nem que seja o sol sobre a tristeza - o sol à vista brilhando no canto de Callas.
Chuva numa quarta-feira; deveria ter raios e trovões, batidas na minha imaginação querendo ver Iansã dançar. O cenário greco-africano de Ópera me levando a esgotar o raciocínio e a ser só sensação, sentimento, emoção em estado bruto, confusa intelecção do que não se entende mas se sabe. Callas cantando.
É quarta-feira: a poesia me desalinha entre o vermelho e o branco. Soletro mis-té-rio e pouso os olhos na imagem da estúpida cantora. Ali, a mãe já é morta e todas as dores de amor me são passado. Não revivo nada. Só assisto nessa íntima chuvosa quarta-feira do mês de maio, pertinho do aniversário, quando eu não poderei sair de perto de mim: jamais. Não quero.
Ouço o melhor pra ouvir. Em Callas Billie Bethânia. Iansã no céu da minha imaginação: colosso da saudade que me habita. Me dói a duração desta escrita; logo depois, sou todo alívio e resolução.
Chove como poderia. Outono é a reunião dos temas que vinculo: de dentro para fora, num quarto escuro, eu nascendo por paixão.
O rosto da mulher me fascina tal igual a sua voz.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Belchior - Coração Selvagem


"Vida, pisa devagar
Meu coração cuidado é frágil;
Meu coração é como vidro, como um beijo de novela"

Teve um tempo que eu queria deixar de gostar de Belchior; era forte demais me lembrando um dos tempos mais felizes da minha vida; também, queria ser chique e ouvir Chet Baker e esquecer do todo daquele tempo. Só nunca consegui "desgostar" de Coração Selvagem, me traduzindo inteiro. Há muito voltei a Belchior, sem medo das doces lembranças de anos intensos megulhado na melhor ideia que tenho de amor.
Me preparo para assinalar a "perda" de mais um ano. Tive um pré-aniversário bem "inferno astral" ( até febre já tive), mas estou quase bom para este exercício dificílimo que é viver. E eu quero.
Coração Selvagem é uma letra da alma e universal, atemporal, poderia magnetizar o próprio Baker. E ando cada vez com menos pessoas, ainda mais solidário generoso, resguardado de mim mesmo. E Fé. Aniversário ainda é tudo, mas não como antigamente. Vou fazer um poema para o mar, entregar em suas águas, seguir assistindo a arte - canção de um país que mora em mim. Iemanjá - me guarda sempre do grande mal.
Me devasso e choro e vou. Milito espraiando a poesia de todo dia. Publicizo-me daqui. O medo é menor. Eu sou meu melhor tema - sem biografias, só confissões -, vazio em minhas especulações artísticas: um quadro de Van Gogh e Monet; Jenner Augusto todo azul; Dali e Miró; Tarsila. Vejo O segredo dos seus olhos pela décima segunda vez; dia 21 amanhecerei vendo ele ( décima terceira). Manuel Bandeira me dando rota; Nana me desorientando; saudade de um lugar que nunca vi; viciado em internet - arre!-, de fato sou um homem comum e sozinho. Ouço Mãe e minha Gal me esmaga. Belchior e o Nordeste. O povo lindo da Bahia, do Brasil...
Me devasso para ser esquecido, para atormentar, para meter medo e para eu saber: ao meio de tantas perdas, só fiz de verdade o que a minha liberdade me indicou.
Mais anos, mas eu muito mais leve. Estranho. Não alcanço ninguém, também não sou alcançado; navego o mar de mim, conservo algumas ilusões e planejo ler mais - literatura e poesia - e escrever retintamente uma escrita que me seja terapia, salvação, dor, prezer.
"Meu caminho é cada manhã". Perdão, Werneck, mas só sei errado assim.

Descida



Lá se vai mais um sonho,
no ímpeto frescor do muito querer.
Desce veloz a ladeira,
me põe na cama sem companhia;
Eu - o que não sabe esquecer.
Tenho que descer até o final,
e depois, tentar subir de novo.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Gal Costa - Mãe


"Sou triste,quase um bicho triste". E assim, sob o peso destes versos, debaixo da força desta canção, sem imagem, sem coragem, sem vontade: nasce esta postagem. Voz de Gal em Mãe, longuíssima dilaceração que sempre traduziu minhas mais íntimas tristezas. Não tenho receio de mais nada! Canta Gal, eu vou te ouvir e quero que lhe ouçam também.

domingo, 15 de maio de 2011

João Gilberto e Caetano Veloso: Meditação



Existem quatro vozes masculinas no Brasil que eu adoro: caetano veloso, luiz melodia, joão gilberto, djavan. Hoje estou mergulhado na poesia vocal de dois. Gênios que busco com a alma. Medito sobre domingo, evito qualquer saudade, choro por nada, e chove. Muito. Na Cidade da Bahia. Medito sobre trabalho, escrita, Clarice Lispector, evito pensar em amor. O tempo não foi pra mim. Mas sigo, entre escritos e meditações, podendo contar comigo até. João em seu inexplicável. Caetano, meu ídolo com seu ídolo. Tudo do meu tamanho.
Sem saber de amor, sem falar de amor, como se fosse nada ou capim, eu amo.

Adriana Calcanhatto: O micróbio do samba


As letras são um alento estético; mimos à audição deste povo brasileiro que tanto ama canções. As melodias integram a grande compositora ao samba. Tudo muito feminino, sem panfletos, só leveza e molecagem. Uma delícia precisa e preciosa que atesta a imprescindível presença de Adriana no cenário musical brasileiro. Já para além da elegância, ela agrada porque escreve bem, faz música de verdade e, canta. Mulher linda.
Belas homenagens a outras vozes, como Marisa Monte e Mart'nália. O disco singra com alegria este ritmo triste tradutor dos nossos desencontros sociais e amorosos. A Lapa carioca, como tem sido com todos, depois do morro, é o grande cenário deste povo que adora sambar. Ouça muito.

Chaya


" da mulher febril que habita as ostras"

Mora nas ostras por não haver outro lugar. Era a encurralada na grandeza de si mesma. E no entanto, está quase em toda casa. A outra. Mito grego feminino do poder. Mulher aparência e às avessas. Toca. E vai para além dos mitos. Humana em tempo presente. Vulto do passado e futuro humanizador. Uma falta imensa na obra que não nos deixa em falta. A canção entre Caetano Bethânia João. O disco literário das vidas que se cercam daquele peso que cria a maior leveza. Febril amando errado(?), de casamento errado, de escrita salvatória e profilática. Um exemplo amoroso a ser descumprido e eu sigo aquilo como se ela fosse. É ontem - uma sexta-feira 13 do mês de maio: meu maior luxo é o esquecimento. Luxo porque me falta. Repito. Não sei esquecer. Sou, como a escritora, estrangeiro de mim e dos outros. Vago numa forma de homenagem que alude minhas confissões. Repito. O mundo está batendo em mim.
Sereno, depois da dor, na esperança doída e doida que vem da mulher das profundezas; escrita d'água. Aceito. Ela viverá enquanto vivo. Assisto a beleza circulando no carinho que ofertamos; ela escrevendo e eu remoendo fragmentos dos escritos que sobram dela. Veneno.
O nascimento que não tivemos e vamos para onde. Ela eterna. Eu me apagando. Vamos. Fragmentos. Possibilidades. Contrato. Hipocrisia. Medo. Desencontro. Mar. Vento. Pedra. Morte.
O frio insuportável do que não foi e poderia ter sido. A casa assassinada. Ela e eu dentro. Investigação que aceita o não mas não o tempo perdido. Crônicas do mineiro enlouquecido. Poemas do baiano apaixonado que não é poeta.
Encontro das águas. O olhar maremoto da escritora quase deusa. Filha de Tétis. A profundeza da solidão mais assustadora. Nosso espelho: Macabéa. A vingança que não será. E dançam acima da mesa Oxum e Ogum. E a queda de Camus. Existir a que será que se destina?
Tenho um livro dela entre minhas mãos. E Chaya também mora em mim.

sábado, 14 de maio de 2011

Maria Bethânia



Para purificar meu ar e pela qualidade artística me dar coragem de seguir. Muita beleza também a estes olhos meus que não se cansam de contemplação e amor.
Maria, sua poesia não sai de mim. E te pinto mais linda por este amor.

Água Viva ( e colibris)

" Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. É também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler perguntarás porque não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras - e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada. A palavra é a minha quarta dimensão."
Clarice Lispector, Água Viva, p. 10

Incorporeamente:
fluxo inócuo de carinho
resistência musical de adoração perversa.
À frente.
Segue-se o meu tosco no aconchego profundo do meu coração:
uma espécie de ninho.
Tambores rufando o inaudível,
palavras gastas,
mesmas formas,
constância da saudade,
os olhos-criança,
um aquele corpo,
inteiro,
pulsão,
suores,
marulho amplificado, 
areia e sol,
vastidão desamorosa,
compilação confusa,
eterno filosófico,
graça,
menino, deus,
presença morena,
paladar,
telúrico
Amor.





Conversa clariceana






Meu pensamento se distrai ao som da máquina: é um se me acompanha e tenho outras coisas para ouvir. Mas a máquina toma o silêncio, denuncia a falta de paz e desafia a liberdade da qual não abro mão.Continua. Marulha minhas olhadas discretas, pela janela, para o tempo e a desilusão. Cria histórias que me dilaceram e me fazem escrevinhar linhas. Hoje não há sol de dia mas o lustre me guia a sangrar entrelinhas que ninguém escutará. Mesmo batendo contra o silêncio e dominando meu pensamento, as batidas da máquina me salvam. Um movimento de fogo ao vento revelando possibilidades de deixar. O maior luxo em mim é conseguir deixar pra trás, é esquecer.
Tremeluz minha aprendizagem às avessas, meu livro dos desprazeres. O amor sempre clandestino, alinhado à marca hipócrita do impossível, maior que acaso, se fez morada cotidiana em minhas procuras de afeto e companhia. O não-sei- o-quê é o que me define. Me alimento do mistério que há mim. Me queimo nele para sentir a vida. Minha vida recria-se como uma pintura: Água viva. E é o poema mais tátil vital alegre triste inspirador. Prosa poética? O que é isso?
Converso com o som da máquina e sonho ter algumas palavras raras que ela imprime. Sonho ter histórias inventadas, as que não me são confessionais; as tiradas do exterior como " eu é um outro". E sigo. Máquina.
Para além dos dissabores, dos ferimentos, das violências. Fico - numa conversa pausada, mais passivo que ativo, ouvindo a máquina. A máquina domínio de uma mulher que não me deixa fugir de mim.


sexta-feira, 13 de maio de 2011

Sem você


E saio das demandas que me obrigam à experiência do meu próprio feitiço. Minhas tardes monótonas tornar-se-ão fogo queimando esperança. Tornar-se-ão amontoados de palavras, versos desarrumados, amores precoces ou tardios, lugares inalcançáveis, solidão, cansaço. Qual o rio a navegar agora? Minhas asas renascerão? O que é certo na marca firme dos tratamentos psicológicos? O que alçar para frente e o que deixar para trás?
O silêncio me alimenta e salva do fogo a esperança que me violenta a imaginação. Medo e vergonha. Água e confusão. Chove para dentro de mim. Molha meus tecidos secretos. Eu grito da caverna. Grito e sonho sem luz solar. Parece que estou fadado a nunca enxergar. Sobrevivo sem tempo. A música mais difícil rasgando minha garganta desafinada. Minha alma perdoa. Meu corpo retalha e condena com as garras da Fênix que sou obrigado a ser todo dia que amanheço e acordo sem você.

Recomeço


Dentro da água doce, a caminho das águas do mar, esse suspiro de liberdade em nome do que ainda pode ser feito. Essa minha essência que se me desliza, de dentro pra fora,de fora pra dentro, meu tema favorito: água e eu, eu e água. Todo apreço que mereço se mede em mim pela proteção que vem daí. E as sereias cantam. Obrigado, minha Mãe.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Sob a ponte de Mirabeau


Sob a ponte Mirabeau desliza o Sena
E os nossos amores
É bom lembrar, vale a pena,
Que a alegria sucede aos dissabores

A noite vem passo a passo
Os dias se vão eu não passo

As mãos nas mãos estamos face a face
Enquanto passa
Sob a ponte de nossos braços
A onda lenta de um eterno cansaço

A noite vem passo a passo
Os dias se vão eu não passo

O amor se vai como esta água barrenta
O amor se vai
Como a vida é lenta
E como a esperança é violenta

A noite vem passo a passo
Os dias se vão eu não passo

Passam-se os dias passam-se as semanas
Nada do que passou
volta de novo à cena
Sob a ponte Mirabeau desliza o Sena

A noite vem passo a passo
Os dias se vão eu não passo

Apollinaire

( Tradução Ferreira Gullar)

P.S. Coisas do twitter, trazendo-me a erudição de Claudio Leal. Como é violenta a esperança, essa sexta-feira 13, vontade de sorte, coragem, saúde, Amor. Outro dia haverá Paris.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Lá em Bruxelas


Essa eterna embriaguez, mesmo quando estou sem álcool. Meus passeios de mim para eu. A bússola espiritual da Dona do meu Ori. A vergonha aliada aos hipócritas. A discórdia com o que não quero fazer. E o fazer do que eu quero. Um pouco deserto na alma, mas tudo bem molhado. Um lado edificado, minhas canções favoritas numa outra escrita que incorporo em mim. Essa trajetória sem corpo. Meu toque no mundo. Eu tocando o mundo de Bruxelas até ali, Largo dos Aflitos. Há algo me mutilando. Eu me perguntando sem ninguém para responder. Quem coça minhas costas?

Essa dança de mulher. O ciúme me matando. O mar que me espelha e afoga. Meu nome a distância. O que deveria segredar. Cenas do filme de ontem. O poema na mesa hoje. E amanhã?

Lá em Bruxelas. Beleza e desespero. Um sonho encantador. Olhos que choram e aprendem. O frio que acompanha e o silêncio perturbador.

Onde mora coragem em mim? Leio Água Viva e me permito imitar. Onde mora coragem em mim? Mais que coragem - preciso também de sorte.

Onde ponho a minha saudade? Traz.

Cenas do amor

Bem depois. Uma musiquinha, um casaquinho, vinho, lágrimas, espera para fazer a solidão maior. Algum desvario - a procura no erro, a falta de lugar para amar -, vozes outras, lamentos. Arre, o tempo parou. Vaga vastíssima. Nana eletrolando o sentido. Tudo que muito dói. O corpo tremendo. A vida dançando. Pintura de água. Inspiração alcoólica. Deserto. Neve na Bahia. Fogo no Paraná. Sede tanta. Naufrágio em mim mesmo.
Cenas do amor num mergulho sem mar. A pedra faltando. A coragem cessando. O eu sem saber encontrar.

Bem antes. Tudo em silêncio, nada revelado, amor em mistério. Nada do tempo obrigando; nada do corpo ansiando. Nada em face do tudo que se guardava numa tessitura de amor e admiração.

O que nunca deveria ser era essa paixão.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Nana Caymmi: Rio Sonata


Georges Gachot é um cineasta belga que se apaixonou pelo melhor da MPB; primeiro foi Maria Bethânia, entre o Rio, Salvador e Santo Amaro. Agora é Nana no seu Rio de Janeiro.
Rio Sonata  é o canto inclassificável desta mulher, filha do nosso patriarca Caymmi, que com 70 anos de idade, é uma das maiores cantoras do mundo na contemporaneidade. O filme desenha isso: a força do canto mais que lindo e preciso de Nana Caymmi. Não prestei atenção na narrativa, nem no reconhecido talento de Gachot de captar belas imagens, e de contrastar a grandeza da nossa música e a pobreza do nosso povo; não, eu vi e ouvi o canto de Nana. Dilacerando a mim e plateia, consolidando a sua auto-consciência de enorme cantora: " adoro me ouvir cantando". Vi o documentário duas vezes e,em casa, não paro de ouvi-la cantar Saudade de Amar, uma de suas canções favoritas, na voz dela uma das minhas também.
Eu quero Nana cantando, gravando discos,fazendo shows, até aqui em Salvador,cidade que, de verdade, ela odeia.
Mas eu a amo e nesses dias de outono então... Ouvi-la é um estado de paixão contínua e eu adoro me sentir assim, mesmo que não esteja assim. Veja Rio Sonata.

domingo, 8 de maio de 2011

O toque

"Estão todas as verdades
à espera em todas as coisas:
não apressam o próprio nascimento
nem a ele se opõem,
não carecem do fórceps do obstetra,
e para mim a menos significante
é grande como todas.
(Que pode haver de maior ou menor
que um toque?)"
Walt Whitman 
É o toque que se espera, a menos dias, a menos horas, em minutos, como a leitura de uma poesia que ao final da leitura se eterniza na alma.
É o toque do que deveria ser sem asco ou promessa, então, entrega do mais profundo e para além do sim ou não, sem explicação, ser deveras.
É o toque numa espécie de fulminação, alumbramento trazido pelo feitiço dos olhos, corpos se juntando; paz e carinho.
É o toque na forma do abraço, no alinhamento das almas difusas, no estar sem perguntas, no sexo se propagando.
É o toque - esse passageiro na condução do amor, na visão da beleza, no sentir prazer.
O toque, às vezes descaminho numa falta que anula, às vezes a saga mais mágica em uma salvação. 
O toque no rosto, a língua na língua, a mão no mamilo do outro, o nariz no pescoço, o abraço sem limites e sem classificação.
É o toque como começo para o beijo e o continuar para dois que podem se amar um pouquinho na leveza de estar aqui assim:
Tocando-se...

sábado, 7 de maio de 2011

Sábado de manhã

Stella Maris

Hoje é sábado e eu interrompo Nana, só um pouquinho, dentro de mim. Continuo no caminho da beleza, mas por causa de hoje, eu quero alegria. A beleza de Stella Maris, um banho de cachoeira, poemas de Karina Rabinovitz, um golinho de cerveja, aquele filme de amor gay no cinema ( em São Paulo, ainda não chegou aqui!), o inexplicável do STF - viva a União Civil! -, perfume Polo no corpo, aquele sorriso naqueles olhos tristes ( lindos!), a festa de Pinduca, o show na Concha Acústica da rainha Daniela Mercury. Eu quero vida em mim e que cesse um pouco esse medo que me atormenta. Nana é a Ialaxé - todo amor a ela que canta todo amor em nós - e está nos cinemas do Circuito Sala de Arte, imperdível.
Com toda alegria necessária para ir, ainda assim, não consigo largar A cinza das horas, dele, o meu Manuel Bandeira, entre os brasileiros, o maior de todos os tempos.
Eu não estou feliz; estou apreensivo e quase alegre. A vida tem que ser mais, apesar de tanto sábado, hoje, dentro de mim: verde e azuis, uma rosa champagne, o marulho do mar; esse mar preâmbulo e final de tantos nomes em minha memória.
Hoje, dia de Iemanjá - altiva Senhora realiza esse dia e mais por mim; seu filho lotado de fé e amor. É pra já!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Nana Caymmi - Não se esqueça de mim


"Abraçados fortemente, e tão próximos que um podia sentir o cheiro do outro." 

Ela é assim. Sangria na memória, mãos suadas, embriaguez... Desvãos: a voz machucando para isso do amor à brasileira. Ali. Se há esperança, é amizade. Ouvem-se nela. Se quer ter alcançar. Palavra horrível é esquecer. Ela, a invasiva. Abrasiva sedução musical. Noção do corpo presente. Ela semente - nisso tudo que põe a gente no escuro a lembrar amores de outrora... O de agora, também.

Me rasga esse canto no quarto escuro da minha esperança: eu bebo e sofro sendo aqueles dois.

Proposta



Entre o sim e o não. Mas dentro. Dentro de uma proposta que, se eu soubesse, eu faria cantando assim...

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Âmago da história

Eis o sol dentro de mim. Acordando fazeres e doces expectativas. Devolvendo flores reais  a vasos e jardins. O sol dentro de mim marulha. Cantam, ao longe, cantam vozes da nascente. Minhas roupas são brancas e meus olhos se veem nos olhos de um homem de pele preta. Carinho da ancestralidade e afago de um povo que sou eu. É manhã. Borboletas se apresentam e colibris me visitam e incitam lembranças do já. Cores, muitas cores a vibrar espera e realização. A vibrar beleza num todo que se faz dia... E à noite? A noite virá para, se possível, desalinhos esperados desde Aristóteles até ali: o âmago da minha história.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Ive Brussel


Para além. Lembranças de Bruxelas e um ritmo de homenagem-saudade de alguém que está. Sim. Viva Benjor.

terça-feira, 3 de maio de 2011

"Eu faço versos como quem morre"

Desenho o mal dentro de mim. Apago o brilho triste dos olhos além para não ter o que e como buscar. Exponho-me ao poema rasgado em centelhas e preste a chorar. Eu, o incauto. Aludindo minhas ilusões. Quase chorando por dentro da chuva. Esse molhado da incômoda solidão. Esse livro rasgando-se e levando meus sonhos vãos. Doendo num ritual de luz a favor da morte. O poema ocupando um lugar na cama. A memória, como a cama, servindo de abrigo ao poema e a ausência que me molha mais ainda. Ah memória! Histórias que não sei contar.

Desenho o indizível que todos sabem e o mal mora dentro de mim. Tenho perguntas sem respostas e repito; repito muito. Repito mesmo. Eu quero como quis outrora e ao avesso. As flores do jardim na casa do vizinho morreram todas. Mas o que eu quero, quero pra mim com a dor da morte e os desalinhos da vida. Pra mim. Defronte e dentro. Sangue e perfume. Tempero. Temperamento e taras. Quero sim. Roupa íntima branca molhada. Um pouco de Carnaval. Leveza para enfrentar a dureza de um tempo sem igual, mas eu estou aqui - feito versos do poeta morrendo; a puta ardendo de querer; e prazer de uma escrita bendita num desenho do mal interno de mim.

Eu tenho sede. Tenho falta. Tenho ânsia, tenho fastio. Tenho asia de gente.Tenho febre. Tenho dente. Quero morder. Quero viver apesar deste mal. Desenho que ninguém vê mas crê como um sinal amaldiçoado em mim. Sinal sagrado. Fúria tridimensional. Escapulidas da sala. excesso de trabalho sem dinheiro. Eu sem ter. O telefone sem respostas. O dia no sol que traz chuva. A música do dizer. Nada traz. Tudo resiste a ficar ali. Corpos separados. A mágoa afirmando a separação.

Os versos de quem morre. Sem testamento. Um corpo iludido. Uma alma à procura. E escritos bailando sobre a cama. Lugar sem pertencer. Rastros do estrangeiro. Abandono. Calor. Vespeiro. Tudo dito contra si. Vazio imenso. Um acorde ao vento para devastar a cruel lembrança de um amor que não veio. E no peso disso: fé.

A divindade é assim.

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.


Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.


E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.


- Eu faço versos como quem morre.

Teresópolis, 1912.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Billie Holiday



Inteira. Me chega em dias de turbulência, nessa fatídica hora de perder energia criativa por nada. Ela em vibratos, em nome da guerra que acorda dentro de mim e eu saio me debatendo em muros, nos escorados em restos-alimento da mediocridade. Ela que enfeitiça de grandeza e dor: sua musicalidade. Me arde reflexões. O dessentido de existir sem. E o que falta é fundamentalmente imaterial. O rasgo daquela voz é o modelo maior para qualquer canção. Mas a força daquilo é o impreciso toque da emoção que cria noites e dias na audição de qualquer vivente. Ela acende a sensibilidade dos brutos e arranha profundamente a fragilidade dos sensíveis. A fragilidade sem fraqueza dos que comungam com ela: a beleza de ser... E, às vezes, superior aos outros.


Largamente. A voz que faz doer mas inibe o medo. Tortura de ânsia e põe o corpo para sentir explosões de desejo, de querer. Eu quero. Meio trompete e saxofone: instrumento humano. Mulher. Nada antes ou depois dela. Nenhum detalhe de mortalidade ou efemeridade. Ali é a deusa da música humanizada: a cara negra mais linda, na voz mais linda, na história dura dos gênios... Eu quero ter um corpo sob o meu nas récitas libidinais desta diva estadunidense. Cavalgar o amor tendo a voz dela me arranhando as costas e os tímpanos. Quero repetir o que foi felicidade. Segurar a pedra e estar inteiro sobre ela. Muitas récitas e o fazer amor deixando a mediocridade para bem longe de mim.