terça-feira, 23 de dezembro de 2014

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fiquei imaginando você,

nessa sua cara de galã,

todo grande,

atuando,

a la irandhir santos,

de cueca branca,

chuva nordestina,

filme pernambucano,

diretor e ator,

roteiro certeiro,

mais poesia que narrativa,

cabelos molhados,

lábios mais vermelhos,

mais macho que anjo

e ainda que sob água:

puro fogo brincante.


O vento lá fora


Haveria eu de fazer muitas perguntas
diante das contínuas belezas que traz
o selo carioca Quitanda, dentro da Biscoito
Fino, para a cultura brasileira. Mas, com
o projeto O vento lá fora, com as vozes de
Cleonice Berardinelli e de Maria Bethânia dizendo
poemas de Fernando Pessoa, em imagens
sonoras em preto e branco, me reduzo ao
silêncio contemplativo e a uma espécie de reverência
que se move e aprende através do
delicado resultado que é esta obra dirigida por
Marcio Debellian.

O projeto traz um DVD e um CD que cumprem
a tarefa de recortar a obra do autor à luz
da especialidade acadêmica de D. Cléo (uma
das maiores especialistas em Fernando Pessoa
no mundo) e da récita inconfundível de Bethânia.
O filme nos assenta em nós mesmos:
foi feito para audições individuais, solitárias,
quase secretas. Se há paixão do Brasil por
Pessoa e Bethânia, o Brasil também se apaixonará
pela nonagenária intelectual, imortal
da Academia Brasileira de Letras, Cleonice Berardinelli,
fincada em sua trajetória professoral,
mas artística até a alma e extensivamente
enamorada da poesia que o bardo português
legou ao mundo.

O DVD trata de maestria e de generosidade.
Maestria em Pessoa, em D. Cléo, em Debellian...
Maestria em Bethânia, que se soma à
sua própria generosidade, se emprestando ao
projeto como estrela maior da MPB e que se
faz pequena frente à sabedoria da professora
e, mais ainda, à condição senhorial que os 98
anos da mestra imputam à relação entre as
duas e entre todos os envolvidos na construção
do vídeo.

Mais que aula. O filme é pura poesia em
movimento – lições da fala, da escrita, da dicção,
da inflexão, do silêncio a partir da língua
portuguesa –, absorvendo a quem o assiste pelo
viés da experiência poética, um convite entre
rigor e transe, costurado pela beleza e ventilado
pelas risadas de Bethânia, pelo piano de Bethânia,
pelos cortes de D. Cléo, pelo humor
professoral de D. Cléo e pela edição fílmica
deste encontro. É mimo, como diria D. Cléo...
Um mimo aos ouvintes de Pessoa que entra
assim: “Estou preso ao meu pensamento/ Como
o vento preso ao ar”.

(Publicado no Jornal A Tarde, Caderno Opinião, p.3, em 20/12/2014

Mãe Tatá: dádiva de Oxum


Em pleno movimento da festa do barco
– a que encerra o calendário litúrgico
anual do Ilê Axé Iyá Nassô Oká e é uma
homenagem a Oxume a Iemanjá – aconteceu
o lançamento do livroMãe Tatá – uma dádiva
de Oxum, pela importante editora baiana
Ogum’s Toques Negros, organizado pela ekedy
e professora doutora Ana Rita Santiago,
que intuiu homenagear com a obra Altamira
Cecília dos Santos – a mãe Tatá de Oxum,
sacerdotisa maior que está no comando daquele
terreiro desde os anos 80.

A festa é um paiol de beleza: combina
tecidos finos dourados com cortes de seda
azul clarinho, como o mimo que Oxum e
Iemanjá fazem em seus filhos. O feminino
que se alastra negro saudando nossas origens
africanas. O livro pode ser definido como
síntese da delicadeza dirigida à delicada figura
de uma das grandes lideranças do candomblé
baiano nos últimos anos. É uma reunião
de relatos, curtos e tocantes, com impressões
de membros e amigos daquela comunidade
religiosa e que viveram experiências
com mãe Tatá, tida e referida no livro,
pelo babá Air do Pilão de Prata, como a Irmã
Dulce do Axé.

Numa noite de domingo, 30 de novembro,
os atabaques em batás e cânticos ijexás, uma
significativa obra é lançada para a sacerdotisa,
no barracão de um dos mais tradicionais terreiros
jeje-nagôs do mundo (já que o candomblé
tornou-se uma religiãomundializada),
e a alegria dos que participaram da homenagem
escrevendo o livro foi contagiante: “Esqueci
a palavra santa no meu texto, sou a
autora da página 103, conheci mãe Tatá através
do ogã Tonho, fomos colegas de escola; vinha
muito aqui jogar cartas com ela; nunca fiz o
santo, hoje sou católica bem praticante, mas
admiro e gosto muito de mãe Tatá”, falas de
Aurelice Pereira de Almeida, em dupla felicidade:
estreando como autora e homenageando
alguém que marcou muito a sua vida.

Que realização digna é este livro: poderíamos
assinalar os novos tempos do meu povo
de santo, escrevendo para e sobre si mesmo, se
somarmos a isso respeito às mais diferenciadas
trajetórias dentro do candomblé, mirando-
se na singeleza poderosa de mãe Tatá.

(Publicado no Jornal A Tarde, Caderno Opinião, p. 3, em 06/12/2014)