segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Maria Bethânia faz do Brasil canção

(Foto: Olivia Soares)



Marlon Marcos
Jornalista e antropólogo
ogunte21@yahoo.com.br
A Tarde/BA 29/08/2015

É um perigo para um país ressentido como o nosso completar 50 anos de carreira sob os holofotes e as trombetas do devido reconhecimento. É um perigo se fazer sucesso sem apelos comerciais e movendo-se pela vontade de desenhar cenas que são consonâncias da verdade estética escolhida para si. É um perigo ter o que dizer com frescor de novidade, o que se disse há cinco décadas em nome da MPB e do desejo de expressão que orienta os mais marcantes artistas.

Chegou a Salvador, cidade capital da Bahia, a turnê Abraçar e Agradecer, que comemora os 50 anos da carreira emblemática da cantora santo-amarense Maria Bethânia. Ao meio de muita confusão, desorganização do Teatro Castro Alves e poucos dias (dois) para uma cidade ávida por assistir à sua artista mais prestigiada na contemporaneidade. Bethânia e sua produção precisam reconhecer o amor que sentimos por ela e a necessidade que temos de conviver mais vezes com a brisa que advém da sua arte, do seu canto, da sua presença de dramas e poesia. Talvez – uma turnê de quatro dias serviria para alcançar um número maior dos muitos apaixonados por esta mulher que é a maior cantora do mundo contemporâneo. E é da Bahia!

Bethânia é um artista de enfrentamentos. O outro lado deste país que, como bem disse Tom Jobim, não é para principiantes, vive à caça de deslizes que minimizem o brilho solar da cantora, feliz com tanto reconhecimento acerca de sua trajetória artística. Até culpá-la pela venda recorde dos ingressos no TCA fizeram. Este é um momento de Bethânia que também é nosso, baianos e brasileiros. Sua voz desenhou e desenha o Brasil que pode e deve se expressar como ela. Nosso povo e variantes culturais são a matéria prima da sua inventividade, encontrada nos compositores que escolhe cantar e nos autores de textos que insiste em dizer.

Em Bethânia, o Brasil é a sua melhor canção. E nós a ouvimos.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Por que não seria?






Por que não seria?

Da presença toda sã aos descaminhos que acometem a vida de todo mundo.

Da grandeza que se marca do jeito que se é.

Do quadro das maiores certezas ao medo escondido no escuro do quarto.

Da velhice impressa numa eterna juventude.

Da voz da mulher das águas - olhos na Baía de Todos os Santos.

Do sentido da vida que emana coragem.

Do choro menina que se abriga em quintais da memória.

Da pele quase negra.

Dos poemas clariceanos.

Do ventre da mãe que não morre.

Das canções que eterniza.

Os olhos da menina do fogo vestida de Oyá.

Da paixão que procuro.

E este sonho que realiza o prazer profundo,

quando ela canta na Bahia,

na casa do nosso poeta...

Entre sons e poesia,

em mim

a vida é mais bonita,

na presença negro-morena de Maria.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Caetano Veloso, 73 anos









O artista.

Lembro-me do meu esforço, com 10 anos, para entender o que me dizia aquela letra de Um índio, na voz daquele homem que todos achavam efeminado e eu achava o mais homem de todos. Lembro-me de suas contas de Odé e de Oxum, do azul claro que vestia ele e aquele chapéu na capa do LP Cores e Nomes. Lembro que ele me permitia ser. Sua poesia me fazia sonhar e desejar uma vida melhor, com a qual eu pudesse me expressar. Amava ter nascido na Bahia e, melhor ainda, ter nascido em Salvador. Queria saber escrever (e eu não sabia) para ser poeta tal qual aquele homem tão estranho e fora dos padrões, mas dono da rara beleza que só os artistas mais raros conseguiam ter. Sonhava com ele. Aceitava o candomblé na minha vida, com mais tranquilidade, por causa dele. Quem era Muhammad Ali? O que dizia a palavra impávido, a qual nunca mais esqueci? Cinema transcendental trilhos urbanos, Gal cantando Balancê. Quando esta preta começa a tratar do cabelo. Um filhote de leão raio da manhã. Amar dar tudo não ter medo. Bobagens, meu filho, criancices. Místico pôr do sol no mar da Bahia. Vivia aquelas canções e para ser menos pobre e me exibir inteligente, além de Gal. Baby, Clara Nunes,Novos Baianos, Fábio Júnior, Gonzaguinha, Kátia ( a cantora cega), Sidney Magal, entre outros, mais que tudo, desde os 7 ou 8 anos, eu gostava de Caetano Veloso.

O homem.

"Abrirmos a cabeça para que afinal floresça o mais que humano em nós". Aquele corpo famoso do gênio se divertindo no Porto da Barra. Os shows possíveis em santo Amaro. O susto da boca pintada de batom. A força na figura frágil. A fala infernal. As letras que mais amo. O caminhar nas ruas da Bahia. A coragem e o discurso. Os ensinamentos de alguém ao meio popular, que mais do que acadêmicos e intelectuais oficias, empurrou o Brasil para o melhor, o menos careta, o menos desumano e atrasado. Alguém que se sonhou grande, se fez grande, sem perder a dimensão do que se deveria fazer, através da canção popular, para que não fôssemos mergulhados na truculência de um tempo perverso, e que ele, muito ele, mais que tantos outros, tornou muito criativo.

Trem da Cores

A canção dele que, na voz dele, eu mais amo.
E esta é a mensagem da minha existência:
"E aquela num tom de Azul, quase inexistente Azul que não há, Azul que é pura memória de algum lugar."


73 anos,

Uma alegria imensa tê-lo vivo, atuante, criativo...Envelhecendo nessa verve juvenil que nunca lhe abandonará...Só lhe peço: nunca perca a sabedoria edificante que os anos nos trazem. Se lhe cobram muito é porque suas marcas são indeléveis nesta civilização negro-mestiça chamada Brasil.
Vocé é poesia - e eu, com muito esforço, tento aprender contigo.

Parabéns, mestre maior.

Com amor,
Marlon Marcos