terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Marcelo Jeneci - Clipe Felicidade


- Vai pesar menos; pesa muito menos com doçura, criatividade, música, cinema, poesia, beijo na boca, amor e Fé... Claro que pesa muito porque muito disso anda faltando. Então, 2012 à luz desta canção linda do lindo Jeneci. E já ouvindo estou achando tudo mais levinho. A Fé não posso perder. Eu amo você. Até.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Minhas tardes com Margueritte


Dois incômodos me acometeram, de início, ao assistir esta película: a claridade na legenda, lá na bela Sala de Arte, no Cinema do Museu, na Vitória (SSA-BA), e o peso pesado de Depardieu, me vi pesando como ele. Sem esperar muito, veio a vida prosaica do interior da França, comum em assuntos universais que encontramos em qualquer lugar do mundo; vieram as temáticas humanizadoras, veio ela, Margueritte, em seus 95 anos, a derramar doçura e sedução, tendo como aliadas a famosa elegância feminina francesa e a literatura. Fui marcado de profunda emoção pelo simples que compõe a vida; marcado por palavras e ensinamentos que nascem da arte e fazem a vida mais colorida e com sentido. O sentido de deslumbrar-se.

A beleza ali numa história de amor incomum. Um homem bem mais jovem, redimensionado por aprendizados literários ( livro salvando!), pede a uma mulher de 95 anos: "me dê um pouco mais da sua vida". E a gente chora, como estou chorando agora, e sai mais feliz mais reflexivo mais ciente de um filme como esse, do que como aqueles que prezam pelas inteligências robóticas.

Não, quero chorar, ler livros e ter minhas tardes com Margueritte. Por favor, não percam.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Todo Sentimento


Foi assim,
apenas a delicadeza.
E o que estaria para bem longe dali,
feito agonia para se tornar cio.
Mas foi a delicadeza...
A beleza brotando em tudo
no livro funcionando como corpo.
Um amor amigo de dia então,
quando noite pura proibição,
e muitas poesias...
Foi assim,
a delicadeza a machucar
a desenhar a carinhar
aquele encontro etéreo,
transcendência no igual,
gozo na forma lúdica
de delicadas palavras
ansiando Poesia.

Maria Bethânia - Vida Real



Para Sérginho Guerra

Entre notícias, cenas, poemas, escritos, historiografias, dilemas... Eis que grita a vida pedindo ainda mais a ilusão. O amor batendo à porta, a dança dos sonhos, o azul do céu nos lençóis, a voz de Bethânia na música de Caetano Veloso; o desencontro no parapeito do tempo e a maresia como conforto.

Bravos os homens que amam na irrealidade de todos os dias sob a romântica inspiração.
O som que desalinha. Os recortes do coração. O fazer da fantasia como prosseguimento.
Eis a vida sem tormento: o tiro certeiro que brota da garganta da mulher cantora e fala melhor tudo que não podemos dizer. E é maior  que a Vida Real.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A maior beleza entre todas


A vida deveria ter me feito mais inventivo e deveria ter me dado traços mais enigmáticos, palavras mais profundas, olhar mais focado, no meu jeito de baiano, deveria ter posto em mim a capacidade em traduzir o que recebo na forma da beleza que me chega quando estou frente ao mar. O da Baía de Iemanjá. Na cidade do Salvador. Em dias de verão escaldante, quando sol brilhante derrama esperança na gente. Esse branco total na nossa pele negra e o azul claro do céu enfeitando a todos deste lugar.

Orixás dançando na mente: instantes de fé e de felicidade... A vontade vibrante de ser. Os caminhos do mar. Meus olhos sorrindo para a maior beleza entre todas. Eu ainda estou aqui!

sábado, 17 de dezembro de 2011

Mameto Zulmira de Nanã

Foto de Solange Valladão
Não há nenhum desgaste em se falar da poesia que endossa o mistério do candomblé; em se anunciar a transcorrência dos diversos exemplos de sacerdotes e sacerdotisas que deram esteio aos fundamentos de uma religião inventada por negros africanos e brasileiros, e que sustentam muitas das noções de civilidade entre nós neste país.



Exemplarmente, neste mês de novembro, negro como tem que ser, Zulmira de Santana França, a mameto Zulmira de Nanã, faz 70 anos de iniciação na religião de inquices, voduns e orixás. Uma sacerdotisa devotada, com amor e profundo respeito, às energias que compõem a fé dos adeptos do candomblé; uma mulher de alentos e majestade no que muito sabe, de verdade, cumprir o papel de mãe nisso que o mestre Vivaldo da Costa Lima brilhantemente sistematizou como “família-de-santo”.


Mãe Zulmira é a Nengwa ( o mesmo que mameto ainda para os angolas, ou a iyalorixá dos ketus) do Unzó Tumbenci, fundado em 1937, pela saudosa Marieta Beuí, no bairro de Cosme de Farias, e que hoje funciona em Lauro de Freitas. Dona Zulmira – de simplicidade comovente – possui ligação profunda com o Huntoloji, terreiro de Cachoeira-Bahia, que pertenceu a lendária gaiaku Luiza e hoje é governado por gaiaku Regina.


Todos os registros à memória desta senhora – graças a Zambi, vivíssima!- porque dignidade e entrega, sacerdócio sem burocracia, respeito pelo outro, sabedoria litúrgica, simplicidade, grandeza espiritual, fé e amor pelos inquices, correção e honestidade, rigor e majestade sacerdotal, não se encontra toda hora em outra qualquer.


O candomblé deve ser uma religião de respeito e defesa das diversidades; uma religião que construa, no Brasil, as bases mínimas de uma verdadeira ética da coexistência, que combata o racismo, na medida do possível seja político, mas não perca seu teor de religiosidade, de transcendência, este que, no dizer da cantora Maria Bethânia, nos tira do cotidiano vagabundo que nossas dificuldades nos impõem.


Todos os louvores a Oyá, Nanã e Tempo pelas respostas que dão aos apelos desta grandiosa dama do candomblé brasileiro. A bênção, minha mãe.

(Publicado no Opinião, do Jornal A Tarde, em 28/11/2011)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Uma porção do Brasil torce pelo fracasso de João Gilberto


Um texto de craque a favor da sensatez e do nosso maior cancionista: João Gilberto

Claudio Leal ( Terra Magazine, 15/12/2011)


A crônica dos ingressos "encalhados" da turnê 80 Anos, Uma Vida Bossa Nova, de João Gilberto, revela uma estranha incompatibilidade do maior artista popular brasileiro com seu País. Bem explicado, com uma porção cavalgadura do Brasil. Sabe-se que, por conta de uma gripe e de transtornos na produção, seus espetáculos foram adiados até o cancelamento final.

Como comprovam pencas de reportagens e comentários nas redes sociais, João Gilberto precisava fracassar. O confinamento, o desprezo à ordem das celebridades, a essencialização de uma arte e o radical sacerdócio, em mais de 50 anos de carreira, tornaram-no um inimigo da previsibilidade do show business e dos fervores justiceiros do jornalismo. João Gilberto precisa fracassar para que prevaleça alguma lógica, por vezes chamada de "respeito ao público". O que não parece faltar em suas criações rítmicas.

Em setembro, dois dias depois do início da vendagem dos ingressos da turnê (iam de R$ 500 a R$1.400), em quatro capitais brasileiras, trovejaram as primeiras reportagens sobre o "encalhe" e a "frustração" dos produtores.

Não se conhece, na imprensa brasileira, semelhante preocupação com o desempenho da bilheteria de qualquer outro artista popular vivo. E o fluxo de suspeitas sobre a viabilidade dos shows não cessou, seguindo a antiga tendência de folclorização, agora verificada no escárnio à sua gripe; meses antes, na torcida por seu despejo de um apartamento no Leblon, onde se negava a receber os operários de Madame Proprietária. Nem Roberto Carlos, hen-hen-hen, resistiria a tamanha urucubaca.

O próprio ato de falar de João Gilberto, sem apelar para o folclore, virou uma ofensa a certa nacionalidade ferida por sua recusa minimalista ao convencional. Acredita-se que, além de uma forma nova de tocar violão, ele inventou a excentricidade. O irascível Frank Sinatra, a quem se permitia ficar gripado, ao menos literariamente, não era dos mais dispostos a afagar a vizinhança. Fosse brasileiro, mereceria uma permanente avacalhação.

No lançamento do seu último disco, Chico Buarque ridicularizou a contento o ódio dos comentários anônimos na internet. Algumas mensagens ofensivas a João Gilberto, dirigidas a esta redação, não deixam de impressionar pelo tom dos relinchos:

1. "Não sei porque idolatram tanto esse cidadão, uma voz irritante, cheio de chiliques, se acha o ser supremo da MPB e nem é, realmente lamentável que esse pais de ignorantes ainda pague rios de dinheiro para alguém desse tipo, para mim ele nunca contribuiu em nada nessa vida, não faz a menor falta para ninguém, e agora mais um titulo para ele: CALOTEIRO. Não paga aluguel e não quer deixar o imóvel, um lixo esse homem".

2. "Esse João Gilberto é o maior enganador que eu já vi na vida... não canta nada, não toca nada, é um chato de galocha e ainda fica todo mundo endeusando ele... Ahhh...vai te catar!".

3. "Galera, não sei pq acham esse cara um artista... Sério, sempre que o vejo cantar me dá vontade de arrancar o violão da mão dele e arrebentá-lo na cabeça".

4. "Quem disse para o João Gilberto que ele canta e compõe? Acho que ele paga para ser gravado e visto".

5. "A bossa nova foi criada para aqueles que não sabiam cantar. Enchem muito a bola desse individuo que se acha um Deus."

Afinal, que mal João Gilberto faz ao Brasil?

Somente em 2011, recebeu propostas de shows em oito países, da Rússia à Argentina. Chato. Na última
turnê brasileira, o guitarrista inglês Eric Clapton revelou que sonhava em tocar com... João Gilberto. "Ele é fantástico. Mas também sei o quanto é difícil de ser encontrado", tietou. Que chato. Dúzias de artistas internacionais, como Frank Sinatra, já pediram para encontrá-lo. Ciceroneados no Brasil pelo romancista Jorge Amado, em 1960, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir não tiveram a sorte de ouvi-lo na primeira encarnação. João não foi. E não deve ter havido outra chance, pois o casal não dava pelota para a vida póstuma.

Madonna, que costuma cobrar ingressos baratos, transmitiu o recado de que desejaria cantar "Garota de Ipanema" acompanhada do violão daquele brasileiro chato. Ela ficou vidrada em um disco: "João". Em 1994, no Rio de Janeiro, o cantor norte-americano Tony Bennett, certamente desavisado do refinamento da hidrofobia anti-João Gilberto, confessou: "Adoraria que ele participasse do meu show". "O comportamento intimista de João Gilberto foi fundamental para a divulgação da Bossa Nova no mundo", acrescentou Bennett.

Em 2008, no Carnegie Hall, em Nova Iorque, um público de 2.800 pessoas o aplaudiu de pé, antes do início do show e de ouvir sequer um "boa noite". Bem chato. Em 2004, João Gilberto não parou de reclamar das falhas técnicas do som desse mesmo templo da música americana, onde houve o histórico concerto da Bossa Nova, quatro décadas antes. "Somebody come for help!", implorava o cantor. Milhares de chatos aplaudiram o profissionalismo do chato-rei. Onde eles estavam com a peruca?

Falando na lendária sessão bossanovista de 1962, no Carnegie Hall, um trecho de "Chega de Saudade", de Ruy Castro, demonstra o quanto o baiano de Juazeiro chateava alguns dos maiores talentos do jazz: "O encerramento em grande estilo estaria a cargo - que dúvida! - de João Gilberto. Afinal, era para ouvi-lo que estavam na plateia nomes ilustres como Tony Bennett, Peggy Lee, Dizzy Gillespie, Miles Davis, Gerry Mulligan, Erroll Garner e Herbie Mann".

Ainda hoje, fora do Brasil, os Estados Unidos são a maior fonte de rendimento dos direitos autorais de João Gilberto. Em todo o planeta, dos elevadores aos restaurantes, da trilha do filme "Prenda-me Se For Capaz" (de Steven Spielberg) à da série "Sex and the City", suas canções são ouvidas por quem possui sensibilidade e alguma medida de poesia. Produtor musical do álbum "João, voz e violão", Caetano Veloso - e muitos de seus pares - o estima como "o maior artista da música popular brasileira de todos os tempos".

Para matar você aí de raiva, ou de amor, Miles Davis definiu: "Ele pode até ler jornal que soa bem."
Estranhamente, esse gênio celebrado por bípedes do mundo inteiro não frequenta as listas dos músicos mais tocados nas rádios brasileiras. O mundo deve estar errado - e o Brasil, certíssimo. Os espectadores do Credicard Hall, em São Paulo, que o vaiaram em 1999 pelas mesmas queixas técnicas, devem achar o Carnegie Hall um reduto de implicantes.

Por mais que seja atraente falar do "suicídio" do gato de João Gilberto (e não se deve perder o humor), não faltam perspectivas menos folclóricas para abordar a sua obra. Esta semana, depois de uma refrega judicial de 14 anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu, por maioria, o pedido de indenização de João Gilberto contra a gravadora britânica EMI, reconhecendo os danos morais provocados pelos erros na remasterização de seus discos.

Os álbuns clássicos "Chega de Saudade" (1959), "O Amor, o Sorriso e a Flor" (1960) e "João Gilberto" (1961) continuam fora do mercado fonográfico. Alguém aí falou em "respeito ao público"? Em 1992, à revelia do autor, a EMI reuniu os três bolachões e o EP "Orfeu da Conceição" num único CD, "O Mito". Apesar de sua relevância para a música brasileira, o julgamento do STJ ganhou uma repercussão discreta. A briga ainda deve durar, mas já percorreu boa parte do percurso jurídico.

João Gilberto nunca deixou de traduzir o Brasil, de modernizá-lo em suas recriações musicais, solitariamente entregue a um projeto irrealizado de País. Que não abra a porta, é outra história. Maravilhosa história.

Vaia de bêbado não vale.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Oyá


Sob o sopro do seu querer. O fazer acontecer que me foi mais necessário. Raios, trovões, chuvas e ventos acima do meu Ori. Sob esse grito que me dá sem briga e me faz viajar para fora de mim, para eu ser e ser sem fim! Desde de criancinha, a Senhora a Outra Senhora de mim!

Tinha que ser reparação, porta aberta, em dezembro...Nos lagares 04 da minha alma e seu Acará na minha boca, no prato, no Trono dos seus Otás. Oyá ô! Nós dois - esse mistério que começa nas pernas e vai. Senhora das ventanias bravias que me encharcou hoje e que sempre, quando quer, traz...

Quantas realizações...

Quantas conclusões...

Até que nem tanto esotérico assim...

Oyá ô! Senhora vermelha de mim!!!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

William Blake

O Jardim do Amor

O Jardim do Amor fui visitar,
E vi então o que jamais notara:
Lá bem no meio estava uma Capela,
Onde eu no prado correra e brincara.

E os portões desta Capela não abriam,
E "Não farás" sobre a porta escrito estava;
E voltei-me então para o Jardim do Amor
Lá onde toda a doce flor se dava;


E os túmulos enchiam todo o campo,
E eram esteias funerárias as flores;
E Padres de preto, em seu passeio secreto,
Atando com pavores minhas alegrias & amores.

William Blake, in "Canções da Experiência"
Tradução de Hélio Osvaldo Alves

P.S. Ir até ali, depois voltar a esse coração mesmo que sente tanta fome.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Beto Guedes: Luz e Mistério


Eu amo Beto Guedes. E nessa canção então. Dedico a você que se encastelou longe de mim. Você que sabe que eu amo e amo em luz e mistério. Aqui tem Caetano também. Mas não, só quero Beto para atingir o azul de você, sua delicadeza. Eu sou louco.

Chaya

Clarice Lispector é a representação do mar no deserto de mim. E ela ficou mais louca do que eu.

À Sorte

Meu coração marulha com força, anseia
Tem esta infinidade de sonhos guiando-se pelo vento.
Meu coração é matéria de sonho, desejo
Forte vasto vagabundo infinito.
Batuques e segredo, coragem de amar.
Meu coração se alia à luz azul do dia
Nessas manhãzinhas em que mais precisa de sorte.

P.S. Se tiver de ser será.

Clariceanas

Na órbita do esmero, entre tombos sonhos canções, eis que surge ela. Palavras que me alçam ao lugar de mim mesmo tateando prazer profissional. Sou-me naquela esperança que a escrita dela inventou; mas sou seu desespero também. Revisto-me vivendo da sua eternidade, amando seus livros, flertando com a coragem. Agora, preso ao calabouço da adoração, olhando para as estrelas, respingado de saudade por todos os lados, pronuncio seu nome e evito a hora de morrer.

Estou na hora de Clarice no âmago do nome da cidade, mas eu sou mar recebendo o rio. A dor inteira do Rio  na leitura profética do poeta frente à dor de Macabéa, sendo a hora de Clarice. Repito erros gravíssimos, estigmas e clichês, e sou livre justamente por causa disso. Componho uma reprodução que me põe central na alma da escritora; canto o rasgo da cantora para imprimir outra adoração. Minha vida de bar em bar e poesia sobre a mesa e a cama, debaixo da cadeira, na porta da geladeira, na tela do computador, na distância enigma de um deus infãncia que se tornou delicado poeta apartado das águas de mim.

Na órbita do esmero nesse desenho de amor. Reinvento-me nesse contexto d'arte. Sei que maior que literatura. Simbolizações da antropologia nascente mas que sempre esteve ali. Escreve. Escrevo. Faço mímeses sem talento ou pudor. Abraço o corpo morto da eterna e voo em minhas gargalhadas. Depois, choro baixinho na voz da cantora feito estrela de cinema e sobro em sons e palavras...

Deixa clariceana: poeta, cantora, desagua... Universal santoamarense no retrovisor pós-humano de uma escrita de sangue, drama, imaginação. Deixa nessa alucinação diurna - o sol na minha cara após as bancas de revista. Deixa no lugar escuro e no que se não pode alcançar.

"O tempo é como o rio onde banhei o cabelo da minha amada".

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

João Gilberto


Pra tirar da excelência.
Pousar os olhos no delicado.
Chamar pra fora o amor abafado.
E fazer silêncio por alguns dias.
Lembrar...

P.S. O gênio e não escapo. Mestre do meu, e exalto. O delicado, numa espécie de sábado, sentindo o cheiro do suor juvenil do poeta em sua espiral delicadeza. Kaváfis também está aqui.

Cool jazz


Ainda ouvindo o sentido mudo do destino
Catando alegorias em um canto mínimo
Que renova a paz do lugar.


Ainda subindo escadas
Rolando ladeiras na alvorada
Bêbado sem lar...


Ainda cool jazz
E samba regado à luz
Por trás do muro
Preso a uma parede negro-azul
Como escudo anti-amoroso.


Cintila a história da cantora
Na fonte áspera do grande poeta.
Eu subindo escadas na alvorada
Dentro de um recanto escuro.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Triângulo Amoroso: um filme alemão


Serve como uma grande solução amorosa vencendo os limites das banais expectativas. Parece que alguns, de fato os melhores, estão mesmo à frente. E parece que o amor para além das convenções tem sido pensado como real e oportuno ao meio de tanta tacanhice que ronda o mundo humano neste tempo, neste universo. Foi um alívio político, um alumbramento navegando a fala dura dos alemães, uma ação prática para estender os encontros, negociar relações, permitir-se à paixão. Foi uma facilitação visual, no plano da ficcão, melhorando a dor no peito e a falta de expectativa. É filme. Uma perícula que narra amor e que poderia assombrar, mas encanta.
Segue-se a ideia da imagem postada aqui, mas sem as anteriores banalidades tratadas filmicamente; este triâgulo ferve e expressa realidade. Convida a pensar e a sentir a experiência das personagens centrais e o humano sai ganhando mais crédito e brilho para sua vida cotidianamente vagabunda.
Um filme contra o tédio e a favor da coragem.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Recanto Escuro, Gal Costa


Pra tocar melhor na tristeza de agora, dialogar com a falta, com a dor de cabeça, com o medo de amanhã; para pedir ao sono o mesmo sonho da madrugada de hoje, para ler manhãs na virtualidade de quarta-feira, para ter esperança... Enfim, Gal é filha do Senhor dos Contrastes e a gente também é assim. Para Deus, peço mais amor em mim. E Gal cantando.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Feito em película


Uma semana que se prolongou em imagens cinematográficas, trazendo tudo que acrescenta vida: lágrimas, risos, perguntas, respostas, sonhos, tesão, saudade, loucura, criatividade, emoção. Uma semana vinculada ao que mais interior pode ter em alguém que tenta encontrar. Surgiu Cinema Paradiso como recurso didático numa aula de antropologia, história e literatura; surgiu outra narrativa argentina pedindo coragem; a imagem de Zé Celso me pondo na oficina do ser, meu teatro como absurdo e por fim: Triângulo amoroso, ainda que em alemão, sob o impacto da frieza alemã, veio cheio de beleza numa espécie de história inusitada talvez, que eu gostaria muito de viver.

Tudo me sendo muito íntimo, num fora pra dentro, projetando, imaginando, riscando, eu querendo. Desdobramentos das histórias assistidas me mergulhando naquela saudade gigante mas que ainda pode ser vencida, ainda posso rever o castanho, ouvir a voz, silenciar junto, ler a letra e abraçar. Abraço feito película. Modos de contar o que mais profundo em nós habita. Narrativa fílmica roteirizada  a partir do amor que se inventou em mim.

Uma semana findando-se no vermelho de Santa Bárbara, num domingo de outra semana, nos fogos de Oyá, na bagunça dos infelizes, e na glória dessa esperança que não me deixa, do verde que acredito, o meu azul no dele, a beleza depressiva de Recanto Escuro no instrumento de Gal, a falta da água do mar no meu corpo, projetos que não sei mais, batidas na porta da frente, uma camisa como amuleto, o sonho mais verdadeiro, provas para disputar, cansaço, um CD tocando distância, o nunca como sempre e o rosto meu travesseiro.

O nome escarlate mancha de azeite na minha roupa branca - enfeite confete purpurina -, dígitos perdidos para o telefone sem fio; imagens cadafalso na tristeza bravia e o que seria um cinema novo Bahia na poesia de um encontro que essa semana passada encerrou nas págidas marcadas dos filmes que assisti, clama o beijo que não dei.

Mesmo a história sendo a mesma, remake cinematográfico, o século já é outro.

Iansã


Nelas. Em nós. No Brasil. Por 04 de dezembro. Por Santa Bárbara. Pela Esperança.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Convite


O que fazer para ter uma tardinha secreta com você 
e lhe escrever na pele poemas da minha língua?

Nos arredores de mim


Hoje já não saberia viver sem navegar. Mas navegar me liga aos arredores de mim e assim capto uma certa  poesia que me incita masturbação e cinema. A poesia que me são olhos e delicadeza me ofertando imensidão. Navego sem essa de rastros e caminhos: surto ao som de asas, ao cair de palavras, ao cheiro na memória da pele, à abertura do sorriso, ao silêncio que me faz lembrar. Surto querendo trazer pra mim. Numa tardinha de vinho e Hilst, de Billie e Angela, de Rosa e Bethânia, de outros onde nos possam ser prazer circulando... Uma tardinha como bateria contra a saudade e silêncio a favor da troca de olhares que eu  anseio tanto na velocidade da sorte.

Quero negar o barulho dessa sagração e tocar aquele rosto em segredo para mim mesmo: preciso reencontrar. No profano abandono de dois corpos sem muito tempo para estarem... dois corpos no escuro do quarto à luz deste sentimento que devora dando sentido à minha vida.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Gal Costa - Recanto


Eu fui criado nisso e espero disso mais alegria e sentido em mim. Longe de querer fazer uma crítica lítero-musical do novo CD de Gal, Recanto, previsto para chegar às lojas dia 06/12/2011, eu só quero escutar e até aqui esperar para alcançar, talvez, a mágica daquela voz em novas disposições estéticas à luz da direção de Caetano e Moreno Veloso. Aliás, mais que isso, eu quero ouvir Gal cantar; minha brasilidade precisa de Gal cantando. Cantar, Recanto,Caetano no Hoje, com Moreno... Ser criado nisso me faz viajar por isso que tanto bem fez e faz ao nosso país. Isso de Gal cantar canções de Caetano; Isso me alimentando e dando expectativas - o som que me é tão dentro como a voz de minha mãe me chamando -, a Gal de todos os tempos, senhora de agora, eterna presença na hsitória da música popular no mundo. Gal. Cantando. E a gente se fartando de coisas que são da gente, saem da pele e das lágrimas da gente. Negras em todas as cores a voz azul e marítima do brasil que inventei em mim.

domingo, 27 de novembro de 2011

Minha maior desordem

Prefiro os instantes em delírio e poder me aprofundar. Instantes sinuosos silenciosos excitantes. Uma busca tão somente, sem mapas e sem necessidade de lugar. Um rosto lindo feito de palavras e um corpo vivo no vazio de mim. Algo a desatinar e perfilar e perfazer e reinventar. Comer no sexo. Domínio na cama ardente. Quentura acelerando e a cabeça rodando e inventando e querendo e negando e aceitando, delírio, a cabeça fudendo.

Prefiro. É destino. Entrega minha do amor que aprendi. Amor - minha maior desordem naquilo que mais me ofereci.

sábado, 26 de novembro de 2011

Sementes

Nada do que se incorpore ou que esteja para além de certa aproximação externa ou seja maior que impulso devido ou transgrida ou abrace de desejo ou assombre em nome do amor ou se queira película ou vença o impossível ou seja corpo como alma ou seja maior que casa ou tenha futuro ou que tenha presente ou que traga coragem ou que aconteça...

Nada como sementes escapando dos olhos enquanto o lábio beija o rosto e o corpo é todo espera e a vida intensa promessa à luz aquática do lugar.

Nada no espelho refletido e nem a linguagem pode criar.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

domingo, 20 de novembro de 2011

O garoto da bicicleta


Da incondicionalidade do amor. Da entrega para e por alguém sem  se saber e nem se buscar motivos para tanto. O ato de fazer bem e o prazer de amar tão somente amar. O garoto da bicicleta, produção belga, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne conta a história de Cyrill, interpretado lindamente por Thomas Doret, que foi abandonado pelo pai e aí surge em sua vida Samantha, nada menos e nem mais que Cécile de France, para recolocá-lo na atmosfera do afeto desejado e necessário para se ter sentido na vida. Ainda mais para uma criança, um adolescente.

O filme traz cenas que nos violentam, angustiam, desesperam, mas é uma ode à delicadeza, uma composição de uma busca tenaz de um humano por abrigo amoroso, por afetividade. O garoto da tenacidade e da coragem desenfreada de estar na vida à luz do amor. Algo que nos toca universalmente. O garoto que apanha e bate depois do abandono; cai e levanta, comete enganos e criminalidades, mas segue, para além das adversidades, ao centro da amorosidade que a vida, em compensação, lhe instituíra com a presença de Samantha.

Saí todo em delicadeza e feliz por saber que a história poderia ter sido recorrente tragédia, mas não foi.  Cécile de France, que eu adoro, e o magnetismo da interpretação verdade de Thomas Doret e a mensagem revelada de que sobre amor o melhor é simplesmente amar. Fazer o bem é melhor que fazer o mal.

Tardança

O olheiro escolheu o verso e o entregou
Para fora do peito e em vermelho
O publicou...
No dessentido investida do tempo
Mina daquela tardança
Feito criança
A esperar o amanhã.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Félafétan

Estava no abrigo de si e nada diria de dentro da sua eternidade. Olhava das alturas, com o doce sorriso de sempre, e se divertia sem outras coragens; um pouco de lamento guiava seu barco nas águas de um mar mais salgado.

Havia ali ebulições de cenas novas e já vistas, marcas repetidas, dores estacionadas, um pouco de morte e, a vida em desenlaces sem curas para o amor maior.

Havia ali: o nascer do sol. A dança da tranqüilidade ansiada e a segurança perseguida. Mas ali, às escondidas, tinha o marulho amalgâmico e secreto que transformava a beleza no canto da sereia, também.

Tinha os ouvidos em silêncio em canções esculpidas na audição; o coração em emes, o medo da solidão. Ali tudo era infância rosa e azul, branco e destino, vermelho sem ação e o violão tocando-se, em duas notas, músicas da Legião.

Perfumes no ar, respingos do banho na memória como chuveiro quebrado. Nada prosseguiria sem as réstias, fendas, vestígios de uma história sem lugar sem nome sem pronúncia.

Havia o amor inventado que implodiu culturas. Passeio da sensação recôndita que obriga escrever delicadezas para depois dizer não.

Era o não na parede do teatro e a última encenação servia de cavalgadas em áreas urbanas de uma cidade fora dos mapas. Cidade inumana, enraizada no couro da cabeça, no ori, de um amar profundo que o tempo, no giro da precocidade, abortou.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Novembro negro no Brasil (IV)

Ver para inspirar a beleza e fazer aparecer: novembro negro no Brasil!

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Novembro negro no Brasil (III)

Iyá Stella ( com muita alegria)
Ver para inspirar a beleza e fazer aparecer: novembro negro no Brasil!

Claudia Cunha, puro prazer


Sob encantamento o ouvido tira perfume da música.
Uma voz de mulher narrando as sonoridades da doçura.
O que chega embriaga para o amor.
Mais que dança ela canta os sonhos que moram em mim.
A lindeza conjugada no feminino,
A seta musical atingindo a emoção.
Enquanto os olhos se perdem no que veem
Saindo do corpo artístico da fêmea,
Ela canta afinando a alma de quem a ouve;
Canta como risco e prazer,
Secreta evidência em notas precisas
Naquele sorriso que melhora o mundo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Do depois

"Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada."
Hilda Hilst

E habita em mim de todas as formas, dos jeitos entre segredo e delação, sobrevivendo ao tempo, sendo poema decorando o chão. Ilumina as fissuras do apreço e do afastamento e, sem razão, aprisona a alma calando o vigor do meu feitiço. E ocupa com dor memorando o raro prazer. Faz calor no terror do frio das noites sozinho eu  no ventilador do não achado. Perguntas. Respostas. Espelho quebrado. O retrovisor da canção. A estrada. A alma sem asas numa morte sem significação. Ode ao passatempo. Olhar para o nada. O mar secando. Do alto sem escada. Do baixo o pescoço quebrado. A decisão. Livros lançados à fogueira. Outra imagem, outra canção no desgaste da palavra...

E fodo contigo no princípio das entradas que permeiam meu sono: sonho contigo sem nunca extasiar. Moro nas madrugadas quando evito ervas e álcool e você sem roupa no parapeito da janela na caretice que há em mim: começo a devanear. Sou das ilusões... Meu escrito faz silêncio. Meus gemidos representam você aqui.

Depois, eu choro.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Angela Ro Ro - Gota de Sangue


Houve. Nas controvérsias da entrega adolescente, mas houve. Revejo-me no corte apaixonado da voz de Angela e sangro também. Hoje, de beleza e paz. Revendo-me na ferida aberta do desejo. Nos olhos Maysa de Angela. Na presença do canto de Bethânia. Mas, na imprecisão e no absoluto terror ou dor que esta interpretação desenha. E houve. Agora, ouve comigo esta canção e mata a saudade de mim. Não, mata a saudade de nós.

sábado, 12 de novembro de 2011

Maria,

Você encena recomeços e flutua luz entre o céu e a terra; brinca de se reinventar a partir do seu projeto artístico, comanda suas singularidades e se eterniza por puro encantamento. É um mistério humano. Uma lógica estranha que se faz para trazer beleza. Hoje, uma senhora que sublinha a cultura brasileira para dar destaque ao que sua alma perfila. Artista das verdades e personagem de si mesma. Rainha de multidões e, no entanto, menina longamente sozinha.
Do seu olhar mil histórias que me fascinam e aprendo no intuito de re-criar; dos seus gestos imito o silêncio; da sua voz rezo pedindo amor, me alegrando, sonhando, chorando, sofrendo, mas sentindo paz. Seu corpo é seu palco extensivo onde você se narra e se nos atinge. Reflexo da ideia de vitória, de nobreza, de inventividade.
Quero ir para além do mito munido de palavras que roubo do seu repertório; quero dizer com o dizer de seus poetas para não ser invasivo nem menor demais; quero o querer da sonoridade sua que rasga nossa imaginação e, ali, livremente, entre aquelas palavras e este som, te fazer carinho.
Comovo-me com a imagem no jornal da mulher chorando. E choro solidariedade e esvazio-me através do pranto, rezando, de longe, te fazendo carinho.
Nós – encontros e despedidas... Ouço Pele para ter coragem de amar. Fagulhas da sua presença em mim – minha musa arredia, “fazedora de distâncias”, ciranda que insisto em dançar.
Ouço seu canto que me anima e atiça e fascina e faz continuar. Canto que me inspira a pensar antropologicamente este país. Canto que queima e ventila; signos das estações, ligação secreta entre a natureza e a cultura e nisso tudo: sua dor sozinha.
Ouço sem poder de apagar. Para finalizar o que é impossível agora. Para amainar a força das perdas. Ouço-lhe para saber dos seus antídotos e dar eles a você – tão intensamente humana.
Não fui eu quem inventou o amor que os artistas inspiram na gente; este amor que intimamente me faz, agora, sofrer contigo e lutar contra isso e pedir, mais uma vez, sua reinvenção.
Brava senhora dos tantíssimos exemplos: Deus é conosco!E tudo que lhe foi e é alicerce lhe continuará sendo. Tudo está intacto pelo privilégio do que foi vivido. Brava senhora dos tantíssimos exemplos: Maria filha de Maria – sua poesia lhe deve retroalimentar.
Tempo lhe ensina, por conta do seu merecimento, a perder sem perder de fato.
Guerreira Guerrilha do Brasil, voz que chama o carcará, precisamos da sua arte e amamos a sua humanidade. Sinta, mas sobreviva por amor e missão. Pois,
“Eu te sinto tão em mim
mas dói tanto a tua ausência”.
Reynaldo Jardim

Novembro negro no Brasil (II)

Ver para inspirar a beleza e fazer aparecer: novembro negro no Brasil!

Novembro negro no Brasil


Ver para inspirar a beleza e fazer aparecer: novembro negro no Brasil!

A paixão reinventou-se em mim

" Em minhas  muitas vidas hei de te perseguir.
Em sucessivas mortes hei de chamar este teu ser sem nome
Ainda que por fadiga ou plenitude, destruas o poeta
Destruindo o homem."
Hilda Hislt


Meu tempo é sem entendimento e o que me navega me oprime à espera do que não vai chegar. Tenho a clareza na mente das filosofias errantes, dos oráculos secretos, dos olhos lacrimejantes. Mas ardo nessa história e, assim, sinto a vida dançando para mim  como efeito poético. Olhando na cadeira vazia os traços do poeta adormecido no mais longe. O poeta sempre está, a falta é do homem no nome que não sei onde encontrar.

Meu tempo é oferecimento, entrega do melhor em mim. Pinto de palavras os olhos que idealizei, todas as noites, enquanto janto, contemplo-os aplacando minha  volúpia. Tenho fendas para uma psicologia do amor, mas sou só corpo em chama e palavra que clama o nome da minha invenção.

Supero a dor pela lente das filosofias errantes: sou o que nunca foram e pouso minha alma no dorso escondido do poeta. Espera. Alcanço o mundo com um livro nas mãos e canto canto canto dissonâncias entre o sol e a chuva de uma cidade. Minha imagem confunde-se eterna e as estrelas me perguntam, quando de noitinha, como se pode amar assim?

De amante para estrela: a paixão reinventou-se em mim.

Hilda Hilst: Presságio (Poema XXI)


Estou viva.
Mas a morte é música.
A vida, dissonância.
Minha alegria é como
fim de outono porque
tive nas mãos ainda flores
mas flores estriadas de sangue.

Há cristais coloridos
nos teus olhos.
Vida nos teus dedos.

Estou morta.
Mas a morte é amor.

Não fiz o crime dos filhos
mas sonhei bonecos quebrados
sonhei bonecos chorando.

P.S. - hoje cheio de alegria e  nesse deslumbramento, às vezes sem ternura, que a grande POESIA de Hilst dá. Veloz em mim mesmo com a cabeça rodando de ressaca. Pouco tempo muita espera. Mas hoje é sábado.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Chet Baker


Se eu viesse ao mundo para cantar eu cantaria assim. Inspirado em Billie Holiday e cantando para o amor assim. Doendo naqueles olhos que sabiam de tanta dor assim e eu lhe mostrava "I'm a fool to want you" para a gente sorrir. Mas bem dentro: eu chorava...

Eu canto como Chet... Parece que nele prescindem minhas explicações... Eu que já não me explico e emburrreço mais. Para não, ouço Chet. Sofro de saudade da casa que nunca estive; as paredes abrigando aquele nome lendo um poema de Lorca em nome do amor que lhe entreguei...

Chet Baker em "I"m a fool to want you" para uma nova tarde no chão da minha casa. Talvez, o amor nunca morra mesmo.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Mãe Zulmira e o candomblé congo-angola


Numa tarde quente de Primavera baiana, das 16 às 19:00, no dia 27 de outubro de 2011, na Biblioteca Pública do Estado, em comemoração aos 70 anos de iniciação da mameto kwa Nkisi Zulmira de Nanã, ocorreram palestras sobre o candomblé congo-angola na Bahia e no Brasil. As especificidades desta nação tão importante no cenário religioso brasileiro e, por vezes, tão invisibilizadas, incompreendidas, foram analisadas e historiadas para um público de 200 pessoas.
Foram palestrantes autoridades religiosas como Raimundo Nonato, o Tata Conmannanjy , Jaime Sodré ( Tata Monaizilê), Tiganá Santana (Tata Mukungoyala), todos xicarangomas (equivalentes aos ogans do ketu) que ilustraram a trajetória ancestral banto na Bahia, contando histórias, relatando casos, definindo especificidades, combatendo distorções. O evento contou também com a jornalista Cleidiana Ramos que noticiou sua aproximação com o congo-angola atuando como repórter e, depois de iniciada como filha de santo da nação ketu, continuou a nutrir admiração por esta nação que tem o nkisi Tempo como rei.
O ponto central das discussões foi reforçar a irmandade entre congo-angola, ketu, jeje e ijexá, mas também, fomentar reflexões sobre o preconceito sofrido pelo candomblé angola, negligenciado por intelectuais, artistas e, às vezes, o mais triste, subestimado por membros da nação de ketu – o candomblé de maior prestígio em grande parte do Brasil.
Mas o encontro não foi para choramingar. Foi para celebrar e mostrar a grandeza e força de uma nação religiosa advinda de uma cultura negra fundamental no processo civilizatório brasileiro: a banto. Foi para perfilar a trajetória religiosa de uma mulher de 77 anos de idade, 70 anos de iniciação no candomblé, com 60 anos de sacerdócio à frente do Tumbenci, hoje situado em Lauro de Freitas, a veneranda Mãe Zulmira.
Mãe Zulmira é um baluarte vivo desta nação que precisa contar sua história. O evento louvou nossos nkissis à voz serena de Carlos Barros e do doce violão de Zé Livera. Tudo como Tempo quis.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Iyá Omi


Iyá Omi,
Protetora dos amores,
Aquela que guarda a Cidade da Bahia,
Traz a palavra arte pra mim,
Me faz cantá-la como Gerônimo o fez,
Me faz chamar meu amor como a Senhora faz...

Mãe Oxum,
No horizonte dos meus olhos nesse instante...
Mãe Oxum,
Presente dentro de mim...
Mãe Oxum,
Meu mimo que me faz enfeitiçar...

Traz pra mim
E cuida com zelo de ouro e doçura
Meu coração que é todo amor.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Retorno


Foi em uma noite para o possível. Nos ríamos debaixo de muito frio e o amor estava ali. Eu lhe fazia perguntas quase eróticas vendo suas mãos sorrirem e sua boca me falava escritos de mim. A gente era um instante no feliz, aquecia nosso redor de beleza, da poesia cotidiana e extraordinária saída de duas almas que ali conviviam. Seus olhos eu navegava com o cuidado das mães perto da máquina do escritor amado. Os meus olhos você desafiava com o misto da inocência e o prazer da sedução. Eu sonhava. Você falava. Nós queríamos.

Ancoramos de cerveja à margem do rio morto. Ancoramos sem certezas no centro do nosso gosto. Palavras que nos ligavam aos nossos corpos. Palavras com cheiro de gasolina. Palavras alcunhadas de vermelho quando eram azuis e eu verde incolor nas águas de um amor sem fim. Palavras que voavam sobre todos os tempos...

E retornam sempre que preciso de você aqui.

Acontece

Ela disse:
- Ouço vozes.
Ele respondeu:
-Acontece.
Ela exasperou-se:
-Mas é sempre.
Calmo, ele falou:
-Acontece.
Ela odiosamente:
-Ouço vozes e estou ficando maluca.
Ele:
- Acontece, existem remédios, tratamentos, terapia...
Ela:
-Ouço vozes, sou maluca, sofro muito, sou sozinha e te amo...
Ele interrogativamente:
-Como?
Ela:
- Eu sou maluca e te amo.
Ele:
- Como? Você é maluca porque me ama? Se cure disso então.
Ela:
- Ouço vozes do além porque daqui sua indiferança se fez o silêncio que me enlouqueceu...
Ele:
- Sabia que sobraria pra mim...
Ela:
- Não mais; agora desligo-me do além e desse erro que foi você pra mim.
Ele:
- Acontece, né? Até, então...
Ela:
-Adeus.

domingo, 30 de outubro de 2011

Poulenc: Melancholie


Para Caetano Veloso: amor consolidado; aprendizado espiral;
Para mim mesmo: sentindo calor;
Para o amor idealizado: centro do que busquei até aqui.

Invenção dos olhos seus

Desesperador não ter a palavra que traduz o delicado nos olhos seus. Não ter acesso a magnitudes verbais, e que no mínimo, na feição do mais simples, revelem em você o que seus olhos causam em mim. Não ter palavra é viver sem asas à procura de ajuda e transporte; à procura de ventos mais fortes que instaurem a mudança: você aqui.

Quantas esquinas e não. A palavra faltando como o sem dente no sorriso que preciso dar. Chove e está quente e aquele delicado começa assim. A beleza imprecisa do urubu voando para cumprir e cuidar da natureza. Esses seus olhos sobre mim.

Não ter é tão perverso quanto ter demais. Seu delicado é o meio disso que me escapa aqui. O desenho da sua escrita que me contamina de volúpia pelo contrasenso de ser toda ternura e escorrer de você. Sede de suas zonas mais secretas e o amor sem saber.

Deve existir a palavra e ela foi é será invenção sua. Invenção dos olhos seus. Não sei se poderei encontrar. Mas, nesse calor do desejo, beijo sua letra e lhe recito pra mim como criança se divertindo com seu melhor brinquedo. Minha trajetória é para além: "eu amo o longe", bem ali onde encontrei você e perdi.

Escritora, sim; Intelectual, não

“Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade.
[...] Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros ‘uma profissão’, nem uma ‘carreira’. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis. Sou uma amadora?
       O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.”

CLARICE LISPECTOR

sábado, 29 de outubro de 2011

Sem mais

deveria ser mais que bar...
uma suspensa sobremesa
eu e você - silêncio
comendo-se mais
que a insanidade da minha casa.

Da desordem de mim


Num instante da linguagem que desenho para ser o que não sai de mim: memórias. Narro as entrelinhas dos sentimentos mais viscosos e deixo palavras que perguntam. Batendo no peito à razão do insucesso. Gostar nunca deveria ser assim. Passar o tempo poderia ser inscrição nalgum sorriso se permitindo a mim. A morte é o que tem mais hora e, no mundo, alguém me lamentará?
Vão aqui o meu silêncio e a minha comoção num notívago mar que vejo; meu corpo é ardente desejo combinando com o calor da cidade que me habita. Meu centro é de pedra e minha vida uma longa ajuda como sentido. Estou e sou nesse vazio. Ao redor que me preocupa. Gente que me assusta. A voz diluída do bruto amor que me teria sido. E é atemporalmente. 
Rabisco meu rosto na areia para intensificar minha fala sobre mim. Quantas direções para minha necessidade em ser feliz. Por que só me foram marulhos da ilusão? O que pesco dos meus sonhos se assemelha com o sim que quase dizem para depois ser tão somente não. 
Narrativa em cinza em letras intra da emoção: sendo o mais azul de todos. O triste que me fascina. Saudade sem explicação. Futilidade aliviando a solidão e meu nome sagrando o muro branco das publicações. Guardo tudo numa página de um livro de água e como chocolate. Tenho flores dentro de casa e pétalas vermelhas dentro da alma: nunca soube me libertar.
E sobrevivo da desordem de mim que me impulsiona sempre a recordar, ruminar, imaginar, ceder, chorar, dançar, calar e beber... Vivo do que esboço aqui: esta estúpida tristeza que me conduz à alegria apesar de.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Tiganá Santana: "Candomblé não precisa de proselitismo"


Claudio Leal ( Terra Magazine - 28/10/2011)



"A água do mundo é um olho triste por calar
A água do mundo é não lembrar
A dona do mundo faz do alcance o seu dizer,
ter água no corpo é merecer".



O músico Tiganá Santana, 28 anos, nascido em Salvador, responsável pelos cânticos e toques do Terreiro Tumbenci, condensa em suas composições a força da ancestralidade africana, enternecida por uma musicalidade brasileira, tão universalmente baiana, que a sua obra parece se rebelar contra as correntes. Em 2010, ele se mudou de Salvador para São Paulo, onde preserva uma "Bahia memorial". Nesse percurso, Tiganá consolidou uma elegância rítmica, um tempo concentrado, uma vocação para recriar a África e o Brasil, mas sem apelar para os símbolos fáceis da cultura negra de diáspora.
Pioneiro na composição e gravação de músicas em idiomas africanos, no disco "Maçalê" (significado: "o poder do Orixá em mim"), Tiganá Santana conquistou o respeito profissional de Naná Vasconcelos, Virgínia Rodrigues, Jussara Silveira, Márcia Castro, Roberto Mendes, entre outros, sem contar os artistas de sua geração que o tomam como influente interlocutor. "Ele sempre me lembra São Benedito. Ele tem um ar de santo. Ele tem uma postura elegante de santo", brinca o escultor e diretor do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo.
- Tiganá tem uma bela voz grave. E eu acho que ele é uma maravilha de cantor. Suas músicas, suas canções, deveriam ser mais conhecidas, deveriam ter mais alcance. Como ele é jovem, espero que conquiste o espaço que lhe é devido na música brasileira, para que seja reconhecido como grande personagem que é - aposta Araújo.
O jornalista e antropólogo Marlon Marcos, admirador do compositor, identifica em Tiganá "aquela entrega criativa só vista em artistas como Billie Holiday".
- E há também a noção do sujeito que nasceu para ser no mundo. Ainda que fale e venere raízes, a música de Tiganá é do mundo no mais amplo sentido de universalidade. Acomoda e incomoda como tem que ser a grande arte - acrescenta Marlon Marcos.
Nesta entrevista a Terra Magazine, Tiganá Santana descreve as suas influências culturais, comenta o lançamento de "Maçalê" e aborda sua vivência religiosa no Candomblé.
- São poucas, mas uma das coisas que me classificam espiritualmente, uma coisa fundamental, é o fato de eu ser um religioso. Ser religioso é diferente de você estar vinculado a uma religião, embora eu esteja e tenha responsabilidade quanto a isso. Mas o que quero dizer é que minha vinculação com o ser religioso se deve a uma espiritualidade anterior a tudo. Agora, tenho responsabilidade com um determinado segmento religioso, que é o Candomblé.
O compositor critica o uso "proselitista" de cânticos religiosos na música baiana. "O Candomblé não precisa de proselitismo. Não precisa de nada disso. Só precisa de respeito", critica Tiganá.
- Uma vez uma pessoa me contou que foi para o ensaio de um bloco afro, há muitos anos, e estava todo mundo dançando uma música que era a bola da vez. Quando foram consultar a sacerdotisa, porque a música parecia com alguma coisa de Candomblé, ela disse: "Pelo amor de Deus! Essa música é de Axexê! (cerimônia realizada após o funeral de um iniciado)". Sabe? Não precisa. Chegue lá, sente-se e componha alguma coisa em cima disso. Transforme, interprete e compartilhe com os outros - defende Tiganá Santana, que compõe nos idiomas Kikongo e Kimbundo.
Confira a entrevista realizada em São Paulo.
Terra Magazine - Como foi a construção do disco "Maçalê"?
Tiganá Santana - Eu já tinha esse desejo de fazer um disco, mesmo sabendo que ele é uma fotografia, não é a paisagem. O fluxo de mobilização artística fica dentro e fora da gente e o disco, na verdade, encerra em forma de produto um excerto desse fluxo, que não é nosso. De qualquer sorte, eu esperava esse registro. Foi quando uns amigos meus, mais especificamente o Emanuel Mirdad, jornalista, uma figura a mil por hora, inscreveram o projeto do disco no programa da Secretaria da Cultura da Bahia e nós fomos contemplados. Fizemos o disco, que foi gravado totalmente em Salvador, com artistas de lá. Foi um processo muito interessante, o primeiro disco, com algumas dúvidas de ordem externa à própria música.
Como é que é isso?
"Ali usa-se tal microfone", algumas coisas que não são a música mesmo, de ordem técnica. Mas tudo bem, a gente se dispõe a fazer um disco e tem que respeitar alguns desses ditames. A direção de Luiz Brasil é mais uma parceria do que, exatamente, um direcionamento do trabalho. Fizemos tudo em consenso. Gostei do processo de feitura do disco porque foi uma vertente da expressão da amizade.
Mas, antes de chegar a esse disco, seu trabalho na Bahia já tinha uma representatividade, você já tinha composto para cantoras como Virgínia Rodrigues. Como foi sua iniciação musical?
Bom, a coisa mais antiga mesmo é compor. A exposição da composição é mais recente. São processos distintos. Uma coisa exige introspecção e a outra, extroversão. Acho que uns dois anos antes do disco, antes de começar a estruturar, a inscrever o projeto, foi que eu comecei, de maneira ininterrupta, a fazer shows em locais alternativos de Salvador. E a fazer algumas participações aqui e acolá, portanto experimentar um outro lado da composição. Virgínia (Rodrigues) começou a participar de alguns desses shows, no Teatro Gamboa, que é um espaço underground.
Com públicos pequenos, bastante vinculados aos artistas.
E aquela vista (da baía de Todos os Santos)... Virgínia participou ali, depois me convidou pra participar de alguns de seus shows. Aí começou a divulgar a música de que eu sou veículo noutros lugares. Até que surgiu o disco, que saiu independente. Coisa de quem gosta, porque ele acabou tomando rumos mais coerentes comigo mesmo.
Não teve uma orientação...
Pois é, nada focado num determinado fragmento do mercado, que esboça rótulos. Mas também é uma opção. Se a pessoa souber lidar bem com isso, ótimo. O negócio é não saber e se sentir vazio.
Sua música é de difícil classificação, parece que você está em busca de vários elementos.
Essa é uma boa questão. Quando me vem a oportunidade de compor, apesar de estar ali limitado a uma maneira de se expressar, ali também está toda minha liberdade. Eu não antecipo a intenção da composição. "Isso aqui tem que ser uma composição no idioma africano...". Eu interpreto a proposta da composição. É um processo inverso. Não há um preconceito para que eu componha.
É um estalo?
...Que dá e eu vou, decido e arrumo, porque a matéria-prima está na vida, nas ruas, nas pessoas, nas conversas, nos livros lidos e não lidos... Está nessas coisas. A matéria-prima para o processo criativo não é sempre metalinguística. Pelo menos para mim funciona dessa forma. Ao sentar e escrever alguma coisa, melodizar, compor, estão todos esses elementos. Não tem como ser uma vertente só de feitura, de roupagem. Porque são todas essas coisas reunidas. A única coisa comum é o tradutor, para onde se confluem essas vertentes. De fato, não há uma definição (de estilo), porque também não me proponho a isso.
No mesmo disco, há músicas de sonoridade muito diversa. Tem "Revência", sobre a presença mítica da água, e no final tem outra bem diferente, cantada com Virgínia Rodrigues ("Nzambi Kakala ye Bikamazu").
É. Tem um samba, "Do Alto", com o trompete de Joatan (Nascimento), que é uma coisa diferente dessas duas. O Roberto (Mendes) também participa de uma canção. Mas também é uma característica comum a alguns primeiros discos. Porque resulta do acúmulo de várias experiências de composição, várias fases, a despeito de eu não hierarquizar essas fases. Mário de Andrade dizia que se você tem um texto escrito há muitos anos e o desconsidera, é por vaidade. E se você o considera, também o faz por vaidade (risos)
Não tem saída!
Essa característica é um pouco comum aos primeiros discos. Suponho. Por outro lado, tem uma coisa dentro de mim que não tem esse privilégio por uma determinada maneira de compor a música. Sou servo dela. Até quando quiser, estou aqui.
A religiosidade não integra cada uma dessas músicas?
Sim. São poucas, mas uma das coisas que me classificam espiritualmente, uma coisa fundamental, é o fato de eu ser um religioso. Ser religioso é diferente de você estar vinculado a uma religião, embora eu esteja e tenha responsabilidade quanto a isso. Mas o que quero dizer é que minha vinculação com o ser religioso se deve a uma espiritualidade anterior a tudo. Agora, tenho responsabilidade com um determinado segmento religioso, que é o Candomblé, no qual eu tenho uma função específica, fazendo parte da equipe da sacerdotisa (Mãe Zulmira, do Terreiro Tumbenci, em Lauro de Freitas-BA), que este ano completa 70 anos de sua iniciação.
Ela abre o disco.
Abre o disco com sua fala. Essa é uma crença de foro íntimo. Acredito e prefiro acreditar que as coisas não se iniciam nem se encerram na gente. Dessa forma, a gente pode experimentar um respeito pela diversidade de seres. Prefiro acreditar, e creio, que as possibilidades artísticas não se iniciam em mim. E nem se encerram.
Isso lhe permite ser mais generoso?
É uma boa questão. Não sei. Mas, talvez, tentar ceder ao outro. É um desafio, principalmente depois da hipertrofia do homem moderno, no Ocidente. Não houve mais espaço pra nada, só há espaço pro sujeito. Fico tentanto não ser tanto assim. Aí a gente consegue dialogar. Uma vez cedendo, a gente consegue ser ouvido.
Gilberto Gil fala do quanto a religiosidade dele se transformou. Antes era voltado para o "eu", "Se eu quiser falar com Deus", mais individualista. Hoje ele se sente mais aberto. É um pouco isso pra você?
Pode ser. Agora, ressaltando que tem uma coisa específica também, porque fez parte do meu situar no mundo. Claro, em última instância, a gente tende ao amorfo, ao incolor, ao supracultural, etc. Só que para chegar a isso, a gente precisa de forma. É só não acreditar ou não credenciar esta cultura, esta expressão formal, como única possibilidade. Pode ser uma possibilidade para você, mas não credencie a essa possibilidade um totalitarismo. Então, eu tenho uma responsabilidade com a religião do Candomblé. Agora acho que todas as expressões religiosas e não-religiosas são igualmente credenciadas pela existência.
Mas, na Bahia, a recíproca nem sempre é verdadeira, principalmente por parte das igrejas neopentecostais, que atacam o Candomblé.
Ah, verdade! Esse é um assunto grave, que não tem acontecido só na Bahia, mas acontece lá com muita força, porque lá é um lugar de influência africana. Os adeptos das igrejas neopentecostais não sabem e lutam consigo. A expressão desse ódio é uma luta contra si mesmo, porque está ali enraizada uma expressão ancestral, antiga, e que inere ao comportamento das pessoas. E quando não se tem paz mesmo diante de sua angústia, pra dialogor sobre essa angústia... Por isso, essas pessoas se manifestam dessa forma.
Há um texto seu que critica o uso de cânticos do Candomblé na música baiana. Como isso ocorre em Salvador? Há muito proselitismo?
De uma religião que não é proselitista, o Candomblé. É uma religião de chamada interior. Sinto que algumas dessas pessoas não agem de má fé. Acham que vai ser bom para superar o preconceito contra as religiões de matriz africana. Só que acabam por perturbar algo que também precisa de pausa, de silêncio, de recolhimento. Porque se ficou com essa ideia de que tudo que é de negro é para ser extrovertido, expansivo, alegre e colorido. Mas nem tudo. Mesmo no Candomblé, há outros espaços ali que são do silêncio, dos iniciados, com um determinado tempo, com uma determinada função. Não é um negócio devasso.
Isso lhe incomoda na música baiana? Há muitas canções com "meu pai Oxalá"...
Tudo bem, eu acho ótimo que a gente recorra às nossas forças, acho maravilhoso, porque antes era tudo "Complexo de Édipo", de Electra... As pessoas dizem no catolicismo: "Ô, minha Nossa Senhora!". Pensar que as pessoas também clamam por forças culturalmente africanas é ótimo. A questão é o transporte de cânticos da liturgia ipsis litteris para um espaço que aquilo não diz respeito.
Descontextualizado?
É. Bom, quando a gente está no Abassá (o barracão), numa cerimônia pública - a minha responsabilidade no Candomblé é pelos cânticos e toques -, quando começa a tocar "dandalunda, maimbanda, coquê", já vi algumas reações de pessoas que nunca foram ao Candomblé e viram aquilo ali num outro contexto. E já levam aquele contexto para aquele espaço. Claro! É naturalíssimo que o façam. O Candomblé não precisa de proselitismo. Não precisa de nada disso. Só precisa de respeito.
Caymmi é um exemplo positivo? Ele se inspirava no Candomblé.
Sem dúvida. Um exemplo positivo é a canção "É D'Oxum", de Gerônimo e Vevé Calazans. "Nessa cidade todo mundo é d'Oxum". É uma maravilha em qualquer lugar do mundo. Agora, "dandalunda, maimbanda, coquê" ou "Maimbê, Maimbê, Dandá", sinceramente... Não. Não é assim. Cada coisa tem seu espaço. Uma vez uma pessoa me contou que foi para o ensaio de um bloco afro, há muitos anos, e estava todo mundo dançando uma música que era a bola da vez. Quando foram consultar a sacerdotisa, porque a música parecia com alguma coisa de Candomblé, ela disse: "Pelo amor de Deus! Essa música é de Axexê! (cerimônia realizada após o funeral de um iniciado)". Sabe? Não precisa. Chegue lá, sente-se e componha alguma coisa em cima disso. Transforme, interprete e compartilhe com os outros, mas acho isso esquisito. É só uma questão de que cada coisa tem o seu espaço.
Você já citou alguns nomes, mas, além da influência do Candomblé, da musicalidade dos rituais, quais os compositores essenciais em sua formação musical? Na Bahia, a cultura popular é forte, você acaba assimilando sem sentir, o erudito está proximo ao popular...
É verdade. Olha, eu quis aprender a tocar violão lá pelos 11, 12 anos. Pedi um violão a minha mãe. Ela até se espantou, porque eu nunca fui menino de pedir nada. Ela foi logo, antes que eu desistisse, comprar um violão. Mas eu só fui aprender com 14 anos. Sem dúvida alguma, João Gilberto e Tom Jobim foram a força motriz para que sentisse vontade de tocar violão. Eu ali tão atônico, né? E o primeiro disco que quis comprar, com 11 anos, foi uma coletânea que tinha lá Tom Jobim. Ouvi inúmeras vezes.
E o "Matita Perê"?
Eu adoro. "Matita Perê", "Urubu"... Incrível. Tenho um tio, Jorge (Moura), que é responsável um pouco por isso.
E seu avô...
Meu avô é músico. Hoje não toca mais, mas ele tem um ouvido incrível. Tocava chorinho. Com quem eu ouvi muito chorinho. Me lembro de, pequeno, ouvi-lo dizer: "Olha aquele baixo...". E eu não ouvindo nada. Mas, de maneira mais consciente, foi com meu tio, cunhado de meu pai, que toca violão também... Ele tem uma ligação com a música do mundo inteiro: a música árabe, celta, etc. Ele me aprensentou a diversas possibilidades. Aí foi uma loucura. Incrível. Ele é realmente incrível. Embora, durante essa fase inicial, eu sempre estivesse focado no que se chama de "música brasileira". Depois expandi para outros lugares. E mesmo a africanidade da música que eu componho vem mais da Bahia mesmo, do Candomblé, do que diretamente do continente africano. Aí fui elegendo algumas pessoas que eu tenho ouvir sempre, como Caymmi, que é uma dessas figuras que eu chamo de "atônicas".
Que é coerente, fez pouco mais de cem canções.
Isso, e está tudo dito. Isso tem tanto a ver com o não-ocidental, por não prezar pela quantidade...
Caymmi tem uma relação diferente com o tempo.
Essa relação de outra ordem com o tempo... Bem, Caymmi, (Egberto) Gismonti, que eu adoro, o próprio Jan Garbarek (saxofonista de jazz norueguês), que eu ouço bastante... Gosto muito de Ali Farka Touré, africano do Mali, de onde vem meu nome. João Gilberto continua sempre.
Com a música, você foi se desviando da carreira diplomática?
(risos) Desde jovem, a minha mãe, principalmente, pensava: "Poxa, você tem uma facilidade para aprender as línguas, se interessa por tudo... Podia ser uma boa seguir a carreira diplomática". Incorporei isso, né? Como eu gostava de tudo, então tudo bem. Cheguei a ir a Brasília, tenho familiares lá, para me informar melhor. Fui ao Instituto Rio Branco. Fiz alguns amigos, mas declinei dessa proposta, porque eu não seria feliz.
A música já tinha se imposto?
Eu acho. A primeira decepção para minha mãe foi quando eu disse que ia fazer filosofia na Ufba (Universidade Federal da Bahia). Fiz o curso que queria fazer e a música já vinha acompanhando. Eu escrevia poemas... Essa é a minha atividade mais antiga: escrever poemas. Mas houve uma substituição paulativa da poesia pela canção. Era natural, essa coisa pré-determinada, encerrada, engessada, como é a atividade do funcionalismo público. O diplomata é um funcionário público que não tem as liberdades e os poderes de intervenção.
Como ocorreu sua aproximação com a África, com a cultura africana?
Isso vem de casa, de minha mãe, que foi fundadora do movimento negro na Bahia e depois especializou-se na história da África, do primeiro curso de especialização lá do Centro de Estudos Afro Orientais (Ceao). Tinha uma tia que faleceu, Eugênia Lúcia, que era pioneira em muitas coisas da inserção e da consciência de Áfricas, as manifestações culturais, étnicas, comportamentais. Inclusive, a biblioteca do Ceao tem o nome dela. Dentro de casa, isso me influenciou. Eu era muito novinho, já sabia ler, e minha mãe ia para o Ceao, me levava, eu ficava correndo para lá e para cá. Como Piaget diz que a gente é o que é até os sete anos... (risos) Isso sempre esteve ali, desde essa fase.
Depois isso se direcionou para sua pesquisa musical...
E pessoal. Fui me interessando por algumas coisas, por alguns segmentos dessas histórias africanas, pelos idiomas... Ainda continuo muito interessado pelos idiomas de um modo geral. No Candomblé, a gente já utiliza alguns deles. Isso direcionou-se um pouco para a música, mas não foi um negócio de estar ali por estar... Os idiomas Kikongo e Kimbundo, principalmente. Embora eu não seja um exegeta, mas dá para expressar algumas coisas que anseio, alguns códigos. Para minha surpresa, o "Maçalê" é o primeiro disco com essas características...
Com canções em línguas africanas? Não tem precedente no Brasil?
Não conheço. Acho que não há. O que há são citações ou composições de artistas africanos. Citação de termos africanos no meio de uma canção lusófona.
A que você atribui isso? O Brasil é um país com influência africana elevadíssima. Por que até então não houve outro disco com essa marca?
É normal. É um país com influência africana, mas é um país colonialista. Trata-se de um país, como tantos outros, que hierarquizou os seus agentes históricos e constitutivos. Negros em condição de escravizados não podiam ter nada. Os índios, meu Deus... Ainda em situação pior!
Outro dia, o escultor e curador Emanoel Araújo disse que, ainda hoje, o negro não ocupa "um lugar" na sociedade brasileira, no sentido de proeminência política. Como evoluiu essa questão?
Tanto que ainda é novidade, não é? Não gosto do discurso do ressentimento, da vitimização, da dor, porque a gente não supera a dor, sentindo dor. Ou melhor: prolongando a dor. A gente sente que é descendente de uma força. Já há muitos documentos que mostram que os escravos quando condenados e chicoteados - isso são os algozes que relatam - davam um grito estranho, depois se calavam e ficavam na mais absoluta serenidade. Ora, a gente deduz que seja a incorporação de uma força, de um orixá, de um ancestral. Emitiam ali o seu ilá, o seu grito, e depois se serenizavam, para que o filho não sentisse dor.
A nação do seu terreiro é banto. Nas universidades, entre os estudiosos e os pesquisadores do Candomblé, ela é bastante relegada. A nação banto é discriminada pelas outras vertentes do Candomblé?
É o ser humano, né? (risos) É o ser humano... Condenado à picuinha mesmo. Porque houve um interesse desses estudiosos, (Pierre) Verger, (Roger) Bastide, Édison Carneiro, Nina Rodrigues - um interesse pelo Candomblé de linhagem ketu, com a afirmação da Bahia como um "Estado nagô", "nigeriano"... É e não é. Há muita coisa aí. Também com essa tentativa de reafricanização, com essa leva do povo nigeriano... Você não tem nem como afirmar isso. Nos portos, as etnias se misturavam. Mas, enfim, teria sido a última leva e por isso preservaria características mais puras. Quando se tem que reinventar uma tradição a partir de uma matéria prima com uma urdidura forte, isso, sinceramente, é o que menos importa.
O Candomblé é uma religião brasileira, indicada, direcionada, voltada, com os olhares e as atitudes voltados para o continente africano, uma parte desse continente. Mas foi uma reestruturação, uma readaptação. Até entendo algumas pessoas, diante de tanta negação, tanta dificuldade a essa tentativa de africanizar, inclusive o Candomblé, em vez de dar o peso da transcendência... É uma luta política distanciada da liturgia. Ou a gente se ocupa das referências devidas, que não veem a origem de ninguém, a cor de ninguém, nem a cultura, nada disso, ou a gente fica nas guerras políticas. Sinceramente, não gosto muito disso. Você falou de Gil, do agnosticismo em relação à religião... Eu tenho um agnosticismo a disputas políticas e a muitas coisas dos homens. Meu agnosticismo se dá em relação a coisas que a gente vê, não em relação a coisas que a gente não vê. É verdade... É um agnosticismo diante do que é supostamente evidente e provável.
O que motivou sua mudança para São Paulo?
Você sabe como é a Bahia desde a Tia Ciata... (risos)
Como diz Caetano, a Bahia "expeliu as Ciatas pra trazerem o samba pro Rio".
E aí vem Assis Valente, Dorival Caymmi, João Gilberto, Caetano, os tropicalistas, os Novos Baianos... Até hoje. É uma coisa intrigante. A nossa terra é caduciforme. Não tem mais aquela sanha voraz, aquela força centrífuga, pra triturar as coisas e sustentá-las, rearrumá-las, destrui-las, reconhecê-las, categorizá-las... Não tem essa força. É uma senhora.
Há um processo destrutivo dos seus talentos, de não reconhecê-los?
Tem, tem. O fato é que é um lugar muito específico, mas que não está dentro dos sistemas de funcionalidade (risos).
Mas continua como referencial para você?
Claro, sem dúvida, nunca saí de lá, a não ser para me mudar, no ano passado. Tudo aconteceu lá. A Bahia a que estou ligado não sei se tem lá ainda. A Bahia memorial, o terreiro do candomblé, o invisível, a própria dinâmica do mundo. A Bahia é o mundo. Já é uma outra coisa. É uma dinâmica tecnológica da imaterialidade do material. E a Bahia está dentro disso, com seus carros desordenados, com seus computadores...
Com seus gabaritos elevados na Orla marítima.
E os desmatamentos...
É um capitalismo tardio, um capital imobiliário, que entrou brutalmente na cidade...
Isso, que fica querendo tirar o atraso, de maneira devastadora, a ponto de você ouvir de alguém da prefeitura que tinha que desmatar mesmo, que era a evolução... Ainda com esse pensamento. O que fez com que o prefeito da cidade tivesse até, se não me engano, eu li isso, mudar de casa por causa da invasão de escorpiões. É o preço da evolução. É uma cidade que vivencia um pouco essa esquizofrenia. Salvo se nós considerarmos alguns sítios ali dentro e se nós tivermos um determinado olhar sobre as coisas de lá, a gente ainda consegue resgatar a Salvador com essas características tão faladas, tão mitificadas - e com razão. As coisas se estão esvaindo. Por isso que, para mim, não é um choque sair da Bahia e vir pra São Paulo. Não me choquei.
Há mais perspectivas de trocas profissionais?
Como sempre aconteceu, na verdade. Sempre vinha para cá mesmo, tenho amigos e as pessoas com as quais eu tenho contato por causa do trabalho. Até que foi natural me mudar para cá. Me sinto bem. É até melhor. Isso ajudou Caymmi a descrever a Bahia. Isso ajudou João Cabral a fazer "Morte e Vida Severina" em Sevilha.
E a memória nasce da distância, não é?
Às vezes é preciso se distanciar pra se aproximar. A proximidade é, às vezes, o símbolo da morte de algumas coisas. Coisas cuja chama, enquanto estamos vivos, queremos sentir.