quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Mãe Raidalva de Omolu: 60 anos de dedicação aos Orixás

Mãe Raidalva de Omolu

Sementes da sabedoria:o Ilê Axé Oyá Tolá, o belo terreiro situado em Candeias- Bahia, festeja hoje os 60 anos de iniciação no candomblé, da ilustre Mãe Raidalva. Em 1950, essa senhora, aos 7 anos de idade, entregou-se a Omolu e a Iansã e nasceu para os mistérios da nossa fé. Uma empreendedora, que faz da religião um instrumento de devoção aos orixás, mas também de ajuda social para a sua comunidade. A bênção, mãe. E que nosso"povo" a conserve por muito tempo entre nós. Olorum Modupé!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Alex Mesquita, música pra sonhar

Alex Mesquita ( baiano universal)
A música instrumental da Bahia tem grandes representantes. Um deles, que sempre está ao lado dos melhores do ramo nesta Cidade da Bahia, é o professor Alex Mesquita. A experiência de ouvi-lo em execuções musicais é mágica, além de que, quando ele acompanha Virginia Rodrigues ou Stella Maris a harmonia se instala em mim. Ele mora aqui entre nós, é professor da Ufba e toca nos lugares em que a boa música se manisfesta. E é um ser muito especial.

Me lendo em Clarice Lispector




Eu tenho medo e é mais vigoroso que meu tédio. Há, em mim, nas memórias, nas sutilezas da pele, no muchar dos olhos a presença de instantes que são as pessoas que se ausentaram. Há no balanço das minhas horas o cintilar da saudade que preciso para continuar. Desafio a dor mergulhando numa escritura que me faz repensar a vida e assim, eu não sigo sozinho. Isso de me ler em livros; reflexos meus ali traduzidos para afugentar a solidão. Escapo frente ao espelho e sem empobrecer. Livros de uma liminaridade por ser meio bruxa meio fada e a minha alma salva no exercício de tantas sensibilidades. Perto do coração selvagem, largo! A maça no escuro, abro! Ânsia de que o inesperado bom aconteça. Para além daqui dentro de mim: aconteça.
Flerto com a sorte inventando linguagens. O tempo passa e quase tudo sem tempo; desperdiço tempo para fazer pirraça; minha riqueza não vista é lida pela incompreensão.
Os fins de setembro me põem abaixo das reflexividades; indo triste, me ocupo de mim com cuidado e verdade. Renuncio a vergonha, tolero o medo, usufruo do tédio, evito segredos, abraço o mistério e me delato para não ser refém de mais ninguém.
Eis uma espécie de solução: estar livre dos prenúncios alheios que lhe afastam dos seus defeitos e das suas virtudes; que lhe anulam no onde naquilo que lhe desfaz como ser. Repilo.
Minhas viagens são poemas e imagens em Água Viva...
Meu trunfo é flutuar de arrebatamento por cada página lida evitando o fim de uma história que me acompanhará por toda vida: a obra de Clarice Lispector.
Clamo por um bom dia.

dos mistérios de Clarice Lispector


Toda escrita que habita em mim reverencia Clarice Lispector

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Bahia de todas as contas



Rompeu-se a guia de todos os santos
Foi Bahia pra todos os cantos
Foi Bahia

Pra cada canto, uma conta
Pra nação de ponta a ponta
O sentimento bateu
Daquela terra provinha
Tudo que esse povo tinha
De mais puro e de mais seu

Hoje já niguém duvida
Está na alma, está na vida
Está na boca do país
É o gosto da comida
É a praça colorida
É assim porque Deus quis

Olorum se mexeu

Rompeu-se a guia de todos os santos
Foi Bahia pra todos os cantos
Foi Bahia

Pra cada canto, uma conta
Pra cada santo, uma mata
Uma estrela, um rio, um mar
E onde quer que houvesse gente
Brotavam como sementes
As contas desse colar

Hoje a raça está formada
Nossa aventura plantada
Nossa cultura é raiz
É ternura nossa folha
É doçura nossa fruta
É assim porque Deus quis

Olorum se mexeu

Mestre Gilberto Gil

P.S.: Na Bahia, eu me fiz assim... Querendo todos os cantos!!!


Como esquecer : pré-estreia aconteceu dia 10 no Rio de Janeiro


Murilo Rosa e Ana Paula Arósio
"Filme com Ana Paula Arósio interpretando uma professora lésbica tem pré-estreia no dia 10 de setembro a partir das 9:00h no Cinema Odeon na Cinelândia, centro do Rio.

O longa-metragem dirigido por Malu De Martino, traz Ana Paula Arosio, Murilo Rosa, Natália Lage, Arieta Corrêa, Bianca Comparato e Pierre Baitelli no elenco. O filme trata, sem estereótipos, de sentimentos universais como a perda de um grande amor, amizade e recomeço.

Em “Como Esquecer”, Júlia (Ana Paula Arosio) é uma professora de literatura inglesa, que luta para reconstruir sua vida depois de viver uma intensa e duradoura relação amorosa com a enigmática Antônia. Hugo (Murilo Rosa), seu grande amigo, também gay, é quem tira Júlia do seu isolamento e tenta trazê-la de volta à vida.

Uma história instigante que fala de pessoas comuns enfrentando os desafios de superar as dores do passado e buscando uma nova chance de encontrar a felicidade. O filme estréia em outubro em circuito nacional (Rio, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Salvador e Recife). Depois seguirá para as outras capitais e cidades do interior.

Após a exibição do filme será realizado um debate com a presença da Ministra Nilcéa Freire, da diretora Malu De Martino, da Sra. Cecília Soares, do Sr. Cláudio Nascimento e da Sra. Schuma Schumaher e será mediada por Reinaldo Bugarelli."

Retirado do blog Eu decido

Ogum para Proteger


Que a espada de Ogum afaste de nós os perigos e as preocupações.
A preocupação olha em volta,
a Tristeza olha para trás,
a Fé olha para cima.

OGUNHÊ!!!

Pelos mares da vida



Minha Grande Mãe,

Iyá Lodê do meu destino
Que canta no âmago da minha fé,
Habita meu corpo e abraça minha alma
Me faz sentir paz.

Musa das minhas preces,
Condutora dos meus sonhos,
Abro meu peito e clamo-Lhe
Do lugar que me fascina,
De dentro do mar,
Caminho maior de toda minha procura.

Ó minha voz altiva
Aquela que me dita sabedorias
E eu componho ilusões...
Mãe descrita na emoção do encontro;
Senhora que não sai de mim,
Fonte do sal que me inspira.

Ó minha,
Toda verdade que sucumbe ao mistério
Que sua morada traduz...
Ó minha,
De todos os dias em alegria ou tristeza,
Soberana certeza de que até depois da morte,
Eu nunca estarei só.
Ó minha,
Eu em nossa companhia,
Pelos mares da vida.

Odô Iyá!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Bem devagar


E daquela ternura nasciam os sonhos.
O excesso de medo e vergonha,
Paralisava o tempo para não
Banir a realização.

Tudo animalesco e melhor;
Sorrisos a torto e direito,
Numa entrega sem velocidade,
Nudez em nome da coragem
Do se querer muito bem.

Era singelo e amplo
O diálogo dos olhares;
O coração à satisfação
Num corpo cavalgando a leveza
Em cima da pedra do mar.

BALADA DO AMOR PERFEITO


Pelos pés das goiabeiras,
pelos braços das mangueiras,
pelas ervas fratricidas,
pelas pimentas ardidas,

fui me aflorando.

Pelos girassóis que comem
giestas de sol e somem,
por marias-sem-vergonha,
dos entretons de quem sonha
fui te aspirando.

Por surpresas balsaminas,
entre as ferrugens de Minas,
por tantas voltas lunárias,
tantas manhãs cinerárias,
fui te esperando.

Por miosótis lacustres,
por teus cântaros ilustres,
pelos súbitos espantos
de teus olhos agapantos,
fui te encontrando.

Pelas estampas arcanas
do amor das flores humanas,
pelas legendas candentes
que trazemos nas sementes,
fui te avivando.

Me evadindo das molduras
de minhas albas escuras,
pelas tuas sensitivas,
açucenas, sempre-vivas,
fui me virando.

Pela rosa e o rosedá,
pelo trevo que não há,
pela torta linha reta
da cravina do poeta,
fui te levando.

Pelas frestas das lianas
de tuas crespas pestanas,
pela trança rebelada
sobre o paredão do nada,
fui te enredando.

Pelas braçadas de malvas,
pelas assembléias alvas
de teus dentes comovidos,
pelo caule dos gemidos
fui te enflorando.

Pelas fímbrias de teu húmus,
pelos reclames dos sumos,
sobre as umbelas pequenas
de tuas tensas verbenas,
fui me plantando.

Por tuas arestas góticas,
pelas orquídeas eróticas,
por tuas hastes ossudas,
pelas ânforas carnudas,
fui te escalando.

Por teus pistilos eretos,
por teus acúleos secretos,
pelas úsneas clandestinas
das virilhas de boninas,
fui me criando.

Pelos favores mordentes
das ogivas redolentes,
pelo sereno das zínias,
pelos lábios de glicínias,
fui te sugando.

Pelas tardes de perfil,
pelos pasmados de abril,
pelos parques do que somos,
com seus bruscos cinamomos,
fui me espaçando.

Pelas violas do fim,
nas esquinas do jasmim,
pela chama dos encantos
de fugazes amarantos,
fui me apagando.

Afetando ares e mares
pelas mimosas vulgares,
pelos fungos do meu mal,
do teu reino vegetal
fui me afastando.

Pelas gloxínias vivazes,
com seus labelos vorazes,
pela flor que se desata,
pela lélia purpurata,
fui me arrastando.

Pelas papoulas da cama,
que vão fumando quem ama,
pelas dúvidas rasteiras
de volúveis trepadeiras
fui te deixando.

Pelas brenhas, pelas damas
de uma noite, pelos dramas
das raízes retorcidas,
pelas sultanas cuspidas,
fui te olvidando.

Pelas atonalidades
das perpétuas, das saudades,
pelos goivos do meu peito,
pela luz do amor perfeito,
Vou te buscando.

Paulo Mendes Campos

O mundo é grande


O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

Carlos Drummond de Andrade

Vivaldo da Costa Lima revelou relação familiar no Candomblé


Marlon Marcos
De Salvador (BA) (especialmente para o Terra Magazine; 25 de setembro de 2010)

A antropologia feita no Brasil ganhou expressão entre nós, e internacionalmente, a partir das etnologias indígenas, com nomes como Eduardo Viveiros de Castro, Roberto Cardoso de Oliveira, da grande Manuela Carneiro da Cunha, e mesmo que muitos reneguem, Darcy Ribeiro. Nossos alicerces teóricos e sustentações metodológicas se avolumaram com as pesquisas de Roberto DaMatta, Marisa Correa, Gilberto Velho, Ruth Cardoso e da excelente Mariza Peirano, para citar alguns dos mais reconhecidos; em âmbito nordestino, Thales de Azevedo, Pedro Agostinho, Ordep Serra, Jeferson Bacelar, Roberto Albergaria, Mirian Rabello, Júlio Braga, Claudio Luiz Pereira, Jocélio Teles dos Santos, Sérgio Ferretti, entre outros.

Nos aspectos etnográficos e na construção da memória das etnias negras em suas reinvenções religiosas no Brasil, os estudos sobre as hoje chamadas religiões de matriz africana foram de suma importância para o desenvolvimento da antropologia como ciência. As pesquisas sobre o candomblé, em especial o baiano, puderam fundamentar leituras sistêmicas sobre o rico arsenal litúrgico dessa religião, decifrando muitas das suas complexidades, classificando e nomeando modelos e tendências de acordo a heranças culturais que aqui chegaram com os grupos étnicos africanos que ajudaram a formar o povo brasileiro.

Do pioneiro Nina Rodrigues, passando pelos estrangeiros Roger Bastide, Donald Pierson , Ruth Landes e Pierre Verger, chegando aos estudos expressivos de Ordep Serra, Julio Braga, Reginaldo Prandi, Rita Amaral; até pousar em estudos preciosos como os do paulistano Vagner Gonçalves da Silva e do maranhense Sérgio Ferretti; e destacando o recente e excelente trabalho do espanhol Luís Nicolau Pares sobre a origem do candomblé na Bahia; para além de tudo isso e por dialogar com tudo isso, a melhor etnografia realizada neste país, e fora dele também, sobre candomblé, é a Família de Santo Nos Candomblés Jeje-Nagôs da Bahia, do já saudoso Vivaldo da Costa Lima.

A figura central deste artigo, que busca perfilar de modo sintético e imperfeito o trajeto da antropologia brasileira à luz de alguns nomes que a fizeram e ainda a fazem, é o mestre Vivaldo da Costa Lima, morto no dia 22 de setembro deste ano, que se foi levando consigo a inestimável inteligência de um erudito que sabia e fazia pesquisa antropológica como poucos. O antropólogo nascido em Feira de Santana, na Bahia, que interpretava a cultura brasileira em acordo com os nossos costumes existenciais, mas sem desprezar conteúdos teóricos erguidos por seus pares nas melhores escolas antropológicas do mundo.

Vivaldo sistematizou o pensamento de Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Roger Bastide, Manoel Quirino, Edson Carneiro, corrigindo os equívocos ou enxugando os preconceitos; fez um estudo clássico que descortina as relações familiares no candomblé e classifica as performances ritualísticas do modelo que se convencionou chamar jeje-nagô e que passou a ser símbolo religioso do que mais se aproximaria do antigo culto de orixás e voduns em algumas regiões da África antiga, por mais que ele combatesse o purismo e condenasse o nagocentrismo.

Um ateu que se tornou ogã e obá pelas mãos de Senhora de Oxum, no ilustre Ilê Axé Opô Afonjá e foi um dos maiores defensores da autonomia religiosa dos terreiros; um compositor de saberes que ele retirava do seio do povo negro da Bahia e traduzia para a antropologia em vários idiomas. O cientista que aprendia com as velhas do candomblé; um gênio dificílimo como todos os outros; o homem irascível como seu orixá Ogum, e ao mesmo tempo generoso e maternal como Iemanjá, a mãe amada deste orixá.

Vivaldo cumpriu uma vida belíssima se marcando como um dos maiores pensadores das Ciências Sociais no mundo do século XX. E como diz o seu discípulo mais representativo, o homem que melhor sabe ensinar antropologia na Bahia, o antropólogo Cláudio Luiz Pereira: "ninguém ainda pode dimensionar a importância de Vivaldo para a compreensão da Bahia, para sua tradução; isso de cultura afro, de entendimento do candomblé, da alimentação entre nós; ele era um gênio e muito do que os baianos dizem sobre si foi Vivaldo quem lhes contou."

Nesse duelo de titãs, eu, assim como Andrômeda, só faço esperar e aprender... Obrigado, professores.

Para São Cosme e São Damião

Que minha criança interna seja atenta e feliz e não me abandone;
Que bons sonhos me acompanhem e que eu tenha bons sonos também ( uma porção!);
Que a sorte me chegue como brincadeira e eu a aproveite consolidando em mim:
Paz, Amor, Prosperidade, Sabedoria!
Vivas a São Cosme e São Damião!

domingo, 26 de setembro de 2010

Billie Holiday: para lembrar a força dos desenlaces

Billie

Implacável tempo que cava na gente os buracos das distâncias e nos despeja nesse sentido perverso de retrocesso, de caminhar pela memória para muitas horas que vivemos atrás. O beijo que não foi dado, a entrega que não foi feita, o amor que secou sem secar; a pergunta que ampliou o mistério e o tombo discreto de uma época que foi quase feliz. 'Quase' - como destaque literário para o que nunca deveria ser; quase como o infame que aniquila a vontade de se sentir feliz.
E pior, o novo na forma das repetições que arranha o coração no descompasso da espera.
Implacável tempo que nos torna nada: minha eletrola toca a vívida voz sofrida de uma cantora universal. Toca para me descentrar de mim, tirar meu instante de reza, violar a esperança, me deixar com pressa; toca para que eu vague sem porquês e me seja um tipo de promessa que não vingou.
Imerso em muitas rachaduras temporais e ficando na nulidade de não ter mais tempo para sonhar. Inteiramente, quase...
Rodando dentro do canto que mais me desenha a força dos desenlaces. O eu que ainda espero. Vivendo momentos de outrora no explicativo de um presente perfilado em quase.

sábado, 25 de setembro de 2010

Gal Costa: 65 anos amanhã


O mais simples: orgulho imenso por tê-la como brasileira e mais ainda, como soteropolitana. Às vezes penso, meu Deus eu vivo na terra onde Gal Costa nasceu e hoje mora... Ela é uma das vozes mais lindas que a canção popular do mundo conheceu em todos os tempos... Nunca vou deixar de ouvi-la. Revisito, insisto, peço e me alimento naquela musicalidade. Ela, Bethânia e Elis são a tríade sagrada do canto feminino no Brasil, síntese de todas nossas imensas cantoras.
Por favor, 65 anos, sem muito o que dizer, corram e ouçam este canto que ecoa do Brasil.
Cantar como um passarinho
De manhã cedinho
Lá na galha do arvoredo
Na beira do rio
Bate as asas, passarinho
Que eu quero voar
Bate as asas, passarinho
Que eu quero voar
Me leva na janela da menina
Que eu quero amar
Me leva na janela dela
Que eu quero espiar
Me leva na janela da menina
Que eu quero cantar
Cantar como um passarinho
De manhã cedinho
Lá na galha do arvoredo
Na beira do rio
Cantar como um passarinho
De manhã cedinho
Lá na galha do arvoredo
Na beira do rio
Cantar como um passarinho
Como um passarinho
Cantar como um passarinho
Como um passarinho
Como um passarinho
Tuzé de Abreu

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O indizível

"memória de algum lugar"
Indo de cara, de trem, às cores da sua música.
Indo sem rumo, sem escalas, sem tom nem gesto, só indo...ao ritmo da sua voz.
Indo me buscar no desenho que você fez de si.
Indo combinar o seu sorriso quando leve com a minha emoção.
Indo lhe calar a fala, lhe precipitar o canto.
Indo renascer em suas ideias passadas e ser o movimento da sua rara poesia.
Indo amainar suas razões e lhe falar do amor meu no incondicional que lhe eterniza em mim.
Indo nas asas do inexplicável, perdurando em minhas bobagens, sendo minhas burrices.
Indo nisso de adorar...
Indo nisso de observar...
Indo nisso de apreender...
Mais que ídolo,
Amor do jeito que não tem porquê.

Barravento, de Glauber Rocha, e Samba de Botequim dão a tônica ao já tradicional evento do Forte da Capoeira no bairro do Santo Antonio


O mundo cinematográfico de Glauber Rocha, representado pelo seu primeiro longa-metragem, Barravento, de 1961, será a exibição do mês de setembro da Academia João Pequeno de Pastinha, localizada no Forte Santo Antonio Além do Carmo/Forte da Capoeira, no dia 24 de setembro, às 19 horas. Esse evento compõe as atividades culturais mensais da agremiação João Pequeno de Pastinha, que busca mesclar a linguagem cinematográfica a temáticas afro-brasileiras, trazendo, especialmente, películas que abordam, direta ou indiretamente, a capoeira.
Além de filmes, sempre exibidos na última sexta-feira de cada mês, acontece também nesse mesmo dia o tradicional Samba de Botequim movimentando a comunidade do bairro do Santo Antonio que recebe muitos visitantes de toda Salvador e de fora também. O evento é gratuito e começa a partir das 21 horas, em pleno Largo de Santo Antonio.

Serviço:

Exibição de Filme: Barravento, de Glauber rocha
Local: no interior do Forte Santo Antonio Além do Carmo/ Forte da Capoeira
Horário: 19 horas
Dia: 24 de Setembro de 2010 ( sexta-feira)

Roda de Samba: Samba de Botequim
Local: Largo de Santo Antonio
Horário: a partir das 21 horas.

Realização: Academia João Pequeno de Pastinha
Responsável: Everaldo Ferreira ( Professor Zoinho)

Contatos:
Ascom/Forte: Marlon Marcos 71- 8107-4693//3117-1492

Professor Zoinho: 71- 8746-6141

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Os afetos de Vivaldo da Costa Lima

Marcel Proust
A diversidade

Investigação antropológica


Mãe Senhora do Opô Afonjá



O discípulo e amigo Cláudio Pereira



A amiga Olga do Alaketu
Assim são os instantes humanos chamados vida;
Assim a gente chega e vai, nem sempre marca nem sempre fica.
Melhor que a obra de qualquer humano é a sua capacidade de afetar de amor o outro.
A melhor experiência humana é morrer banhado pela luz do amor irradiado de todas as maneiras.
O maior poder do humano é poder ilustrar sua morte com a vida e com a morte de outros seres humanos.

Descanse em paz, Prof. Vivaldo da Costa Lima.

Vivaldo da Costa Lima: morreu o grande mestre da antropologia



A primeira vez que ouvi falar sobre antropologia foi, aos 7 anos de idade, da boca do próprio professor Vivaldo da Costa Lima, simbolo da antropologia brasileira, que foi "bater um papo" com os alunos do antigo primário de uma escola pública, situada no bairro do Maciel - Pelourinho, que levava o nome deste grande mestre. Eu, ousadamente, já era aluno do 2º e estava entre os mais curiosos e lhe fiz, na época, várias perguntas... A antropologia me mordeu ali, e desatento, não entendi que esta disciplina, em algum tempo, seria minha maior linha de ação e interesse profissional. Perdi muito tempo. Em 1990, fui aluno do professor Vivaldo no curso de Ciências Socias, na UFBA, quando, tive contato com sua arrogância , e na mesma proporção, com sua maestria e generosidade intelectual.
Vivaldo se foi... Nesta quarta-feira, dia 22 de setembro; o sol quente dos trópicos e a Primavera iniciando. Se foi deixando discípulos e livros, leituras expressivas sobre a diversidade cultural humana à luz das mais importantes teorias antropológicas que circularam nos meios acadêmicos no mundo. Se foi cumprindo uma vida como homem, intelectual e político - que será para sempre lembrado na cidade e no País que ele tanto contou história, preservou a memória e dignificou o filão dos que usam a ciência como forma de melhorar o mundo explicando a necessidade da coexistência entre os diferentes, e lançando luz sobre os feitos culturais dos que foram submetidos pela escravidão ou pela pobreza social.
E eu aqui: aquele menino descobrindo o termo antropologia em 1977... hoje, um jovem senhor, em 2010, continuo querendo querendo querendo descobrir a antropologia captando e exprimindo a poesia que há nela e que senti pela primeira vez na fala de um dos mestres maiores que esta ciência produziu no Brasil.
Oyá veio buscá-lo... O senhor foi o melhor intérprete do Afro-Brasil... Ogum que lhe dê assento no Orum entre os ventos nobres e negros do povo que o senhor tanto estudou. Olorum modupé e minhas saudades sinceras!!!

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A menor mulher do mundo

Clarice Lispector ( a maior mulher do mundo)

Nas profundezas da África Equatorial o explorador francês Marcel Petre, caçador e homem do mundo, topou com uma tribo de pigmeus de uma pequenez surpreendente. Mais surpreso, pois, ficou ao ser informado de que menor povo ainda existia além de florestas e distâncias. Então mais fundo ele foi.No Congo Central descobriu realmente os menores pigmeus do mundo. E — como uma caixa dentro de um caixa — entre os menores pigmeus do mundo estava o menor dos menores pigmeus do mundo, obedecendo talvez à necessidade que às vezes a Natureza tem de exceder a si própria.Entre mosquitos e árvores mornas de umidade, entre as folhas ricas do verde mais preguiçoso, Marcel Pretre defrontou-se com uma mulher de quarenta e cinco centímetros, madura, negra, calada. "Escura como um macaco", informaria ele à imprensa, e que vivia no topo de uma árvore com seu concubino. Nos tépidos humores silvestres, que arredondam cedo as frutas e lhes dão uma quase intolerável doçura ao paladar, ela estava grávida.Ali em pé estava, portanto, a menor mulher do mundo. Por um instante, no zumbido do calor, foi como se o francês tivesse inesperadamente chegado à conclusão última. Na certa, apenas por não ser louco, é que sua alma não desvairou nem perdeu os limites. Sentindo necessidade imediata de ordem, e dar nome ao que existe, apelidou-a de Pequena Flor. E, para conseguir classificá-la entre as realidades reconhecíveis, logo passou a colher dados a seu respeito.Sua raça de gente está aos poucos sendo exterminada. Poucos exemplares humanos restam dessa espécie que, não fosse o sonso perigo da África, seria povo alastrado. Fora doença, infectado hálito de águas, comida deficiente e feras rondantes, o grande risco para os escassos Likoualas está nos selvagens Bantos, ameaça que os rodeia em ar silencioso como em madrugada de batalha. Os Bantos os caçam em redes, como fazem com os macacos. E os comem. Assim: caçam-nos em redes e os comem. A racinha de gente, sempre a recuar e a recuar, terminou aquarteirando-se no coração da África, onde o explorador afortunado a descobriria. Por defesa estratégica, moram nas árvores mais altas. De onde as mulheres descem para cozinhar milho, moer mandioca e colher verduras; os homens, para caçar. Quando um filho nasce, a liberdade lhe é dada quase que imediatamente. É verdade que muitas vezes a criança não usufruirá por muito tempo dessa liberdade entre feras. Mas é verdade que, pelo menos, não se lamentará que, para tão curta vida, longo tenha sido o trabalho. Pois mesmo a linguagem que a criança aprende é breve e simples, apenas essencial. Os Likoualas usam poucos nomes, chamam as coisas por gestos e sons animais. Como avanço espiritual, têm um tambor. Enquanto dançam ao som do tambor, um machado pequeno fica de guarda contra os Bantos, que virão não se sabe de onde.Foi, pois, assim que o explorador descobriu, toda em pé e a seus pés, a coisa humana menor que existe. Seu coração bateu porque esmeralda nenhuma é tão rara. Nem os ensinamentos dos sábios da Índia são tão raros. Nem o homem mais rico do mundo já pôs olhos sobre tanta estranha graça. Ali estava uma mulher que a gulodice do mais fino sonho jamais pudera imaginar. Foi então que o explorador disse, timidamente e com uma delicadeza de sentimentos de que sua esposa jamais o julgaria capaz:— Você é Pequena Flor.Nesse instante Pequena Flor coçou-se onde uma pessoa não se coça. O explorador — como se estivesse recebendo o mais alto prêmio de castidade a que um homem, sempre tão idealista, ousa aspirar — o explorador, tão vívido, desviou os olhos. A fotografia de Pequena Flor foi publicada no suplemento colorido dos jornais de domingo, onde coube em tamanho natural. Enrolada num pano, com a barriga em estado adiantado. O nariz chato, a cara preta, os olhos fundos, os pés espalmados. Parecia um cachorro.Nesse domingo, num apartamento, uma mulher, ao olhar no jornal aberto o retrato de Pequena Flor, não quis olhar uma segunda vez "porque me dá aflição".Em outro apartamento uma senhora teve tal perversa ternura pela pequenez da mulher africana que — sendo tão melhor prevenir que remediar — jamais se deveria deixar Pequena Flor sozinha com a ternura da senhora. Quem sabe a que escuridão de amor pode chegar o carinho. A senhora passou um dia perturbada, dir-se-ia tomada pela saudade. Aliás era primavera, uma bondade perigosa estava no ar.Em outra casa uma menina de cinco anos de idade, vendo o retrato e ouvindo os comentários, ficou espantada. Naquela casa de adultos, essa menina fora até agora o menor dos seres humanos. E se isso era fonte das melhores carícias, era também fonte deste primeiro medo do amor tirano. A existência de Pequena Flor levou a menina a sentir — com uma vaguidão que só anos e anos depois, por motivos bem diferentes, havia de se concretizar em pensamento — levou-a a sentir, numa primeira sabedoria, que "a desgraça não tem limites".Em outra casa, na sagração da primavera, a moça noiva teve um êxtase de piedade:— Mamãe, olhe o retratinho dela, coitadinha! Olhe só como ela é tristinha!— Mas — disse a mãe, dura e derrotada e orgulhosa — mas é tristeza de bicho, não é tristeza humana.— Oh! Mamãe — disse a moça desanimada.Foi em outra casa que um menino esperto teve uma idéia esperta:— Mamãe, e se eu botasse essa mulherzinha africana na cama de Paulinho enquanto ele está dormindo? quando ele acordasse, que susto, hein! que berro, vendo ela sentada na cama! E a gente então brincava tanto com ela! a gente fazia ela o brinquedo da gente, hein!A mãe dele estava nesse instante enrolando os cabelos em frente ao espelho do banheiro, e lembrou-se do que uma cozinheira lhe contara do tempo de orfanato. Não tendo boneca com que brincar, e a maternidade já pulsando terrível no coração das órfãs, as meninas sabidas haviam escondido da freira a morte de uma das garotas. Guardaram o cadáver num armário até a freira sair, e brincaram com a menina morta, deram-lhe banhos e comidinhas, puseram-na de castigo somente para depois poder beijá-la, consolando-a. Disso a mãe se lembrou no banheiro, e abaixou mãos pensas, cheias de grampos. E considerou a cruel necessidade de amar. Considerou a malignidade de nosso desejo de ser feliz. Considerou a ferocidade com que queremos brincar. E o número de vezes em que mataremos por amor. Então olhou para o filho esperto como se olhasse para um perigoso estranho. E teve terror da própria alma que, mais que seu corpo, havia engendrado aquele ser apto à vida e à felicidade. Assim olhou ela, com muita atenção e um orgulho inconfortável, aquele menino que já estava sem os dois dentes da frente, a evolução, a evolução se fazendo, dente caindo para nascer o que melhor morde. "Vou comprar um terno novo para ele", resolveu olhando-o absorta. Obstinadamente enfeitava o filho desdentado com roupas finas, obstinadamente queria-o bem limpo, como se limpeza desse ênfase a uma superficialidade tranqüilizadora, obstinadamente aperfeiçoando o lado cortês da beleza. Obstinadamente afastando-se, e afastando-o, de alguma coisa que devia ser "escura como um macaco". Então, olhando para o espelho do banheiro, a mãe sorriu intencionalmente fina e polida, colocando, entre aquele seu rosto de linhas abstratas e a cara crua de Pequena Flor, a distância insuperável de milênios. Mas, com anos de prática, sabia que este seria um domingo em que teria de disfarçar de si mesma a ansiedade, o sonho, e milênios perdidos.Em outra casa, junto a uma parede, deram-se ao trabalho alvoroçado de calcular com fita métrica os quarenta e cinco centímetros de Pequena Flor. E foi aí mesmo que, em delícia, se espantaram: ela era ainda menor que o mais agudo da imaginação inventaria. No coração de cada membro da família nasceu, nostálgico, o desejo de ter para si aquela coisa miúda e indomável, aquela coisa salva de ser comida, aquela fonte permanente de caridade. A alma ávida da família queria devotar-se. E, mesmo, quem já não desejou possuir um ser humano só para si? O que, é verdade, nem sempre seria cômodo, há horas em que não se quer ter sentimentos:— Aposto que se ela morasse aqui terminava em briga — disse o pai sentado na poltrona, virando definitivamente a página do jornal. — Nesta casa tudo termina em briga.— Você, José, sempre pessimista — disse a mãe.— A senhora já pensou, mamãe, de que tamanho será o nenezinho dela? — disse ardente a filha mais velha de treze anos.O pai mexeu-se atrás do jornal.— Deve ser o bebê preto menor do mundo — respondeu a mãe, derretendo-se de gosto. — Imagine só ela servindo a mesa aqui de casa! E de barriguinha grande!— Chega de conversas! — disse o pai.— Você há de convir — disse a mãe inesperadamente ofendida — que se trata de uma coisa rara. Você é que é insensível.E a própria coisa rara?Enquanto isso na África, a própria coisa rara tinha no coração — quem sabe se negro também, pois numa Natureza que errou uma vez já não se pode mais confiar — enquanto isso a própria coisa rara tinha no coração algo mais raro ainda, assim como o segredo do próprio segredo: um filho mínimo. Metodicamente o explorador examinou com o olhar a barriguinha do menor ser humano maduro. Foi neste instante que o explorador, pela primeira vez desde que a conhecera, em vez de sentir curiosidade ou exaltação ou vitória ou espírito científico, o explorador sentiu mal-estar.É que a menor mulher do mundo estava rindo.Estava rindo, quente, quente. Pequena Flor estava gozando a vida. A própria coisa rara estava tendo a inefável sensação de ainda não ter sido comida. Não ter sido comida era que, em outras horas, lhe dava o ágil impulso de pular de galho em galho. Mas, neste momento de tranqüilidade, entre as espessas folhas do Congo Central, ela não estava aplicando esse impulso numa ação — e o impulso se concentrara todo na própria pequenez da própria coisa rara. E então ela estava rindo. Era um riso como somente quem não fala, ri. Esse riso, o explorador constrangido não conseguiu classificar. E ela continuou fruindo o próprio riso macio, ela que não estava sendo devorada. Não ser devorado é o sentimento mais perfeito. Não ser devorado é o objetivo secreto de toda uma vida. Enquanto ela não estava sendo comida, seu riso bestial era tão delicado como é delicada a alegria. O explorador estava atrapalhado.Em segundo lugar, se a própria coisa rara estava rindo, era porque, dentro dessa sua pequenez, grande escuridão pudera-se em movimento.É que a própria coisa rara sentia o peito morno do que se pode chamar de Amor. Ela amava aquele explorador amarelo. Se soubesse falar e dissesse que o amava, ele inflaria de vaidade. Vaidade que diminuiria quando ela acrescentasse que também amava muito o anel do explorador e que amava muito a bota do explorador. E quando este desinchasse desapontado, Pequena Flor não compreenderia por quê. Pois, nem de longe, seu amor pelo explorador — pode-se mesmo dizer seu "profundo amor", porque, não tendo outros recursos, ela estava reduzida à profundeza — pois nem de longe seu profundo amor pelo explorador ficaria desvalorizado pelo fato de ela também amar sua bota. Há um velho equívoco sobre a palavra amor, e, se muitos filhos nascem desse equívoco, tantos outros perderam o único instante de nascer apenas por causa de uma suscetibilidade que exige que seja de mim, de mim! que se goste, e não de meu dinheiro. Mas na umidade da floresta não há desses refinamentos cruéis, e amor é não ser comido, amor é achar bonita uma bota, amor é gostar da cor rara de um homem que não é negro, amor é rir de amor a um anel que brilha. Pequena Flor piscava de amor, e riu quente, pequena, grávida, quente.O explorador tentou sorrir-lhe de volta, sem saber exatamente a que abismo seu sorriso respondia, e então perturbou-se como só homem de tamanho grande se perturba. Disfarçou ajeitando melhor o chapéu de explorador, corou pudico. Tornou-se uma cor linda, a sua, de um rosa-esverdeado, como a de um limão de madrugada. Ele devia ser azedo.Foi provavelmente ao ajeitar o capacete simbólico que o explorador se chamou à ordem, recuperou com severidade a disciplina de trabalho, e recomeçou a anotar. Aprendera a entender algumas das poucas palavras articuladas da tribo, e a interpretar os sinais. Já conseguia fazer perguntas.Pequena Flor respondeu-lhe que "sim". Que era muito bom ter uma árvore para morar, sua, sua mesmo. Pois — e isso ela não disse, mas seus olhos se tornaram tão escuros que o disseram — pois é bom possuir, é bom possuir, é bom possuir. O explorador pestanejou várias vezes.Marcel Petre teve vários momentos difíceis consigo mesmo. Mas pelo menos ocupou-se em tomar notas e notas. Quem não tomou notas é que teve que se arranjar como pôde:Pois olhe — declarou de repente uma velha fechando o jornal com decisão — pois olhe, eu só lhe digo uma coisa: Deus sabe o que faz..

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Desconhecer-me


"Desconhecer-se conscientemente,
eis o caminho".


Eis o buraco, o abismo, o calabouço
Meu surto de medo, receios...
Eu me vendo ao espelho
Reconhecendo o nada que
Tenho sido.
Eis essa prisão morna:
A consciência desejosa,
A vontade de realizar sem porquê,
O rio da coragem secando,
A lua me convencendo a esquecer.
Eis meu corpo sem possuir-me:
O nada no espelho
É o nada constante,
Que figura no projeto
Do que seria de mim.
E eu só me devo
Desconhecer.

Viver agora

"Não investigue agora as respostas que lhe podem ser dadas, porque não poderias vivê-las. E é disto que se trata, de viver tudo. Viva agora as perguntas. Talvez passe, gradativamente, em um belo dia, sem perceber, a viver as respostas".
Rainer Maria Rilke

domingo, 19 de setembro de 2010

Espaço meu


Para antes de mim
E para depois também
Deixo sonhos em água e sal.

O melhor que serena os desejos
Que me fizeram desencontrado.

Um cântico me chega
Da gruta do lobo maldito,
Meu signo é solidão e,
Meu tempo esvaindo-se
É o segredo das sereias.

Sou-me o meu próprio mito
E conto histórias que moram em mim.

Um canto me desgoverna
Porque sai da caverna marítima
De onde uma sereia qualquer
Resolveu me libertar.

Eu que me escravizo
Nas rotas do amor e da perseguição.

Quem somos?


Esse estranho que mora no espelho
Olha-me de um jeito
De quem procura recordar quem sou...
Mário Quintana

sábado, 18 de setembro de 2010

duração

Investigo
as rachaduras no tempo
que a galope me tem trazido
o sentido de viver acabando.

Investigo
à altura de fazer bem feito,
maior que planos,
o tempo inexiste aqui
e o oco descrito
bate a porta e,
se encerra dentro de mim.

Caminho
seguro das grandes desilusões,
alojado no íntimo de uma procura
que já dura todas as minhas vidas futuras;
as pegadas fazem barulho,
minha alma está encharcada,
as horas bagunçam o pensamento.

E eu,
coitado de mim,
insisto,
pois só sei durar assim.

África

José Craveirinha

O que seria de mim se não fosse a Música Popular Brasileira, em especial Caetano Veloso e ela, Maria Bethânia.


Em meus lábios grossos fermenta
a farinha do sarcasmo que coloniza minha Mãe África
e meus ouvidos não levam ao coração seco
misturado com o sal dos pensamentos
a sintaxe anglo-latina de novas palavras.

Amam-me com a única verdade dos seus evangelhos
a mística das suas missangas e da sua pólvora
a lógica das suas rajadas de metralhadora
e enchem-me de sons que não sinto
das canções das suas terras
que não conheço.

E dão-me
a única permitida grandeza dos seus heróis
a glória dos seus monumentos de pedra
a sedução dos seus pornográficos Rolls Royce
e a dádiva quotidiana das suas casas de passe.
Ajoelham-me aos pés dos seus deuses de cabelos lisos
e na minha boca diluem o abstracto
sabor da carne de hóstias em milionésimas
circunferências hipóteses católicas de pão.

E em vez dos meus amuletos de garras de leopardo
vendem-me a sua desinfectante benção
a vergonha de uma certidão de filho de pai incógnito
uma educativa sessão de «strip-tease» e meio litro
de vinho tinto com graduação de álcool de branco
exacta só para negro
um gramofone de magaíça
um filme de heróis de carabina ao vencer traiçoeiros
selvagens armados de penas e flechas
e o ósculo das balas e aos gases lacrimogéneos
civiliza o meu casto impudor africano.

Efígies de Cristo suspendem ao meu pescoço
rodelas de latão em vez dos meus autênticos
mutovanas da chuva e da fecundidade das virgens
do ciúme e da colheita de amendoim novo.
E aprendo que os homens que inventaram
A confortável cadeira eléctrica
a técnica de Buchenwald e as bombas V2
acenderam fogos de artifício nas pupilas
de ex-meninos vivos de Varsóvia
criaram Al Capone, Hollywood, Harlem
a seita Ku-Klux Klan, Cato Mannor e Sharpeville
e emprenharam o pássaro que fez o choco
sobre o ninho morno de Hiroshima e Nagasaki
conheciam o segredo das parábolas de Charlie Chaplin
lêem Platão, Marx, Gandhi, Einstein e Jean-Paul Sartre
e sabem que Garcia Lorca não morreu mas foi assassinado
são os filhos dos santos que descobriram a Inquisição
perverteram de labaredas a crucificada nudez
da sua Joana D’Arc e agora vêm
arar os meus campos com charruas «made in Germany»
mas já não ouvem a subtil voz das árvores
nos ouvidos surdos do espasmo das turbinas
não lêem nos meus livros de nuvens
o sinal das cheias e das secas
e nos seus olhos ofuscados pelos clarões metalúrgicos
extingiu-se a eloquente epidérmica beleza de todas
as cores das flores do universo
e já não entendem o gorjeio romântico das aves de casta
instintos de asas em bando nas pistas do éter
infalíveis e simultâneos bicos trespassando sôfregos
a infinta côdea impalpável de um céu que não existe.
E no colo macio das ondas não adivinham os vermelhos
sulcos das quilhas negreiras e não sentem
como eu sinto o prenúncio mágico sob os transatlânticos
da cólera das catanas de ossos nos batuques do mar.
E no coração deles a grandeza do sentimento
é do tamanho cow-boy do nimbo dos átomos
desfolhados no duplo rodeo aéreo do Japão.

Mas nos verdes caminhos oníricos do nosso desespero
Perdoo-lhes a sua bela civilização à custa do sangue
ouro, marfim, amens
e bíceps do meu povo.

E ao som másculo dos tantãs tribais o eros
do meu grito fecunda o húmus dos navios negreiros...

E ergo no equinócio da minha Terra
o moçambicano rubi do mais belo canto xi-ronga
e na insólita brancura dos rins da plena Madrugada
a necessária carícia dos meus dedos selvagens
é a táctica harmonia de azagaias no cio das raças
belas como altivos falos de ouro
erectos no ventre nervoso da noite africana.

(CRAVEIRINHA, José. Xigubo. Lisboa: Edições 70,. p.15-17)

Aos jornalistas



Se me fosse dado o direito de decidir se deveríamos ter um governo sem jornais, ou jornais sem um governo, eu não hesitaria um segundo em escolher a segunda opção, disse Thomas Jefferson em 1787.

Se a mim me fosse dado o direito de julgar tudo que Jefferson fez e escreveu, esse gigante do pensamento e da ação, eu não hesitaria um segundo em escolher essa como sua melhor frase.

Rádio, TV, internet, estou certa que Thomas Jefferson, como eu, iria se apaixonar por todas essas ferramentas da notícia. O importante é que a notícia circule livremente, bem dada, com isenção e justiça. A notícia deve chegar até nós limpa e clara.

Sou muito grata à nossa imprensa. Falo com tranquilidade pois não sou jornalista, que dirá repórter. Sou uma escrevinhadora que diz aqui o que sente, o que pensa, o que deseja para quem ama, para si, e para o Brasil.

Mas sem a imprensa para nos manter informados, como juntar as ideias e concluir o que queremos?

Sou membro declarado dos 4%. Estou muito confortável aqui dentro do fusca. Não pretendo sair daqui. E não pretendo aceitar mordaças e outras palhaçadas.

Quero continuar a saber o que se passa em meu país. Quero ter uma imprensa livre para transmitir as notícias tal como elas aconteceram e analistas e colunistas para comentar o assunto e nos dar sua opinião.

Como é que nós, cidadãos contribuintes eleitores, poderíamos ficar sabendo de tudo que se passa na cidadela lulopetista, se não fosse a imprensa? Como saber que o coração do governo – a imagem, excelente aliás, é do presidente Lula – ia ser atacado dessa maneira torpe e voraz?

Como íamos ficar sabendo que o ex-governador Serra, irritadiço, não teve controle suficiente diante das perguntas de uma jornalista, num programa em que estava sendo entrevistado para falar de si e de seu programa de governo?

Como ficar sabendo que o líder do PT no governo disse “Por que a Dilma precisa falar desse assunto? Não foi ela quem admitiu nem demitiu Erenice. A Dilma não tem nada com isso. Não é assunto de campanha é assunto de governo”!

(A frase desse senhor, aliás, é um primor. A Dilma não admitiu nem demitiu a amiga. Ela não tem nada a ver com isso! Quem admitiu e demitiu a Erenice foi o Lula. Então, ou muito me engano, ou a conclusão vaccarezziana é a seguinte: a culpa é do Lula!)

Dizem que está em gestação uma serpente: a imprensa calada.

Sabe o que conseguiram no tempo em que tentaram censurar a imprensa e calar nossas bocas? Que nós lêssemos cada palavra impressa no jornal mais de uma vez, três se fosse necessário, para pescar tudo que estava nas entrelinhas.

Gosto muito do Expresso, que leio para saber notícias de Portugal e, confesso, para tentar não esquecer como se deve escrever… E li hoje num blog muito simpático, A Tempo e a Desmodo, de Henrique Raposo, uma nota na qual constato, mais uma vez, que nosso cordão umbilical com a terrinha é muito forte e nunca foi cortado. Sabem o que ele diz dos seus conterrâneos?

“A parte sinistra disto tudo é a seguinte, my friends: os portugueses confundem democracia com estado social. A maioria dos portugueses não se importava de viver num Estado Novo com um Estado Social lá dentro. Não querem saber de parlamentarismo e de estado de direito. Querem é saber do seu Estado Social, do seu subsídio, da sua educação paga e da sua saúde paga (com um hospital dentro de casa, se possível). Querem, no fundo, viver num sítio onde tudo é de borla, e onde se vota nuns tipos que nos dizem que tudo deve ser à borla. Uma maravilha”.

À borla, para quem só fala brasileiro, é de graça. Se trocar portugueses por brasileiros e à borla por grátis, pode sair num blog daqui como coisa local.

Infelizmente, aqui também o que a maioria quer é tudo à borla, no aqui e agora. Ninguém parece muito preocupado com o Espírito da Nação. Que os desvalidos pensem assim e se vejam felizes por estarem usufruindo das franjas da fortuna, é mais do que compreensível. Mas os outros? Que desculpa têm para só pensar na matéria? Um bom ditador que ofereça tudo à borla seria muito bem vindo?

Por falar em Portugal, há um lindo fado que diz: “Foi Deus que deu-me esta voz a mim!”. No meu caso, infelizmente, é voz que não serve para cantar, mas é voz que serve para falar. Que eu pretendo usar até quando chegar a minha hora.

Hoje foi para dizer: obrigada, jornalistas que ralam para nos manter bem informados. Muito e muito obrigada.

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa escreve semanalmente no blog de Ricardo Noblat.

P.S.: Esse texto maravilhoso foi retirado do site POLÍTICA LIVRE, reproduzo aqui contra quem se coloca contrário ao exercício livre do jornalismo e contra as "gangues" dos jornalistas chapa branca que inviabilizam o talento e sugam e comem e matam em nome de cercadinhos, crachás, carguinhos, viagens e, é claro, trocadinhos.

Necessidade

Nada me ocupa mais
Nada muito me preocupa
Do que sentir agonia no peito
Deixar-se ir pelo desejo
Tocar a face amada.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Dona Canô: estrela de verdade

Canô
Caetano, Canô, Bethânia

É claro que a propagação do seu nome nacionalmente se deu por conta da fama e da importância cultural e artística de seus filhos Caetano Veloso e Maria Bethânia. Mas só o que alguns teóricos da sociologia chamam de carisma pode explicar o fenômeno de encantamento que a matriarca dos Velloso despeja ao seu redor. A senhora fez 103 anos, teve a perna machucada recentemente, podia ter uma festa fechada só com os vips amigos dos filhos mas não, abriu mais uma vez as portas da casa para muitos santo-amarenses e forasteiros que ali foram com as mais complexas intenções. E mesmo sentada, o inexplicável que lhe garante tanta longevidade reluziu por cima de todos que contemplavam sua festa de aniversário. A missa, homilia feita pela oratória impecável do Monsenhor Sadoc, foi uma paródia a favor da vida e tudo lido ou dito percorria a lição cotidiana que Dona Canô nos dá: saber envelhecer e ter prazer existencial a cada ano de vida completado. Acho que Bethânia tem aprendido isso; Caetano precisa estudar essas lições - ele um dos nossos gênios mais visíveis -, precisa saborear esta grande lição da mãe.
A fama de Dona Canô pode ser um respingo da dos filhos, mas para quem chega perto dela e convive um pouquinho, tem acesso a chave do mistério que reflete a grandeza dos filhos artistas: ela é o manancial; íntegra sabedoria. Coisas da gente da Casa de Oxalá, muito protegida por Nossa Senhora...
Sem dúvidas, Dona Canô é a maior estrela dos Velloso e a que de fato entende o sentido do "estrelato" ao meio dos outros seres humanos.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Jussara Silveira


Eu gosto das belezas mais íntimas donas da serenidade que melhora a vida. Gosto de contemplar almas alheias a partir dos olhos de quem vejo. Gosto do que recebo nesse efeito da doçura feito poema feito música singrando minha emoção. Amo a voz feminina. Amo a delicadeza mulher. E pronuncio meus dias para avançar ou transcender vendo e tocando Jussara Silveira no mais iluminado de mim.

Sobre ocasos


Não que se desejasse tocar em assuntos sinistros, alentar tristezas, perfurar memórias, desenhar horas impróprias, aludir desproteção, não. O desejo é marcar no espelho a beleza buscada no fundo da alma e respirar. Por sobre o tosco momento político neste País e as gentes que comandam tribunas comunicacionais, aniquilam a arte, são covardes e maltratam nossa razão e pensam nos secar da emoção que nos dá vida. Respirar tirando oxigênio do fundo do mar, acertar projetos edificantes, educar o corpo contra a violência da forasteira caça-níquel, do interlocutor louco vadio, do chefe amendrontado, dos colegas apodrecidos, da dama infame cópia de Beauvoir, do capacho auxiliar, do moribundo perverso, do especulador ativista; enfim, essa gente maldita que emporcalha este tempo no estado da Bahia.
Uma paisagem belíssima para escapar do ocaso de mim, que me vivo a mergulhar em água e poesia e a chorar de dor e alegria pedindo piedade para a escória circundante que manda por fome de dinheiro e poderes secundários. Não, seus ratos! Entrego-lhes um cercadinho de uma praia linda sem sol e águas gélidas parar combinar com o calabouço de vocês, o fundo oco de vocês no lugar onde vocês deveriam ter uma alma.
Muito dinheiro e tarjas pretas, muita insônia e frustração, gente do sonho alucínogeno meio cerveja coca maconha sem-vergonha ou da falsa cristandade - derrubando humanos pelo torpor calvinista do acréscimo monetário.
Podre polida do imaginário raquítico que desvanece o sábio pronunciando em francês. Seu ocaso é a feiúra do seu verdadeiro nome que todos saberão daqui pra frente: Ladrões!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Na audição de Zizi Possi

Zizi Possi

Minha vida sempre se moveu por dentro da música. E desde lá, muito pequeno, a solidão era vencida com Música Popular Brasileira, literatura e Poesia: nisso existia muita festa e a felicidade sorria de verdade. Uma das vozes que mais amava e ouvia se consolidou como um dos cantos femininos mais importantes deste País: Zizi Possi. Primeiro elemento natural a gerar sonoridades em nossa audição, outro canto que traz e se faz em água, pura, potável, translúcida a melhorar nossos instantes nessa caminhada de tanta aspereza...
Falei muito de Zizi Possi ontem e estou ávido para mergulhar nos preciosos DVD's que ela lançou
e viajar em sua musicalidade que em mim é passado e vai ao futuro, mas mais que tudo: sua música me é puro presente e ela canta na beleza sui generis da sua voz de senhorinha dos mares.

Meu coração tardou


Meu coração tardou. Meu coração
Talvez se houvesse amor nunca tardasse;
Mas, visto que, se o houve, houve em vão,
Tanto faz que o amor houvesse ou não.Tardou.
Antes, de inútil, acabasse.
Meu coração postiço e contrafeito
Finge-se meu. Se o amor o houvesse tido,
Talvez, num rasgo natural de eleito,
Seu próprio ser do nada houvesse feito,
E a sua própria essência conseguido.
Mas não. Nunca nem eu nem coração
Fomos mais que um vestígio de passagem
Entre um anseio vão e um sonho vão.
Parceiros em prestidigitação,
Caímos ambos pelo alçapão.
Foi esta a nossa vida e a nossa viagem.
Fernando Pessoa

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

MARlon MARcos: Do alto de mim

Iyá Ogunté
Marlon Marcos

"Não se esqueça que a subida mais escarpada e mais à mercê dos ventos, é sorrir de alegria" Clarice Lispector
Dessa abertura do peito soprando fazendo vento, arejando a alma para o sentido da vida chegar... À procura em muitos lugares e o mote da felicidade é a imagem que vejo no espelho. E o que se revela ao sumidouro é a latência da condução do amor que constrói minha existência. Sorrio das maneiras mais diversas e subo para o alto de mim, para o concreto de mim, para o meu melhor que me é natureza humana e é peixe e é alga e é água - o sal em vestígios de sonhos ancestrais - substanciando o mar e me retirando de algumas cavernas pela alavanca do meu riso a ecoar...

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Quero ser Tambor


Minha alma segue o som dos atabaques... Quando ouvi o poema de José Craveirinha, Eu quero ser Tambor, na voz de Maria Bethânia, não paro de pensar naquela récita com palavras e o som do atabaque despertando a minha consciência...
Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.
Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
Nem nada!
Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!

Mensagem ( II )


Me quero infantil e feliz
Seguro do abraço profundo
Que vejo se desenhar
À minha frente.

"A poesia é, sim, para todo mundo", diz Bethânia em recital

"Maria Bethânia faz literatura com a voz", analisa jornalista Marlon Marcos

Marlon Marcos
Do Rio de Janeiro ( especialmente para o Terra Magazine - 08/09/2010)
Talvez pareça pouco, mas é muito, muito proveitoso ficar durante uma hora ouvindo a cantora Maria Bethânia em récitas textuais aludindo poemas e poetas que fazem a história contemporânea da literatura em língua portuguesa e ainda, cantarolando trechos de canções que nos convidam a atentar para Poesia como alimento do espírito e instrumento imprescindível à educação efetiva nossa e de nossos estudantes.

O recital Bethânia e as Palavras, leituras, apresentado no último final de semana na cidade do Rio de Janeiro, na Sala 1 do Teatro Fashion Mall, em São Conrado, é uma breve tradução da força das palavras na voz da grande cantora. Não é brincadeira: Maria Bethânia, em se tratando da língua portuguesa, quando fala ou canta, vai além da fluência, e sonoriza nosso idioma como se estivesse a embelezá-lo ou realçá-lo para a sua exata compreensão. No cenário musical brasileiro, além de cantora, Bethânia é uma esteta da palavra e produz literatura com a voz, criando um produto fonográfico com afinco lítero-musical recheado de pesquisa etno-histórica, literária, musical, sem perder de vista a tradição popular e os aspectos religiosos que identificam o nosso afro-catolicismo tão presente no Nordeste deste País.

Nessa sua empreitada com a palavra, estimulada por várias premiações, entre elas a Comenda do Dessassosego, oferecida pela Casa Fernando Pessoa, de Lisboa, Bethânia reforça a sua preocupação com a educação no Brasil e afirma: "a poesia é sim para todo mundo. Isso aqui é para mostrar que se pode uma educação pública plena e de qualidade no Brasil, como antes eu e Caetano Veloso tivemos no interior, no Recôncavo baiano".

Uma hora ouvindo fragmentos de textos de Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Sophia de Mello Breyner, Mário de Andrade, Fausto Fawcet, Manuel Bandeira, Ferreira Gullar, Ramos Rosa e, infinitamente, Fernando Pessoa em seus heterônimos, de longe e de perto o poeta favorito da filha de Dona Canô. Uma hora para encontrar um tipo de beleza que anda fenecendo entre nós. Uma hora para se pensar em nossos estudantes e em nós mesmos e aguçar nossa vontade de reencontrar a palavra no formato sócio-educativo e nutritivo que as leituras daquela mulher nos trazem. Uma hora exata para reaprendermos que poesia é ar, comida, sexo, política, saúde e religião.

Sobre o fato de Bethânia dizer mais que cantar neste novo experimento, é bom que se saiba: nada de colocá-la como atriz afastando-a da música; Maria Bethânia é esta liminaridade, é como seria para a antropologia, o contínuo rito de passagem, misturando música teatro literatura, para o reflorescimento do estilo canção e da propagação da poesia como fruição estética e educação.
Ela escreve o Brasil na voz e conta histórias que podem nos ensinar a não ter vergonha de vencermos como brasileiros.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Encontro em dois e a sós

"E o mais certo é sorrir
Quando se tem amor
Dentro do peito."
Da maneira mais incauta e sem cautela. Para fora das fronteiras, pelas repetições em erro na duração dos tempos, a violência do desejo, o charme do segredo e a atividade do se querer buscar. Pelo brilho do sorriso excitando a mente, o carinho aprisionando e a admiração...
E esse levitar através de canções que desenham sua presença em minha mente. O marulho que habita céus e caminhadas sobre o mar, o descanso sobre a pedra, conversas inteligíveis em silêncio quando minha mão desliza e imagina chegar ao lugar no qual somos encontro e satisfação.

Abro-lhe minha escrita perdida entre prosa e verso e sem assertivas, ela lhe dita as desrazões deste meu coração que cria canções sem som para lhe sorrir para lhe tocar para lhe trazer para lhe amar. Um amor esculpido numa linguagem musical banhada de água e sal, diferente e atrevida, enfrentando o frio da solidão, o fogo das perseguições, o choque cultural, a fúria dos estabelecidos, o nosso medo, a dubiedade, o desgaste, a confusão... Também, mais forte e proveitoso é o viço do nosso abraço sorrindo de solução para o mundo lá embaixo em suas crises de aquisição monetária e de poderes servis e passageiros. Nosso abraço certeiro que revela a gargalhada do peito da gente que salva os demais.

Eu quase como Hilda Hilst, sou quase poeta quase transgressor no amor que arranjei para você.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Fé Fé Fé Fé


"Minha fé é no desconhecido, em tudo que não podemos compreender por meio da razão. Creio que o que está acima do nosso entendimento é apenas um fato em outras dimensões e que no reino do desconhecido há uma infinita reserva de poder".