sábado, 31 de março de 2012

Maria Bethânia em seu Oásis: "Amar já é um protesto"


Marlon Marcos
Especial do Rio de Janeiro

Prestes a lançar no mercado fonográfico brasileiro o seu mais recente trabalho, o CD Oásis de Bethânia, a cantora santo-amarense, em entrevista coletiva na sede de sua gravadora, a Biscoito Fino, no Rio de Janeiro, descontraidamente, falou sobre suas novas incursões musicais, e sobre a sua constante tentativa de imprimir maneiras inéditas de expressar o canto que a consagra como uma das mais importantes cantoras brasileiras e  como a artista mais inventiva em atividade em nosso cancioneiro.

Motivada a falar sobre criação artística e as novidades estéticas que compõem o novo disco, a cantora desfiou: "Eu sempre busco novas sonoridades, me intrigo, me mobilizo; o resultado com Oásis me lembra a sonoridade que alcancei com Ciclo (1983), e é isso que me dá sentido para entrar em estúdio e depois lançar um novo trabalho".

Oásis de Bethânia foi construído a partir da intervenção musical de vários músicos arranjadores. São 10 canções guiadas por nomes como Djavan, Lenine, Hamilton de Holanda, Marcelo Costa, André Mehmari, Mauricio Carrilho, Jorge Helder e o fiel escudeiro, o maestro Jaime Alem; cada qual cuidou dos arranjos sob a orientação e o desejo de expressão da cantora, o resultado em si já inova a forma pela qual, em décadas, orientou a elaboração musical de Bethânia, sempre contando com as exclusivas intervenções de Jaime Alem.

Com a desenvoltura de sempre, a cantora passeou por vários aspectos da cultura brasileira, de poesia até o novo disco de Gal Costa: " Não é um disco pra se ouvir todo dia, nem toda hora. Adorei a primeira música ( Recanto Escuro). É um disco de Caetano Veloso, o qual ele escolheu Gal como intérprete".

Maria Bethânia faz 47 anos de carreira (oficialmente) e, segundo foi informada, atingindo o exato número de 50 discos lançados ao longo de mais de quatro décadas. Uma carreira marcada, como ela insiste, pelo prazer de cantar e de se relacionar com o palco, com a arte. Nesse quesito recita Ferreira Gullar: "A arte existe porque a vida não basta".   Intrépida em sua caminhada a favor da poesia de todo dia, ela reúne neste trabalho, o melhor de uma lítero-musicalidade que convida o público brasileiro a olhar, reiteradamente, para o sertão do Brasil, este que representa o paraíso estético que tanto comove a Maria nascida na região Nordeste.

O disco fala de amor como rebeldia, para tanto, ela confirma: "amar já é um protesto", e assim rebate, com a elegância que lhe construiu, as críticas sofridas sobre a criação do blog O mundo Precisa de Poesia, projeto oferecido a ela pelo antropólogo Hermano Vianna, que em "desagravo pesado e soturno" parte da opinião pública deste país negou a efetivação.

Mas como ela mesma diz, parafraseando seu amado Chico Buarque: "Mas eu não quebro não, porque eu sou macia". E segue serenando entre amor e protesto, sons e poesia, preparando o show que apresentará ao país o Oásis de Bethânia que todos já conhecem desde 1965. 

(Publicado no Terra Magazine em 28/03/2012)

Maria Bethânia: "A estupidez faz mais barulho que a poesia"

Claudio Leal
Do Rio de Janeiro

No lançamento do disco "Oásis de Bethânia", na sede gravadora Biscoito Fino, no Rio de Janeiro, a cantora Maria Bethânia comentou, pela primeira vez, os ataques ao projeto de divulgação de poemas em língua portuguesa na internet, através do blog "O mundo precisa de poesia", coordenado pelo cineasta Andrucha Waddington e pelo antropólogo Hermano Vianna. Os produtores foram autorizados a captar até R$ 1,3 milhão na Lei Rouanet. Bombardeado por críticas, o projeto terminou arquivado. Na conversa com jornalistas, Bethânia abordou de forma indireta e, por um momento, sem sutilezas, sobre a polêmica.
"O blog, eu não abortei. Primeiro que eu nem engravidei dele (sorri). Depois, o blog é do Hermano (Vianna) e do Andrucha, meus dois amigos amados. A ideia, a sugestão, tudo deles. Eles assistiram a uma leitura minha, na Casa dos Saberes, e ficaram encantados, me passaram a ideia. Foram me convidar para ser a intérprete desses projetos, dizendo os textos. Fiquei honradíssima e falei: se me chamarem, eu vou correndo", relatou a cantora baiana. "Mas aí teve aquele desagravo tão pesado, soturno. Hermano se zangou muito e escreveu: afinal o Brasil não merecia, não precisava de poesia. E cancelou o projeto, com toda razão. Mas o projeto é dos dois. Espero que um dia eles possam fazer. Porque era útil. É bonito. (...) O meu nome ficou assim, entre o Hermano e o Andrucha, o nome que podia mais causar um frisson. E aproveitaram. Como há muito tempo, desde que eu me entendo por gente, sou muito séria, faço meu trabalho, faço minha vida sossegada, não sou de turma, não me dou, minha praia é minha praia... Isso, há muitos anos, vem causando muita reverência, muito respeito, muito reconhecimento... Chega uma hora que incomoda".
Com pequenas pausas, ela relatou o que sentiu após os ataques, citando um trecho da música "Querido diário", presente no disco recém-lançado de Chico Buarque: "Aí aproveitaram essa coisa pra me bater. Me bateram. Mas eu andei. E eu sou como Chico Buarque: não quebro, não, porque sou macia."
Antes desse comentário, Bethânia afirmou que "o mundo está grosseiro, está sem classe, sem delicadeza".  

Terra Magazine questionou se, a partir dessa percepção, ela considera que o interesse por poesia diminuiu no País. "Não diminuiu nada. É uma fome que você não imagina. Mas é assim alucinante. Não só poesia, mas literatura de um modo geral", defendeu a artista. "Você vê a bienal infantil, a loucura que é. Vi ontem que o Brasil bateu recorde mundial de visita a uma exposição. Isso é maravilhoso. A vontade, a sede, a fome de cultura é cada vez maior. Cresce no mesmo volume da estupidez. Agora, a estupidez faz mais barulho. A poesia... A Neide Archanjo repete o Baudelaire, se não me engano: a poesia é uma pétala que cai sobre o abismo... A cavalaria vem e explode sobre ela. Mas a fome existe", comparou.
  
Com doze músicas, o disco "Oásis de Bethânia" inclui uma canção que não deixa de pesar como uma resposta aos detratores: "Calúnia" (Marino Pinto/Paulo Soledade), consagrada pela voz de Dalva de Oliveira, uma das principais referências da cantora - "Quiseste ofuscar minha fama/ E até jogar-me na lama/ Só porque vivo a brilhar/ Sim, mostraste ser invejoso/ Viraste até mentiroso/ Só para caluniar". Brincou com os jornalistas: quem quiser que vista a carapuça. O disco traz ainda um texto escrito pela cantora em 2010: "Carta de amor", que dialoga com os versos do auge das farpas públicas trocadas por Dalva e Herivelto Martins. "Eu escrevi esse texto, entre milhares, no ano passado, nem lembro quando, e foi bom escrever. Eu precisava escrever essas palavras. Escrevi e eu precisava dizer depois essas palavras. Disse. Não sei se é bom, se é mau, se é bonito, se é feio... Certo ou errado."

Mais adiante, Bethânia procurou não limitar o alcance da junção de letras, mas reconheceu que pode favorecer a interpretação de que representa uma resposta às críticas ao projeto de poesia. "Na verdade, primeiro que eu não escrevo pra quem eu acho que não possa compreender. Eu escrevo pra mim. Acho que eu posso me compreender um pouquinho. Pro meu analista, mostro muitas coisas pra ele, pros meus amigos, atores, diretores, Fauzi Arap, Elias (Andreato)... Pessoas de dentro da minha vida e do meu coração. Pra essas pessoas, eu escrevo. Eu acho que serviu... A escolha de 'Calúnia'. Eu sempre passo no repertório de Dalva, em qualquer trabalho. Me veio 'Calúnia' e eu disse: pronto, é um bom prólogo pra esse texto", contou Bethânia. E sugeriu: "Dentro desse contexto e de todos os outros contextos que funciona. É como roteirista de show. Tá nítido ali. Na dramaturgia, eu acho que está claro. Então, escolhi assim. Mas eu não posso dedicar: fiz isso pensando... Porque fica pequeno. Eu faço. Atinge... A brincadeira de 'Carta de amor' é porque é, sinceramente, uma carta de amor para mim. Eu escrevendo pra me livrar de demônios, angústias, dores, mágoas ".

Segundo a cantora, o disco "se dirige para uma mudança cênica". Mas não quis adiantar detalhes do show que nascerá do seu "Oásis", cuja capa traz uma foto de Gringo Cardia do sertão de Alagoas. "O sertão é o silêncio, a resignação e a dignidade", disse. Ela também analisou, na entrevista, os trabalhos recentes de Chico Buarque, Caetano Veloso e Gal Costa. "Chico fez um dos discos mais bonitos do mundo".

"Caetano que me deu ("Recanto"), no dia de Natal. Passamos na casa de minha mãe. Me deu de presente: 'Eu dediquei a você e ao Gil'. Eu disse: 'É o quê? Gilberto, tudo bem, músico e compositor da vida de Gal. Mas, eu?'... Ouvi o disco inteiro, lógico. É um disco que não é para ouvir toda hora, nem todo dia. Caetano é exuberante, cruel, dorido demais. Fiquei apaixonada pela primeira faixa", declarou Bethânia. Na análise do disco da companheira geracional, ela destacou a marca da autoria de Caetano. "Achei muito bem cantado. Não é um disco simples, não é um disco comum, não é um disco qualquer. Primeiro de tudo, eu acho que o Brasil, que tem no mesmo ano um disco inédito de Caetano Veloso e de Chico Buarque, isso é privilégio dos maiores. Caetano chamou a Gal para interpretar o seu ineditismo. Chico fez ele e os parceiros de música, João (Bosco) tocando... Tudo lindo. Eu acho dois trabalhos lindos, completamente diferentes, apaixonantes... Acho que é merecido, é um reconhecimento à cantora que sustentou o movimento que ele e Gil criaram. Por isso eu não entendi ser dedicado (a mim)... Ele, Gil e Gal foram o centro do Tropicalismo. E Gal sempre foi a intérprete disso. Nada mais justo do que reconhecê-la, homenageá-la e reverenciá-la fazendo o disco. Não é um disco qualquer. É o Caetano".

No final da coletiva, a filha de Iansã correu para a frente da casa da Biscoito Fino e fez uma saudação ao orixá: "Vou pegar um pouco de chuva!". 
( Publicado pelo Terra Magazine em 28/03/2012)

Carlos Barros: acordo musical com a doçura


Marlon Marcos
De Salvador (BA)

Ele nasceu na cidade do Salvador, no ano que explodia o evento cultural Doces Bárbaros, reunindo Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil, 1976. Desde criancinha, formatou-se intenso para conhecer o mundo através da ciência e das artes. Tornou-se cantor. Ao meio de, também, confirmar-se para o mundo como historiador e sociólogo, estudando o acontecimento, a invasão cultural neo-baiana pelas terras brasileiras, programada pelos ídolos maiores da sua existência. Os ditos acima.

Seu nome é Carlos Barros, 36 anos, revelação masculina do canto na Bahia. Dono de inteligência profunda, grande conhecedor da obra de Gilberto Gil, e a voz - ah, a voz que desliza feito água doce e anima a audição - é a expressão mais vívida de que a Bahia ainda está viva cá. Nome dos entremeios da criação, Carlos Barros canta como mulher sem perder a masculinidade. Autentica em si a força dos grandes intérpretes, singrando aprendizados em Maria Bethânia e Ney Matogrosso; formulando emissões em sua musa maior: a voz doce dos ventos, a cantora Gal Costa.

Sua trajetória artística confunde-se com o seu crescimento como intelectual que , através do ensino, incrementa o conhecimento valorizando, nesse cenário acadêmico, a Música Popular Brasileira. Afinado e inspirado em projetos que traduzem o seu viés de artista, o cantor lançou, há mais ou menos três anos, o seu primeiro CD Cantiga Vem do Céu, uma relevante seleção de canções, quase todas inéditas, que agraciam o ouvinte com poesia e sonoridades, e a impreterível pesquisa que reprocessa antigas informações parindo as novidades que divertem a vida.

Uma alma sensível encantada pela cidade do Rio de Janeiro. Um sujeito inquieto e voraz, crítico das mesmices, à vontade com a reverência que faz a artistas como Daniela Mercury, buscando o lugar de expressão que permita ecoar a doçura do seu canto. Um baiano, muitas vezes, maltratado pelas restrições culturais da cidade natal, mergulhada na ditadura fonográfica do Carnaval. Ainda assim, uma voz já amada por boa parcela do público que gosta de música versada com qualidade.

Barros já cantou no Rio de Janeiro e, em 2011, fez algumas apresentações na Bélgica, em uma pequena turnê que agradou as difíceis plateias belgas. Um dos seus trunfos é o cuidado excessivo com o repertório e a escolha professoral dos músicos que o acompanham. A voz é seu alicerce comunicativo, o que viabiliza encantamentos em quem o ouve. A diversidade das canções, as temáticas afro-baianas, principalmente as que espelham a religiosidade dos orixás, o sentido das cidades, o amor e o desamor, o ritmo e a brasilidade, corporificam o estar deste talento que pode dizer belas coisas em música para o povo brasileiro.

Depois de gravar seu primeiro DVD - Cantiga Vem do Céu, com as participações de grandes artistas que vivem na Bahia, como Márcia Short e Cláudia Cunha, com previsão de lançamento para outubro deste ano, Barros se dedica a uma série de shows que orientam esteticamente seu novo projeto fonográfico, um CD que começará a ser gravado no segundo semestre de 2012, sob a direção de Sebastian Notini.

Antes da próxima estação é uma sequência de shows, que começa a ser apresentada no dia 13 de abril, às 18:30h., no Auditório Kátia Mattoso, na Biblioteca Púbica do Estado, em Salvador, experimentando novas sonoridades que gestarão o novo CD, todo concebido a partir do conceito de urbanidades.
Nessa nova empreitada, Carlos Barros se acompanha da guitarra de Gabriel Barros, do baixo de Zé Livera, da percussão de Sebastian Notini que também é o seu produtor e diretor musical.

Essa canção precisa ser conhecida. A canção em si que é a voz do cantor que fez um acordo musical com a doçura. E pontua, junto com outros nomes, esperança artística para o cotidiano auditivo em cidades do estado da Bahia. E no Brasil.
( Publicado no Terra Magazine em 30/03/2012)

Chico Buarque



"Nos teus olhos também posso ver
As vitrines te vendo passar (...)
Passas sem  ver teu vigia
Catando a poesia que entornas no chão".

terça-feira, 27 de março de 2012

Homem, Menino, Deus


Ele sabia experimentar a vida negando os inevitáveis dissabores. Tinha coragem e aceitava desafios e rancores. Altivo como árvore frondosa, doce como água e chocolate, destemido como águia, astuto como tigre. Seu caminho rastreava novidades e seu corpo inferia os mistérios da sedução. Tudo lhe era paciência, quando não: resolução. Seus olhos espelhavam o azul do horizonte e abraçavam a alma de quem o enxergava.
Tão perto tão longe, ele era o que estava. E estando, ele era sendo o nome da afirmação. Sim – sem restrições. Longo e saboroso. Nome que se diz ao silêncio. Existência que se copia. Uma narrativa mítica em tempo presente. Corpo vivente a projetar imaginações daqueles que o queriam. Homem vivo requerente da própria imagem. De tão belo, era sonho inspirando palavras desenhos canções.
Da realidade carnal mais bruta: ele se tornara ficção. E vivia impregnado na alma dos mais desejosos. Beleza de expressão do eterno. Exemplo desértico em toda sua composição. Luz e mistério. Escuridão para ampliar os sentidos. Sorriso para fazer amanheceres. Lágrimas para enternecer. Carinho em qualquer lugar. Reinvenção do masculino. Menino de asas representando Deus. Toque de mágica: o tipo sublime que qualquer memória nunca esquece.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Recorro


Recorro à alegria. Por ver nascendo e se lançando a poesia de um jovem pássaro. Por ver entrelinhas do que mais se diz em mim; ver aflorar a excelência da íntegra sensibilidade de um homem, humanamente universal. Sinto em intensidade e gozo, desconforto e luminosidade, grito e profundo silêncio, instantes descritos em palavras que me rejuvenescem.
Recorro à fantasia. E pairo sobre mim mesmo fruindo meus sonhos que se encontram na escrita de alguém. Alguém para fora de mim me sendo eu na confusão que busquei. Sinto e subo a ladeira dos esquecimentos tendo aquela poesia como minha alma, tatuada em meu coração, cobrindo a carne do meu corpo, me servindo como pele.
Recorro à sedução. Comovo-me com as imagens desenhadas e imaginadas na forma daqueles dizeres. Vejo-me no espelho descrito que são os olhos dele e peço indo ao fundo do que leio. Digo-lhe na imagem pé de ouvido: cessa não. Encurta essa distância dando-me o sentido de tê-lo nos textos que são seus.
Recorro à separação.  Para que o nunca o aparte de mim. Para que as intempéries da impossibilidade não desgastem nossa adoração. Para que o comando estabelecido seja menor que o impacto da sua escritura banhando-me de mim sob o norte do talento dele. Para que o tempo, enquanto houver escritos, não sentencie o fim da vida que tenho só quando dentro da literatura dele.

domingo, 25 de março de 2012

A raridade de Jussara Silveira

A raridade de Jussara Silveira
É inexplicável o fascínio que o canto o feminino desperta na maioria dos seres humanos. O Brasil, desde a aparição das primeiras gravações e das exibições musicais ao vivo, foi realçando a presença imprescindível das cantoras; o Brasil se tornou o país das cantoras de uma das musicalidades mais poderosas do mundo. E a Bahia foi generosa à nossa cultura nacional também nesse quesito.
De alguma forma, na espreita da ancestralidade, a Bahia deu ao Brasil o canto minimalista e sublime de Jussara Silveira. Quase uma presença etérea no cenário musical brasileiro ( e baiano) por não ser reconhecida à altura do que seu talento gera musicalmente e nos qualifica para ouvir canções fazendo silêncio.
A imprensa baiana se calou frente ao lançamento de Ame ou se Mande, CD de 2011, deixando de nos informar sobre a preciosidade de um trabalho, construído sob as digitais de Jussara, que conforma várias noções de identidades, e de tão particular, universaliza e nos educa a recepcionar a beleza que a arte mais amada pode nos proporcionar.
Ame ou se Mande nasceu de incursões ao vivo da grande cantora pelo mundo afora; a canção que tem este título ficou de fora do CD por questões de direitos autorais, já que se trata de uma versão feita por Ariston de Love or Leave Me, canção imortalizada pela maior cantora do mundo de todos os tempos: Billie Holiday.
O CD é uma reunião que imprime a raridade da cantora aqui em delação. Denuncio as sutilezas desta mulher de 50 anos, radicada no Rio de Janeiro, nascida em Minas Gerais, mas criada em Salvador com seus pais baianos. Uma cantora que junta o melhor de grandes artistas que corporificam o poder da MPB. Denuncio o seu excessivo lado cool nos empurrando ao silêncio para valorizar nada mais, nada menos que a canção.
Há uma Bahia em Jussara Silveira que é a razão que me fez escrever este artigo. A Bahia que me condena à exaltação, ao orgulho desvairado. Que alimenta meu sonho de socialização. A Bahia do Quilombo Rio dos Macacos até o insuperável em Caetano Veloso.  Para saber, ouçam Ame ou se Mande.
(Publicado no Opinião do Jormal A Tarde, no dia 17 de março de 2012, p.3)

quinta-feira, 22 de março de 2012

Disco de Gal Costa aprofunda ciclo poético de Caetano Veloso




Leitura obrigatória:

Claudio Leal ( Terra Magazine)

"Nascemos escuro."
(Drummond, "O medo")
Cantar era um destino quando Maria da Graça implorou ao colunista social Sylvio Lamenha para conhecer João Gilberto, no início da década de 60, em Salvador. "Me leva. É o meu ídolo!", exigiu Gracinha - ou Gal, apelido de fornada baiana. "Já ouvi falar de você. Tem um violão?", indagou o cantor, depois da apresentação feita por Lamenha, ave corpulenta e extraordinário imitador dos erres de Dalva de Oliveira. Liberada pela mãe, a menina da Barra Avenida correu para o encontro, instrumento à mão, e gramou a noite a acompanhá-lo. "Gracinha, você é a maior cantora do Brasil!". O mestre parecia ver no ifá.

Esse destino artístico se cumpriria nas quatro décadas seguintes. Mesmo nos períodos de silêncio. Ou de acomodamentos. Na história da canção brasileira, Gal Costa se afirmou tão reluzente que suas ausências fonográficas instilam um sentimento aflitivo, uma angústia com seus intervalos criativos. O longo recato de seis anos, iniciado após o disco "Hoje" (2005), é agora desfeito com "Recanto" (Universal Music). Reinvenção não apenas dela, mas de Caetano Veloso, que aprofunda um ciclo poético despontado no LP "Domingo" (1967) e construído permanentemente sem definições formais, nem unidade, pois a inquietação já se converteu em um programa estético.

Em 1992, na crônica "O poeta do encontro", o escritor Otto Lara Resende expôs a impossibilidade de reduzir Caetano ao nicho da música, e conclui por considerá-lo "legítimo poeta do Brasil": "Indiferente à palha seca da controvérsia, a arte segue o seu caminho. A vertente é uma só e é nela que se dá o encontro das águas. Pouco importam as fontes de onde procedem. Purificadoras e purificadas, seu caráter lustral as universaliza. Caetano Veloso, por exemplo, quem ousaria classificá-lo?".

No álbum "Recanto", a influência da poesia de João Cabral de Melo Neto, reiterada pelo compositor desde a Tropicália, na aspereza e no rijo ofício dos versos ("sem perfumar sua flor,/ sem poetizar seu poema", como ensinava o pernambucano), conflui para o legado de Carlos Drummond de Andrade. O conjunto de letras consolida as subversões antiestilísticas de Caetano - soturno, impuro, atômico - e se vincula a nossa tradição poética como raras vezes acontece, com essa presteza, na música brasileira. E registre-se: em boa parte das revoluções anteriores, lá estava o mesmo trovador.

"Madre Deus", composta originalmente para o balé Onqotô, do Grupo Corpo, é de aberta intertextualidade, por dialogar com o poema "Memória", do Drummond de "Claro enigma": "E as coisas findas/ Muito mais que lindas/ Essas ficarão/ Dizia/ A poesia/ E agora nada/ Não mais nada, não". Esse complemento cético à poesia original esbarra na promessa de "uma certa felicidade" sustentada pela música popular, como definiu Drummond numa conversa com o compositor, no final dos anos 70. Ironicamente, a justificativa para a descrença talvez esteja em outro comentário do poeta de Itabira, desta vez sobre a tranquilidade de Caymmi: "E nós, Caetano, que só pensamos em coisas ruins?".

"Recanto escuro" resulta quase num desespero drummondiano de definir-se enquanto se confronta o mundo. Caetano funde a voz poética aos lampejos biográficos de Gal Costa, num desnudamento que não ignora a força da grana: "O chão da prisão militar/ Meu coração um fogareiro/ Foi só fazer pose e cantar/ Presa ao dinheiro". Com pulsante programação eletrônica de Kassin, conferindo arranhões e temporalidade à voz de Gal, a canção ilumina os dois artistas interligados na origem; e cúmplices no desvio. O fluxo autoral de Caetano não "carrega" sua maior intérprete. O canto é a síntese: "Espírito é o que enfim resulta/ De corpo, alma, feitos: cantar".

Em 1964, estavam irmanados nos shows "Nós, por exemplo" e, passados três anos, no LP "Domingo". Durante o exílio de Gil e Caetano, no pós-AI-5, a baiana segura o projeto tropicalista, radicaliza as experimentações musicais e valoriza compositores da linhagem de Jards Macalé, Waly Salomão e Luiz Melodia. Em 1974, reencontram-se em "Cantar", essencial para ressaltar a força de Gal em sons mais pacíficos. Distanciam-se na fase "Tropical", mas permanecem alinhados a um objeto não-identificado, como comprovará "Minha voz, minha vida" (1982) em sua íntima harmonia: "Vida que não é menos minha que da canção". De novo umbilicais em "Recanto".

O músico Paquito encontrou o diabo no meio do redemoinho. "Gal e Caetano se reconhecem, transformam-se no que cantam, se amalgamam: cara de um, focinho de outro, máscaras do mundo. Em comparação com a perspectiva mais individual do Cê, o olhar em torno", decifra. Apesar de ousado, o predomínio dos sons eletrônicos não é novidadeiro para Gal, uma das personalidades instauradoras da diversidade do Tropicalismo. "Recanto" a devolve à grande arte e ao plano merecido de artista fundamental para ler e reler o Brasil. Até os méritos do álbum anterior, "Hoje", aberto a compositores jovens, não disfarçavam essa necessidade de recriar-se.

O desassossego de "Recanto" provoca estranhamentos, bem verdade. E não saímos deles, a não ser pelas janelas de "Cara do Mundo" e de "Mansidão", as canções mais solares. "Autotune Autoerótico", referência ao recurso que corrige deslizes na voz, o qual "não basta para fazer o canto andar", exerce a crítica dentro da experimentação. Os produtores Caetano e Moreno Veloso adequaram a base eletrônica de Kassin aos graves da cantora de 66 anos. "Neguinho", com sintetizadores de Zeca Lavigne Veloso, ressoa como a mais provocativa.

O Caetano discursivo, afeito a polêmicas públicas, manifesta-se na representação do consumismo sem lastro moral; sim, rejeita mas se reconhece no Brasil que emerge nos anos dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O indefinido "neguinho" somos nós: "Se o nego acha que é difícil, fácil, tocar bem esse país/ Só pensa em se dar bem - neguinho também se acha/ Neguinho compra 3 TVs de plasma, um carro GPS e acha que é feliz/ Neguinho também só quer saber de filme em shopping". O contraponto aparece na faixa "Sexo e dinheiro", num arranjo religioso, capaz de preencher catedrais: "Dinheiro é uma abstração/ Sexo é uma concreção: luz".

Não haverá danos maiores se ajustarmos a busca por instabilidade de "Recanto" ao trecho de uma velha crônica de Caetano, publicada no "Pasquim", em 1970, a respeito da sede de transição dos músicos inovadores nos anos 60: "ninguém está à vontade no papel de figura definitiva de uma bela história". Na última década, a obra de Caetano aparenta uma insurgência contra si própria, relutante em assumir o papel confortável que a história já lhe confere. Gal Costa não serve de puro instrumento. Protagoniza. A Caetanave é errância, mas a poesia e o recanto, claridade.



***

Show "Recanto"
Datas: 23, 24, 29, 30 e 31 de março
Horário: 22h
Casa Miranda (http://mirandabrasil.com.br)
Avenida Borges de Medeiros, 1424 - Piso 2 - Lagoa - Rio de Janeiro


Pina


Fiz-me a sombra do rodopio sonoro de Pina Bausch... Eu quase dancei.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Zizi Possi: Meu amigo, meu herói


Um presente de minha amiga Celeste Rivas via Facebook. Alívio imediato. Não tenho jeito, protesto, mas sou inteiro amor e saudade... E a voz linda de Zizi Possi.

Sussurro

O mais real em mim é delicadeza. Disfarço-me em absurdas agressividades para ter chance de continuar...Mergulho, às vezes, em erros irreversíveis por não operar o sentido maior que me governa: o delicado prazer de viver sentindo amor pelo mundo.

terça-feira, 20 de março de 2012

Oásis de Bethânia


Vendo tudo azulzinho. À espera da voz desta mulher para ter mais prazer. Repouso do meu encantamento... Musicalmente, no Brasil, o meu mais profundo. Venha.

domingo, 18 de março de 2012

Ao mar, no texto de mim...

Ao mar, lendo Rubem Braga. Lentamente, como aprendizagem. Sem visões superficiais. Poesia do mais profundo. Eu - frente ao mar, com o texto braguiano narrando desconfortos que eu adoro sentir. Lá, na terra firme, a voz de Gilberto Gil arando parte dos meus pensamentos. Mergulho mais e mais e assim, quase me vejo em desconfortos que são só meus. Rubem Braga de papel durando nas águas do mar que inventei em mim.

sábado, 17 de março de 2012

Marcia Castro - De pés no chão


Ontem, na Sala Principal, do Teatro Castro Alves, Salvador pôde experimentar o amadurecimento cênico e vocal da nossa grande Marcia Castro. Levinha e cantando cada vez melhor. O repertório do seu novo CD, De pés no chão, é uma epifania lítero-musical inclinada a narrar novidades. Ou seja, uma delícia. A banda afinada aos vocais da moça que, no palco, se torna a Mulher. Figurino lindo, dentro do tamanho e da beleza de Marcia. O cenário expressivo, enxuto, atraente. O que mais me encantou foi o cheiro de novidade em ver uma diva baiana do século XXI. O show foi corretíssimo. Faltou uma poeirinha de emoção; emoção esta que só senti quando a cantora desfiou uma canção inédita do enorme cantor e compositor baiano Tiganá Santana.

Marcia Castro, obrigado ,viu?

quarta-feira, 14 de março de 2012

14 de março: Dia Nacional da Poesia



Falam-me de dia da poesia e eu tenho a poesia todo dia em mim. Todo dia ela me acompanha, alimenta minhas manhãs, me faz sorrir, às vezes, muito chorar, mas sempre me ocupa com esperança e vontade de caminhar. Meus sonhos acordados são quase sempre poemas para o encontro. Sinto saudade na poesia; se odeio, quando odeio, é nela que me expresso. Mas sou todo amor frente a esta arte. Rabisco papéis querendo o mínimo do feitiço que sinto ali.
A poesia compõe o quadro mais bonito do que não fui. E se sou alguma coisa, sou-me lendo escrevendo vivendo horas diárias de poesia. Reflexo do mais profundo, sendo meus olhos tristes ou meu sorriso ao mundo, a poesia é a minha alma. Por isso me desnudo e me engano ao pensar em fingimentos. Eu me reinvento para o bem e para mal na companhia do que não me escapa, não me abandona, não se aparta de mim.
Minha noção de eterno pousa nos versos que leio e amo com a força da vida brotando. Ilumino-me em palavras tal qual imagem cinematográfica e revivo o que mais desejei sem nunca ter conseguido. E vibro poesia em conquistas também.
Tenho essa sede e essa fome intensas. Meu hábito diurno de sonhar. Minha maneira rara de pensar cheirar ouvir ver saborear sentir, nascendo da forja da palavra que os humanos deram em arte. Quem me toca em desejo, me toca antes na delicadeza do mistério emerso dos escritos poéticos que me fazem permanecer aqui.



terça-feira, 13 de março de 2012

Saulo Fernandes - Circulou


Vale muito um Carnaval assim. No ritmo de quem faz diferença apesar da aparência de mais do mesmo. Nessa ávida delícia de sentir-se todo seu... Carnaval? Só assim.

Saulo Fernandes

"Mas sei-me indo/ E as coisas findas/ Muito mais que lindas/ Essas ficarão

Maria Bethânia


De lá pra cá, em qualquer momento, qualquer instante, qualquer sensação, me embriago da imagem dela. Sinônimo da beleza que busco fora e dentro de mim.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Volta

Pegue-a pela mão e cante...
Serenando a falta que a deixara sem viço.
Traga-se em presença e fogo para amá-la
Com a pressa dos famintos.

Todos os dias foram seus olhos voltando.

Fascínio (3016)

Maria Bethânia: obra de arte

 

Enovelo-me

Enovelo-me nas pistas do cheiro seu e sigo por instinto e imaginação cada traço vasto deste corpo que procuro. Tenho guardado papéis e imagem que te fazem tesouro entre as minhas tralhas; tenho na memória aquele seu sorriso solto que me dizia... Nada se perdeu. Frascos salvaguardam sua passagem pela minha vida e me perfumam o continuar.

Enovelo-me de você e me somo às canções que você mais ouvia...

Hoje é um tempo de espera recheado de outras delícias: teias que nos significam para nós mesmos fora de respostas e sem necessidade de perguntas. Somos no eterno então... Vejo-lhe no espelho, e este cheiro que me impele é o fruto do suor que molhava os lábios meus quando eu mais queria lamber toda a sua extensão.

Das canções na memória, entre escritos perdidos no escaninho de mim, dentro dos difíceis novelos da sua presença aqui, da distância como mote, o amor como suporte, o sexo como corte, e a espera sem fim: traço-lhe sem ausência no espelho, ou em algo mais que lhe reflete, toco sensualmente no meu corpo como se tocasse no seu.

A loucura se repete para deixar algum prazer pra mim. Espreito, espero.

domingo, 11 de março de 2012

Ao menos fosse assim

"no cine-pensamento eu também tento reconstituir
as coisas que um dia você disse pra me seduzir
enquanto na janela espero a chuva que não quer cair
o vento traz o riso seu que sempre me fazia rir
e o mundo vai dar voltas sobre voltas ao redor de si
até toda memória dessa nossa estória se extinguir
e você nunca vai saber de nada do que eu senti
sozinho no meu quarto de dormir"

Arnaldo Antunes

Tenho dó das estrelas



Tenho dó das estrelas
Luzindo há tanto tempo,
Há tanto tempo…
Tenho dó delas.
Não haverá um cansaço
Das coisas,
De todas as coisas
Como das pernas ou de um braço?
Um cansaço de existir,
De ser,
Só de ser,
O ser triste brilhar ou sorrir…
Não haverá, enfim,
Para as coisas que são,
Não a morte, mas sim
Uma outra espécie de fim,
Ou uma grande razão –
Qualquer coisa assim
Como um perdão?

FERNANDO PESSOA


sábado, 10 de março de 2012

Balada do lado sem luz

P/ Carlos Barros

Para quem gosta e pode cantar. Enquanto escuto rastreando esperança dentro de mim.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Mãe Zulmira, mulher!



Para além dos entraves que perturbam a existência: o racismo, a pobreza, a condição feminina frente ao sexismo. A mulher é o realce da sua própria história. Um caminhar subindo íngremes ladeiras, enchendo mesas, alimentando sonhos. É aguentar com sabedoria, é virar o tempo na hora exata, é realizar projetos.

São tantos exemplos de tantos êxitos nessa condição mulher...
...

Materializo em palavras a grandeza de uma senhora nascida para a maternidade. Mãe de coragem de filhos paridos e espirituais, dona do aconchego que educa e desenvolve. Promotora de vida, que capta a profundeza perdida por nós meros mortais. Senhora que fala ao longe e atrai bênçãos para bem perto. Mulher sacerdotisa vívido testemunho da presença linda dos nossos orixás.

Ilustro uma entre milhões, nas mais diversas experiências, para agradecer à minha condição de filho de mulher, dependente da presença da mulher, neste mundo onde sou muito carente.

Ilustro uma que dialoga inteira com o divino e exerce sublimemente o seu ofício de ponte entre o tangível e o misteriosamente alcançável.

Zulmira de Nanã, epifanias do que se pode mais sagrado na desarmonia cotidiana da vida que inventamos. Presença transbordante que reatualiza com sua vida os nossos ancestrais.

Mas antes de tudo, isso que pensamos: mulher!




Do alguém afeito

Meu tema hoje é saudade... A que me invade numa espécie de clemência, desde a adolescência minha em alguém. Saudade espelhada em versos da cor azul do amor que desejei... Saudade cantada pelas melhores vozes...Saudade que devasta e preenche o peito ferido pela distância...Saudade do alguém afeito a palavras que desenham o secreto de mim...Saudade que mata em silêncio... Saudade notícia do desencontro... Saudade deslize virtual... Saudade carmim fruto de todo mistério.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Miragem

Pensei: queria fumar com elegância um Minister; tomar um vinho chileno, ouvindo Daniela Mercury cantando Santa Helena... Ir assim: Hilst na ponta da língua e queijo branco entre os dentes. Beijo na boca me calando, e depois, eu posando, meu retrato aurático sendo feito. Queria virar poema também. Depois ser esta canção de amor que você me faria se soubesse o quanto sei amar você.

domingo, 4 de março de 2012

Tua



Era um dia para descansar. Calar inteiramente. Só ouvir. De perto, ouvir. Um poema pop, letra de música, canção semi-melosa e então, ouvir. Era. Balançar do carro no corpo pedindo toque, clamando presença. Ouvir as linhas do bilhete não escrito, numa madrugada qualquer. Era. O consolo do sorvete de ameixa, a boca representando. Sim. A língua imaginando. Sim. Seda sobre seda. Entre rosa e vermelho. Sim. Veloz voraz voz. Sim. Aquele canto e o peito sangrando. Falta de tiro. Janela fechada, porta lacrada... O carro balançando. Sim.

Um dia para desperdiçar em leituras sobre o amor romântico. Desejo e fuga. O corpo nu que não está. Amor romântico? Dia de longas caminhadas sobre a persistência de uma foto ainda bem molhada de suor, sêmen, lágrimas. Ouvindo aquele canto atrevessando a noite  num amplo desejo.

Tua: imagem e canção no retrovisor do meu peito.

Meu destino



Eu sei que me repito. Nisso há uma vontade avassaladora de inovar e atingir. Meus olhos refletidos na beleza de um lugar, no que mais me identifica, uma encenação de água salgada, céu azul, sol forte, barcos, vontade de estar, desejo de sair, esperança e fé.


Repito-me diante do novo que não sinto. Pois, minha vida é memória do bem e do mal. E finjo também. Caminho alagado no espaço que eu mesmo criei. A luz da Baía. Destino do meu corpo e das minhas preces. Os barcos na Baía. Possibilidade de ir sem voltar. Sinto ternura por minha terra que é água. Meus olhos veem azul e negro, combinação absoluta da beleza que quero em mim.


Repito: sair em mim é para mais amar. Vejo o Forte d'água da minha terra me dando mais motivos para amá-la.


Mora meu amor em minha terra?


Às vezes não tenho o que falar e rabisco contra a desilusão.


Hoje só quero palavras de poder e assim, acender,  em mim, em ti, em nós, em nome da beleza que temos e no amor que estamos, a delicadeza que melhora os caminhos.


Bem  no centro do que vejo, passeia um barquinho; sei que é o meu pensamento, sei que são meus pedidos. Sei que é o meu destino navegando o que mais quero pra mim. E disso, eu não abro mão.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Abismos

Para CAIO FERNANDO ABREU

"Vórtice, coragem, vertigem: qualquer abismo nas estrelas do papel brilhante no teto".CFA


Escrevo. No jeito de cair, no querer dizer: abismos. No fazer-se abandono para mais ter o inesperado da vida. O teto brilhando. E a coragem dentro do peito. Esse frescor da ida, os lugares todos à frente e medonhos; o sabor da ida.
Ir-se todo até no pensamento. Vertigem acima do medo. As palavras todas escolhidas. Luminescência. Possibilidade. Asco. Esquecimento. Bondade. Força. Delicadeza. Fé. Amor. Verdade. Excelência.
Ir-se todo ao comando dos ventos e sem retrospectivas. Ida pelo sangue, o rio vermelho condutor das renascenças. Rodopiar no olho do furacão em vertiginosa subida e assentar-se em si mesmo como maior conquista.

Ir como morte, renascendo para além do mistério da vida. O teto brilhando como escrita do desenhista do amor, o gaúcho flor das pétalas brancas, destino universal em dilacerantes dificuldades.
Escrevo caindo no abismo que criei. Sei que nem digo nem vejo nem alcanço. O abismo é o mais seguro porque todo alegria e movimenta contra tédio e apatia e, assim, eu escrevo.

Escrevo o silêncio que não faço. Em nome de saudade, de vontade, de ternura, de amizade e salvação.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Gal Costa - Pérola Negra


Ela se confunde com tudo que me é musical. Sou muito por este som, na infância, acordando-me em manhãs de domingo. O som mais doce que o canto humano produziu e estes meus ouvidos alcançaram... Aprendi a imaginar e a querer mais pela qualidade deste canto. Tenho pensado tanto nela e nos projetos meus. Ali, em qualquer lugar, a eternidade desta musa.

Pérola negra, a pintura musical dos sonhos mais intensos e amorosos. A sensualidade baiana numa pose de diva. A história de um país num quadro sonoro. Estou derretido e como tenho pensado nela. Assim:
"Voz grudada na minha alma - por séculos a minha noção do que será a doçura na emissão do canto humano."

P.S.: Pintura no meu corpo.

Convite

"Adoro orquídeas. Já nascem artificiais, já nascem arte".

"Quem sabe da verdade que venha então. E fale. Ouviremos contritos".

Quero desenhar palavras do gênio para ser aleatório e simples sem precisar dizer nada. Quando nada, alcançar o centro do seu coração.
Lê então: antes que mais tarde seja tão tarde assim...
Leia-se em mim e aceita.