terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Mais amor

P/Michelle Cirne

Nada de me por contra o melhor que trago. Contra ao que me conserva os sonhos, a vontade do encontro, o deslumbramento, o sorriso matinal, as orações e os poemas noturnos.  O que me veste e despe nos caminhos contraditórios da vida, quando insisto em não deixar de ser e mantenho, por pirraça e doçura, a esperança em viver.

Nada de blasfêmia frente ao espelho, frente ao medo que a solidão dá, frente ao desespero de assistir o tempo passando. No fundo, quem passa sou eu e não vou sozinho. Vamos todos nós juntos. Cada qual no desenho de vida que o seu melhor escolheu.
Em mim, o melhor é amor que nutro com poesia, música e cinema; com a ternura que sinto pelo mundo, numa vontade em paz de querer abraçar, aninhar neste misto de candura e desejo,  às vezes também sexo, muitas vezes só fraternidade.
Nutro-me de amor com a mesma matéria que me faz doendo desamar  :  gente. E satisfeito  com esta condenação, alcanço o  lugarzinho que idealizo no mais íntimo de mim, e perfilo em impressões,  o que vivo ou finjo sentir.
Bem acima: o amor.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Ao espelho

 Quando mais me revelo, mais me denuncio, mais me escancaro, mais me dilacero, em palavras sobre mim, em mais mistério me postulo, pois confundo ao fingir que entendo o que jamais entenderia...

Doce Presença//Nana Caymmi



Sei que mudamos desde o dia que nos vimos
Li nos seus olhos que escondiam meu destino
Luz tão intensa
A mais doce presença
No universo desse seu olhar



Nós descobrimos nossos sonhos esquecidos
E aí ficamos cada vez mais parecidos
Mais convencidos
Quanto tempo perdido
No universo desse meu olhar


Como te perder
Ou tentar te esquecer
Inda mais que agora sei que somos iguais
E se duvidares, tens as minhas digitais
Como esse amor pode ter fim?


Já tens meu corpo, minha alma, meus desejos
Se olhar pra ti, estou olhando pra mim mesmo
Fim da procura
Tenho fé na loucura
De acreditar que sempre estás em mim.

Ivan Lins e Vitor Martins

Maria Bethânia






A voz que me anima a dizer sim à vida quando o mundo insiste em dizer não.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Quem repara violenta? Mulheres negras são oprimidas pelo machismo no Ilê Aiyê




O Ilê Aiyê é patrimônio cultural do Brasil, símbolo de tantos movimentos contra o racismo, instrumento de fomento de auto-estima e valorização do negro como sujeito. Além de ser arte, de ser música. A gente chora quando quando as contradições beiram a truculência e  a gente ataca os nossos, fragiliza, talvez, o mais fraco e não entende as complexidades desta luta. Mais do que na hora de entender que a mulher negra não é só o bibelô que dança no Carnaval, nem só a Iyalaxé que nos comanda da respeitabilidade dos nossos terreiros. A mulher é a nossa extensão, sendo nós extensão dela. Partes que devem ser unificadas no projeto único de vivermos com menos violência, tendo o direito de ser.


A ordem arriscada do discurso de Foucault me obriga a começar este desabafo dizendo quem eu sou e qual é o meu lugar de fala. Sou Dayse Sacramento, mulher negra, solteira, heterossexual, graduada em Letras pela Universidade Católica do Salvador, na qual fui militante do movimento estudantil, vice-diretora da rede pública estadual de uma escola em Paripe há dois anos, agora saindo do cargo para estudar, Especialista em Educação e mestranda no programa de Crítica Cultural da Universidade do Estado da Bahia, tendo como sujeitos da pesquisa meninas negras da FUNDAC, filha de Dona Angélica e neta de Dona Mariá da Liberdade. As informações que acabo de citar representam as minhas identidades que estiveram/estão em conflito depois da minha iniciação no bloco Ilê Aiyê, na terça-feira de Carnaval.

Certamente, o currículo da minha vida revela o que representa para mim acompanhar do lado de fora da corda o “mais belo dos belos” ou estar presente na Senzala do Barro Preto para prestigiar as atividades de tão importante instituição de resistência negra no mundo inteiro. Ainda assim, para mim, acompanhar o bloco de fora, mesmo com as resistências que tenho com relação aos blocos de corda eu queria estar lá dentro, vivenciado as canções de um bloco que reverenciam a mulher negra, enaltecem a sua beleza tão diversa, composta por elementos que são fruto do preconceito racial e, principalmente, pela representação política do que estar dentro da corda representa. Ledo engano...

Depois de acompanhar o bloco como pipoca sábado e segunda, na terça, resolvi comprar a minha fantasia para realizar uma vontade que já me acompanha a alguns anos e para acrescentar no meu discurso sobre o bloco o que é estar lá dentro, vivenciado de fato uma experiência de ser incluído (e estar dentro!) do contexto de um bloco afro de Carnaval. Entretanto, fui surpreendida por dois homens no início do percurso, os quais não havia tido o imenso desprazer de encontrar ou conhecer antes como a seguinte exclamação: “Pessoas como você sujam e envergonham o bloco Ilê Aiyê!”. Assustada, perguntei a eles se aquilo fazia parte de alguma brincadeira e o mais enfático, leia-se grosseiro, tosco e mal educado, respondeu: “Ano que vem, a gente vai botar gente como você para fora, sua indecente. Você deveria respeitar o bloco!”. Já aos prantos, me dei conta de que eles se referiam à minha fantasia reformada, apenas a blusa como um tomara-que-caia, com a barriga coberta e a saia continuava intacta, não reformei. Felizmente, eles mexeram com a pessoa certa! Pedi aos gritos, mesmo tom de voz que eles utilizaram comigo, que eles me respeitassem, que não sabiam da minha história e quem eu era e que se gostariam de me recomendar cuidado com o meu traje que isto se desse de forma educada e que fosse feito com todas as outras associadas que haviam feito reformas em suas roupas com o uso de tops, vestidos, minissaias, mistura de tecidos, etc, muitas registradas em fotografias que tirei durante o desfile. Quando eles perceberam que eu os peitei e respondi, um deles, cujo o nome é Fernando Ferreira Andrade Filho, dirigente do bloco, me segurou pelo braço e me encostou no trio em movimento e continuou a me insultar. Quando as minhas amigas viram, partiram para cima dos dois, e agora um outro, também dirigente que não consegui identificar, já segurava o meu braço dizendo: “Olha pra isso, o que é isso!”, apontando para mim, me tratando de forma “coisificada”, com desdém e mesmo com o meu apelo para que soltasse meu braço ele continuou a me humilhar e a me acuar contra o carro. Neste mesmo momento, um dos filhos do presidente do bloco, que sequer acompanhou a ocorrência largou a seguinte pérola: “Na Timbalada, ninguém faz isso!” e eu respondi: “De fato, na Timbalada, ninguém nunca me pegou pelo braço e me acuou contra um carro em movimento, nunca fui violentada lá dentro.”. Ainda não satisfeito, Fernando Ferreira, a saber médico que trabalha no HGE, me disse: “Você comprou sua fantasia nada! Sabe lá como você chegou até aqui!”. Muitos associados e associadas, ao perceberem a confusão afastaram os homens, e se solidarizaram com a situação, tentando me acalmar. Neste momento, muitas mulheres com as fantasias reformadas vieram até mim e disseram que já existe um histórico de agressões feitas por estes senhores, ou seja, já existe um histórico de agressões às mulheres associadas, cordeiras e funcionárias.

No meu caso, quero deixar claro que “o bicho vai pegar”, que não vou recuar e que já comecei a tomar as devidas providências. Com os ânimos a flor da pele, eu e minha amigas resolvemos sair do bloco para fazer alguma coisa. A esta altura, eu já estava morta de vergonha pelos olhares de todas as pessoas de dentro e de fora do bloco para mim depois de vivenciar uma situação tão constrangedora. Preciso ressaltar que uma patrulha de policiais militares nos pararam a caminho da delegacia e ao relatar o fato eles me perguntaram se eu tinha testemunha e se eu queria dar o flagrante. Estes foram os 10 segundos mais longos da minha vida. Eu, militante da causa, admiradora do bloco e das representações que ele sempre teve para mim iria entrar no bloco, acompanhada pela instituição que historicamente reprime/ maltrata/ mata as pessoas da minha cor para retirar de lá dois dirigentes do bloco por agressão física e verbal? Logo me veio também aquilo que só uma mulher que sofreu violência sabe pelo que passei: o medo de represálias. Eu não aceitei a proposta do flagrante e não quero avaliar se ela foi ou não acertada, mas do que estou certa é que fora moralismo e o meu saudosismo político esta situação precisa de amparo, de justiça. Resolvi prestar uma queixa no Observatório do Racismo por conta da natureza do bloco e num posto conjugado da Polícia Militar em São Bento, com algumas pessoas como testemunha. Amanhã, estarei na Delegacia de Atendimento às Mulheres para complementar a ocorrência, vou ao PROCON e a procura de uma advogada ou advogado que sejam militantes da causa racial.
Deparei-me com Vovô do Ilê, então presidente do bloco e tentei reconstituir o meu desespero. Ele então me fez a seguinte pergunta: “Você mostrou a ele a sua carteira?” e me deu as costas e saiu andando, como se eu não existisse. O bloco que incita o empoderamento das mulheres negras nas suas canções precisa concretizar este fato em ações. A instituição deve fazer uma avaliação sobre a sua estrutura e sobre as pessoas que a dirigem, principalmente em respeito à maior liderança que já teve, a Mãe Hilda. É urgente que o Ilê repense o direito e o respeito às candaces quando na sua diretoria a quantidade de mulheres não chega a quantidade dos dedos de uma mão.

O que ficou exposto na conduta dos dirigentes em questão é que além da violência gratuita, a incapacidade de diálogo deu-se por uma questão mercadológica. Certamente, há pessoas que fazem duas fantasias de uma só, mas, no meu caso, estava claro que pelo comprimento da roupa era impossível que eu tivesse dividido a fantasia com outra pessoa. Mesmo que eles suspeitassem desta possibilidade não é com a opressão/ violência física e verbal que isto se resolveria, principalmente se pensarmos nesses homens como agenciadores culturais. Para mim, isto também se agrava quando penso na concepção de beleza negra que o bloco defende e que não permite adaptar a fantasia ao meu corpo, às condições climáticas me desqualificam ao ponto de “sujar” e “envergonhar” o bloco. Não entendo esta visão levando em consideração a uniformização proposta pela moda que sempre nos excluiu. Obviamente, entendo a preocupação do bloco com as formas de adaptação da fantasia, mas nada justifica tal violência que me impuseram e que estará cravada na minha memória por muito tempo.

Escrevo este texto para conclamar um coletivo de mulheres negras, principalmente, além das pessoas as quais confio à militância para que tomemos providências. As ações das políticas afirmativas e das instituições que fazem uso deste discurso devem ir de encontro à consolidação de uma cultura sexista, classista, homofóbica. Estamos tratando da criação, da manutenção e do respeito aos direitos humanos, que violados numa instituição como Ilê Aiyê, exige de cada militante sério uma postura de enfrentamento a toda e qualquer violência. Sou uma pessoa de participação política tornando-me negra. Ser negra é um compromisso. A negritude da minha pele é uma cor política e procuro agir desta forma.
Mais uma vez, é chegada a hora da “lavagem de roupa suja” da militância negra na Bahia para questionar a postura do homem negro que oprime as suas mulheres com um contradiscurso daquilo que dizem acreditar, militar. O homem negro precisa tratar melhor as mães dos seus filhos, as suas companheiras, àquelas que o carregaram no ventre.
Um amigo acaba de me dizer o velho ditado que “pimenta no dos outros é refresco”. Ele me disse isso e me lembrou que eu também sou uma “menina” negra como as meninas da FUNDAC, com a diferença de que eu tenho o aparato acadêmico, cultural, intelectual e da rede de relações que elas não têm. Agora eu sei bem o que vou pesquisar, estou sentindo literalmente na carne.
Espero que fique entendido que o meu respeito pelo Ilê permanece e a minha presença esta garantida para qualquer debate sobre a questão de forma séria e respeitosa. O Ilê Aiyê é muito maior do que todos os seus dirigentes. Cada uma de nós, mulheres negras e homens negros formamos este bloco e a sua história. Nós lutamos para que ele estivesse na rua quando nós negros tínhamos que preencher uma proposta para se tornar associado de blocos brancos, inclusive aquele que tinha um camarote na curva da Castro Alves. As suas ações devem estar voltadas para nós, não contra nós. Estou botando a boca no trombone porque concordo com o que nos disse Luther King que "o que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons.". Eu sou boa gente, por isso não vou deixar de falar e eu falo alto.
Saudações,
Dayse Sacramento



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Saramago


"Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia."

Fernando Pessoa


Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

Fernando Pessoa

Do mundo

O mundo só acaba
Quando a gente morre
Ou deixa de amar alguém.

Meu coração

Tragar o mundo é o que faz meu coração.
Ele se enfumaça das verdades que busca. 
 Vê menos e chora muito.
Coração viciado em amor e ternura,
A produzir os versos que não sabe.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Violeta Parra




" Só o amor com a sua ciência
   Nos torna tão inocentes"

O artista


Dizem que não se pode, você não sabe fazer. Mas algo mais forte lhe domina  arrebata impele a querer aquilo como necessidade, como razão de viver; de repente, sem que você acredite, você faz em maravilhas o impossível dos que não lhe queriam ali. O sonho se abre, a arte nasce, a comunicação ilumina e a vida passa a ter sentido.

E você chora na extensão mesma de você. A extensão que produz beleza e maior que certezas, ante ao incerto que é tudo, toca o mundo do seu lugar , lindo, no tamanho ínfimo que compõe a sua humanidade e segue mais inteiro porque fez em nome deste chamamento que lhe torna artista.

Chora com o produto mesmo da sua arte.

Presente

( Foto de Vera Rocha)

Ver de perto o lugar de mais sentido é como ver perdido os olhos de quem não sai de perto da memória... O recente olhar que brilha  feito arco-íris no céu da minha emoção. Da emoção que, às vezes, viola a dança da alegria e põe pra dentro da própria agressão.

Ver ouvir cheirar tocar saborear: sentir para mais do que  perto já que a vida pede assim. Notícias do amor de sempre que caminha sem paradeiro e à eterna revelia do que habita no sentido do meu olhar. Como a Baía. Como a canção que faz sonhar. Como o tambor fazendo arrepiar a pele. E o desejo de sair sem voltar...

Toda sensação, que se descreve para fora de mim, ressoa no mais íntimo desejo de ter o Presente aqui. Enquanto espero, tenho a alegria da paisagem mais linda do lugar onde nasci.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Claudia Cunha,


Sem ter o que dizer...Só essa vontade de acompanhar essa voz me fazendo desenhos de felicidade. Perfume na minha alma, delícia aos olhos, música nos ouvidos..

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Palavras,

Na pronúncia: excelência
No sentido: possibilidade.

Menino

(Marlon Marcos)

"Dorme, inventado imprudente menino.
 Dorme. Para que o poema aconteça".

Hilda Hilst

Vidas Inteiras



O  amor

O pecado de todo dia segura a minha mão.
O que descaminha sem me tirar do lugar.
Tem o brilho do inatingível, ressoa distância
E mesmo sem o alcançar,
Condena-me.

Falam do perdão que virá

Quando tudo estiver no fim...
Mas não, o pecado me confessou:
Sua ação é para além da morte
E é mais profunda que a dor.

domingo, 12 de fevereiro de 2012



 "a força de uma cor,  a grandeza de um nome, a eternidade de alguém"

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O amor composto

Sorrindo pelos caminhos de mim, saltando as terríveis dificuldades. Encaro-me e vejo quanto me dói ser eu mesmo; mas não desisto desta construção. Quantos defeitos e sem porquê, quanta delicadeza em tanto sentir... Um dia de sol forte sobre mim, eu enxergando como nunca, o batuque da saudade no peito, o medo da perda e o silêncio, nenhum humano a velar por mim.

Sorrindo para os meus planos, tendo os sonhos como base de lançamento. Doendo segredos que não são; respirando o movimento de uma fala engraçada que perfila o menino: dentro do olho da festa. Revejo. Recorrências do mal que procuro. Assombração de verão que esfria a minha alma. Sucumbo à ventilação refeita no calabouço de uma espera. Imagens que tocam com as mãos o fundo.

Sorrindo não sei pra quem. Seguindo a ação cotidiana da vida. Um pouco de lamento. Ávida luz no coração. Olhares fugidios no medo de encontar. Vaga no pensamento arejado. Música como felicidade. Instantes do valor maior da vida. Em distração, o amor composto.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Teus olhos

De algum modo em algum lugar
eu ponho meus olhos nos teus
e tremo e peço e sinto
o sorriso amplo que eles dão.

Viajo para dentro em escuridão
temendo retornar mais vazio;
nada me dói mais,
nada me faz mais feliz...

No fundo dos teus olhos
espero trazer-te pra mim.

Viola Davis


É bom chorar diante de um filme meio dramalhão meio realidade crua. E encontrar a doçura expressa pela grandeza de atriz. Assim é Histórias Cruzadas, direção de Tate Taylor, versa sobre as dilacerantes relações raciais no Sul dos Estados Unidos, especificamete nos anos 1960, e apresenta uma narrativa que comove do início ao fim, condói e faz sorrir.

Mais especialmente, ver Viola Davis, em absoluta doçura, vivendo sua Aibileen, é uma fruição à parte. Torcia pelo terceiro Oscar de Maryl Streep ( amo de montão!), mas agora ele tem que ir para Viola Davis.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Caetano Veloso e Chico Buarque


O que dizer,heim?

- Ah, bruta flor do querer. Desisti.

Ana Cristina Cesar


Para falar do que vive mais vivo que tudo por dentro. Sombra ensolarada pela palavra que devassa o íntimo. Um caminho entre doer tanto e serenar ao avesso. Falar da falta de porquê, das baixas temperaturas do eu nos trópicos, para desistir de si sem desistir e derreter no calor do amor que não cessa.
Mais que tudo, Ana Cristina, para calar. O olho vidrado na imagem viva dela e tantos versos soltos na solidão de cada um... Agora, é cada um.

Para falar do que não recomeça... Riso bruto no fastio profundo que figura o tempo de agora. E na estrada onde se lê aquela poesia, no que mais faz doer, cintila a liberdade porque o que mais se vê é a torrente vontade que desenha amor.Desenhos em vermelho. Cortes ao espelho devorando memórias. História do inaudito, ciúmes descritos, medo, inadequação...

Para falar aos bugres, aos ogros, aos duros, ao monstro cada um em nós, com a delicada poesia da menina que denuncia o nosso insucesso. Falar de flores e de cores e de amores em qualquer lugar e de qualquer maneira. Pronunciar um nome revelado em uma queda.

Estender os abraços do relato no corpo pedindo. Ver a estrela silente brilhando sem parar. Andar mais lento e ver o mar ainda mais perto. Para falar do descontrole emerso do medo de viver. Para acreditar, ainda que depois da morte, em tudo que se quis fazer dizer pedir entregar.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Cansaço

Deve-se ter razão no cansaço. Nesse que arranha a alma, maltrata o pensamento, exila a esperança, minimiza a música, sufoca a poesia, aprisiona na cama. A dor da alma é a mais poderosa e sentida. Visualiza um quase fim e impõe a rotina de se viver para nada.

O cansaço entre ser e viver sem. A vontade palavra que não gera; repetição maldita; desenho do desalento. O que nunca se me diga. Cansaço. Dança as horas feito séculos, condenação à eternidade. Tempo da voz a reclamar e o corpo sem forças.


Mormaço nos trópicos, o morno em integral duração. O quase insuportável. Cansaço sem espera.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Para Deus


"Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado. Mas sei que terei paz antes da morte e que experimentarei um dia o delicado da vida. Perceberei - assim como se come e se vive o gosto da comida. Minha voz cai no abismo do teu silêncio. Tu me lês em silêncio. Mas nesse ilimitado campo mudo desdobro as asas, livre para viver. Então aceito o pior e entro no âmago da morte e para isto estou viva".

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Continuum

(Marlon Marcos)


Não é uma expressão da vaidade. É um diálogo com a imagem no tempo.

"O tempo é como um rio... água limpa que não volta".

Delicada alusão a mim mesmo frente ao feitiço do espelho. Fala sem significação. A verdade banhando-se no rio. O proibido mordido. Caminhada em pegadas alheias. Vontade. Vazio.

"Peguei um Ita no Norte".

Volto a qualquer lugar quase. Temi o mundo da minha janela. Despedaço palavras falando errado e salvando a escrita. Alimento. Obra perdida. A bagunça e a esquina. O corte. Escape. O vento.

"Dentro da mar tem rio".

Iludo-me mas sigo. O tempo me arrasta com ele e faço de mim novilho. Aprendo. Amarga tortura. Disfarces. Sorriso. O peito aberto fabricando sal. O que mais preciso: abraço...


Bethânia e o poeta Buarque


São muitas as razões para se considerar Maria Bethânia como a mais representativa intérprete de Chico Buarque. A principal, sua paixão pela obra do compositor carioca somada à compreensão estética da cantora baiana sob...re as canções buarquianas. O projeto Circuito Cultural Banco do Brasil levou a seis cidades brasileiras a voz de Bethânia cantando e recitando Chico Buarque. Com a curadoria artística de Monique Gardenberg, Maria Bethânia iluminou plateias ecoando a lítero-musicalidade de um dos artistas mais adorados do Brasil.

Salvador, cumprindo seu desgaste e rebaixamento nas esferas da cultura brasileira, infelizmente, ficou de fora. Para não perder a possibilidade de ver e ouvir a estupenda Bethânia neste espetáculo, fui à cidade de Olinda, no enorme Teatro Guararapes, conferir a entrega da cantora ao repertório do seu compositor favorito. Exemplar como sempre. Dona da cena em récitas musicais e em trechos de letras de Chico. Doce como Oxum em Valsinha, aguerrida, linda e feroz, em Baioque, como Iansã. O público pernambucano a recebeu em polvorosa; gritos e aplausos intermináveis confirmaram o êxito do projeto comandado por Gardenberg, que nesta edição contou, em outras apresentações, com os artistas Lulu Santos, cantando Roberto Carlos, e Sandy cantando Michael Jackson.

 Infernal é a palavra na boca de Bethânia. Sua voz, no palco, se abre como um livro a oferecer poesia ou qualquer outro prazer literário; ainda tem o som; tem o cenário expandindo sua coreografia e a banda competente a emoldurar um dos cantos mais bonitos no mundo contemporâneo. Ela cantou Chico não somente como um compositor, translucidamente, neste espetáculo, ela ratifica o seu “Buarque” como sujeito da sua inspiração e desfia as canções mais batidas e já tão conhecidas com a paixão que as transforma em novidade.

Os pés descalços, figurino alvo, voz no ápice e, imageticamente, alicerçada na Bahia efervescente e inigualável, a qual ela é uma das mais poderosas representantes. E abre para o Carnaval para quem possa e mereça lhe acompanhar.

 Maria Bethânia é, mais que artista, uma obra de arte.

Publicado hoje (03), na página A3 do jornal A Tarde.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Flores para a Rainha


É Dois de Fevereiro
Só há lugar para cantar.
Dança a Mãe na alma
E o filho em transe
Agradece.
Odô Iyá!