quinta-feira, 31 de julho de 2008

Obrigado, ministro!


Deveras que tudo poderia ter sido melhor. O senhor veio, ocupou a desvalorizada pasta de cultura, com seu prestígio de artista planetário, deu visibilidade e motivou grandes discussões em torno das políticas culturais deste nosso país. Poderia ter sido melhor. Mas foi muito bom! Pólos de cultura da negritude no Brasil, antes escondidos e folclorizados, ganharam devidas e históricas projeções; símbolos como o Samba de Roda, a Capoeira, entre outros, foram registrados como patrimônio imaterial dos brasileiros. Muitos filmes foram produzidos, espetáculos de qualidade, mas de dimensões populares, foram encenados. Muitos produtos culturais foram consumidos, e numa realidade tangível, tivemos uma ação ministerial democratizante e isso incomodou por demais os aristocratas das produções culturais brasileiras. Volte às suas construções musicais, aos traços mágicos da sua poesia edificante; magnetize-nos com sua arte mundial e seja feliz, grande mestre! Valeu,sim!
Do seu lugar de homem criador, de artista, os formadores de opinião deste Brasil não tem competência para tirá-lo, e se criticam, o fazem por falta de higiene mental e bucal.
"Só quem sabe onde é Luanda
Saberá me dar valor"
PALCO
Subo nesse palco, minha alma cheira a talco
Como bumbum de bebê, de bebê
Minha aura clara, só quem é clarividente pode ver
Pode verTrago a minha banda, só quem sabe onde é
Luanda
Saberá me dar valor, dar valor
Vale quanto pesa prá quem preza o louco bumbum do tambor
Do tambor
Fogo eterno prá afugentar
O inferno prá outro lugar
Fogo eterno prá consumir
O inferno, fora daqui
Venho para a festa, sei que muitos têm na testa
O deus-sol como um sinal, um sinal
Eu como devoto trago um cesto de alegrias de quintal
De quintal
Há também um cântaro, quem manda é Deus a música
Pedindo prá deixar, prá deixar
Derramar o bálsamo, fazer o canto, cantar o cantar
Lá, lá, iá

domingo, 27 de julho de 2008

Porto da Barra


O cenário de águas calmas e mornas, com vistas para a ilha de Itaparica, centralizado na Baía de Todos os Santos, ladeado por construções históricas datadas do século XVII, expondo, às tardinhas, um belíssimo pôr-do-sol, indica a praia do Porto da Barra como o tesouro natural mais apreciado por baianos e turistas, neste balneário chamado Salvador.
A prainha é considerada por muitos “uma piscina de águas salgadas”, e sempre foi motivo de orgulho, em décadas, dos moradores do bairro da Barra, que viam no Porto um tipo de conforto e status, ao freqüentar as delícias de banhos marítimos nos dias de semana, longe da lotação que sempre ocorria, e, ainda ocorre, nos dias de domingos e feriados, quando na leitura dos “nativos” brancos da região, a praia é invadida pela negrada periférica e empobrecida desta nossa cidade.
Houve épocas em que no Porto aterrissavam vários artistas que lhe conferiam mais glamour, dentre os mais freqüentes estava Caetano Veloso. Considerada uma das praias mais bonitas do mundo, que consegue reunir em si a transparência de águas, em agradável temperatura, misturando-se ao clima quente do Atlântico Sul, e um tanto quanto preservada em relação à poluição presente em nosso litoral, não se pode conhecer a capital baiana sem visitar este local de inclinação bucólica e ao mesmo tempo, de forte expressividade histórica.
Foi no âmago desta praia que surgiu a Cidade da Bahia, quando Américo Vespúcio encontrou a nossa baía, em 1501, e nesta região foi fundada a Vila do Pereira, centro político de domínio de Francisco Pereira Coutinho, o donatário da chamada Capitania da Bahia, que é considerada como a verdadeira raiz de Salvador, além de ter sido o Porto o local onde Tomé de Souza desembarcou, em 29 de março de 1549, na função de primeiro Governador Geral do Brasil.
Além dos nos representar paisagisticamente, o Porto da Barra funciona como síntese social da população soteropolitana, agregando os mais diversos tipos sociais: a dondoca decadente, a prostituta, os branquinhos da Classe Média, os meninos de rua, os michês, o público gay escolarizado, artistas locais e nacionais, intelectuais, os negros periféricos em busca de lazer dominical, os vendedores ambulantes, a baiana do acarajé, atletas da natação, pescadores, os chamados “discudistas”- aqueles que cometem roubos e furtos ao longo da praia-, sem falar nos agenciadores do propalado turismo sexual baiano voltados aos turistas embevecidos com a beleza deste ponto da cidade.
Afora todo o ecletismo que nos invalida como população, por conta da presença vergonhosa da criminalidade no Porto, ali se perfila um público diverso que dá cores ao ambiente combinando beleza humana à paisagem de águas azuladas, de céu ensolarado, de brisa e de prazer sócio-existencial.
É vital que existam políticas de conservação ambiental dedicadas a cuidar mais de patrimônios como esta praia, e que haja da parte dos seus freqüentadores, um movimento de respeito e de educação em função da sua preservação.

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quarta-feira, 23 de julho de 2008

Mãe Mar


Orixá do mar
Orixá ê
Eu vou ver onde ela está
Orixá ê
Orixá do mar
Orixá ê
Eu vou ver D. Iemanjá
Orixá ê
(Domínio público)
Para tocar de leve na força da tua presença em minha vida.
Agradecer-te a luz marítima que me impele,
A proteção que me orienta,
O consolo na alma que me indica caminhos,
O azul que me fascina.

Para me arrepiar de maresias e cânticos iorubanos
Fazer-me sonhar com Abeokutá,
Guiar-me a outros lugares,
Tirar-me daqui.

Para silenciar meu pensamento
A tua dança em minha alma
Ondas ondas ondas ondas
Acelerando-me de calma
Acometendo-me de prazer.

Para que me deixes, Rainha, em teu abrigo
Eu como teu filho dileto
Ouvindo teu canto de saúde.

Para quebrantar a inveja alheia
E me ver enxergar o horizonte em prosperidade
Seguir adiante, sonhar, gerar, fazer
Viver.

Para encarar a imagem negra da tua beleza
Desfiar palavras no alcance da poesia.
Para louvar-te Senhora Absoluta
Da minha história, do meu destino.

Para além de tudo do que vejo
Desejo, me lanço, desatino
Chegas a mim
Como Mãe fazedora da minha inspiração
Marcas da SORTE na minha pele.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Ethan Hawke


SILÊNCIO, por favor!

Memórias do Mar


Composição: Vevé Calazans e Jorge Portugal
A água do mar na beira do cais
Vai e volta volta e meia vem e vai
A água do mar na beira do cais
Vai e volta volta e meia vem e vai
Quem um dia foi marinheiro audaz
Relembra histórias
Que feito ondas não voltam mais
Velhos marinheiros do mar da Bahia
O mundo é o mar
Maré de lembranças
Lembranças de tantas voltas que o mundo dá
Tempestades e ventos
Tufões violentos
E arrebentação
Hoje é calmaria que dorme dentro do coração
Velhos marinheiros do mar da Bahia
O mundo é aqui
Maré mansa e morna
De Plataforma ou de Peri-Peri
Velhos marinheiros do mar da Bahia
O mundo é o mar
Maré de lembranças
Lembranças de tantas voltas que o mundo dá

Barato Total


E eis que chega o triunfo da alegria. Da cria de uma música no embalo de uma voz - a voz - trazendo como norte: felicidade. Instantes do contentamento. Como viver, é preciso sorrir acima de todos os pesares. É esta uma receita antiga do nosso ministro Gil, a constatação da alegria, em mim, fenômeno melhor na minha existência. Gal imortalizou, em sua leitura definitiva, cantando assim:
Lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá
Lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá
Quando a gente tá contente
Tanto faz o quente, tanto faz o frio, tanto faz
Que eu me esqueça do meu compromisso
Com isso ou aquilo que aconteceu dez minutos atrás
Dez minutos atrás de uma idéia já deu
Pra uma teia de aranha crescer e prender
Sua vida na cadeia do pensamento
Que de um momento pro outro começa a doer
Lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá
Lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá
Quando a gente tá contente
Gente é gente (gato é gato!)
Barata pode ser um barato total
Tudo que você disser deve fazer bem
Nada que você comer deve fazer mal
Quando a gente tá contente
Nem pensar que está contente
Nem pensar que está contente a gente quer
Nem pensar a gente quer, a gente quer
A gente quer, a gente quer é viver

Na voz de Gal Costa



Seria um desserviço cultural não destacar a interpretação de Gal Costa sobre a canção de Ana Coralina, Ruas de Outono, tema da novela Paraíso Tropical. Ana também gravou belamente sua canção. Mas, Gal...Sei não. A música é uma temática de esperança, ensaiada pelo encontro amoroso, uma balada, levinha, parecida com outras coisas já feitas por Ana. Mas, Gal...Sei não. É o frescor da voz de sessenta e um anos, aliás, o frescor de uma voz sem idade, só experiência...
Um passeio pelo tempo de todas as nossas lembranças amorosas e uma sensação de sucesso.O canto na melodia significando-se no instrumento da voz nos permite pertencer com orgulho à nação que esta grande artista nasceu. Para simplificar tudo, poderia-se dizer Gal canta lindo "Ruas de Outono", mas isso ela faz sempre.Acontece que nessa versão ela vem revestida da dose sob medida, que quando acerto estético, a torna a voz mais agradável que este país já conheceu...Lembrou-me dela em Cantar, em Hoje, Flor de Maracujá, Nada a ver...Notas, aquela interpretação sublime no disco dos Nouvelle Cuisine, nos idos de 1990.
Lembranças trazidas pelo vento sonoro, leia-se Gal Costa, sob o céu e sobre o mar de Copacabana, naquele lugar chamado Rio de Janeiro...Mina Gal, mina da doçura maior em nosso canto...A voz doce dos ventos.
E esta canção vai me condenar ao melhor de mim: esperança e amor!!!
Ela:
Ruas de outono - Gal Costa
Nas ruas de outono, os meus passos vão ficar
E todo abandono que eu sentia, vai passar
As folhas pelo chão que um dia o vento vai levar
Meus olhos só verão que tudo poderá mudar
Eu voltei por entre as flores da estrada
Pra dizer que sem você não há mais nada
Quero ter você bem mais que perto
Com você eu sinto o céu aberto
Daria pra escrever um livro, se eu fosse contar
Tudo que passei antes de te encontrar
Pego sua mão e peço pra me escutar
Seu olhar me diz que você quer me acompanhar
Eu voltei por entre as flores da estrada
Pra dizer que sem você não há mais nada...

P.S.: Meu queridíssimo cantor, senhor Carlos Barros, licença para falar da sua musa-inspiração, mais ainda, depois daquele texto, viu?

A voz doce dos ventos


A voz doce dos ventos faz 60 anos
Tem que se falar em modernidade. Para se falar dos riscos que a busca da constante renovação nos faz correr. Tem que se falar de modernidade para se desenhar a trajetória de uma das artistas que mais contribuíram para mudanças inventivas e necessárias na cultura musical do Brasil.
Ela foi, junto com outros alguns, o 'boom' da nossa canção. Uma forma de desbunde, alicerçada em força criativa, em coragem, em contextualidade histórica, em talento natural. Sim, o canto, a voz, é o instrumento natural da baiana que evocou a cultura da Bahia e iluminou o Brasil com canções que marcaram o nosso destino como nação, como concidadãos, ou meramente, como amantes da Música Popular Brasileira.
Nos anos 70 do séc.XX, sua voz bravamente aguda em afinações cristalinas, transportou as mensagens que mais precisávamos para compor Arte e Protesto, inventando entre letras e comportamentos, uma forma mais fresca e vibrante de existirmos no Brasil durante a Ditadura Militar.
FATAL, CANTAR, CARAS E BOCAS e TROPICAL, podem representar o inquantificável talento de Maria da Graça Costa Penna Burgos, a nossa eterna Gal Costa.
Modelo- de muitíssimas críticas, excrachadas às vezes- mas ímpar na sonoridade divina do seu canto, motivo de orgulho profundo não só de baianos bairristas, mas de todos os brasileiros.
Em 26 de setembro de 2005, essa voz faz 60 anos existindo entre safras e entressafras, percorrendo uma trilha que fez dela um dos nomes mais importantes da canção brasileira em todos os tempos.
faz 60 anos relançando-se para os brasileiros através do cd HOJE, pela gravadora Trama, sendo dirigida e produzida musicalmente por César Camargo Mariano e cantando num formato que indica a jovialidade de sua voz somada aos anos de experiência de quem fez da vida uma sinfonia diária.
Maior que qualquer disco, exitoso ou não, é o nome e a presença de "Gracinha",
musa de qualquer estação reaprendendo a fazer ouro com a voz diamante que o Universo lhe concedeu.
Portanto, brava Gal sempre! canta, canta, canta sonorizando o percurso dos ventos com a doçura maior da sua VOZ.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Canção


No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas...
Numa das naves que afundaram,
é que certamente tu vinhas.
Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto.
Quando as ondas te carregaram
meus olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.
Cecília Meireles
P.S.: uma indicação do cantor e amigo, Carlos Barros.

Hilda


Que canto há de cantar o que perdura?

A sombra, o sonho, o labirinto, o caos

A vertigem de ser, a asa, o grito.

Que mitos, meu amor, entre os lençóis:

O que tu pensas gozo é tão finito

E o que pensas amor é muito mais.

Como cobrir-te de pássaros e plumas

E ao mesmo tempo te dizer adeus

Porque imperfeito és carne e perecível

E o que eu desejo é luz e imaterial.

Que canto há de cantar o indefinível?

O toque sem tocar, o olhar sem ver

A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.

Como te amar, sem nunca merecer?



(Da Noite - 1992)

Um anjo sobre mim


Era quimera
e parecia ser o amor.
Era quimera.
...
Graça flutuante
figurava estar sentado.
A cabeça era magra
coberta de cachos
junquilhos
de onde o sol jorrava.
As asas
mantidas fechadas
tocavam o chão
longas emplumadas
o corpo intangível.
...
Seus olhos
castanhoverdecinzadourados
escarlates me olhavam
como se fossem
desde sempre
a límpida palavra.
...
Era belo
e assim se apresentava.
Neide Archanjo

Entre os ciprestes e o cedro


Para a tua fome

Eu teria colocado meu coração

Entre os ciprestes e o cedro.


E tu o encontrarias

Na tua ronda de luta e incoesão:

A ronda que persegues.



Para tua sede

As nascentes da infância:

Um molhado de fadas e sorvetes.

E abriria em mim mesma




Uma nova ferida


Para a tua vida.
Hilda Hilst

domingo, 20 de julho de 2008

Mar de amor


Da saudade que há
Reiventando o vazio.
Da distância que brilha
E que fica como memória.
De tudo que a mão tocou
O coração guardou
E os olhos sorriram.
Do dia da solidariedade!
Do tempo que pulsa
Nos levando para o não-lugar.
As lágrimas que rolam
Dos olhos de alguém
Fazendo-se canção.
Da beleza que mora
No canto da minha emoção.
De tudo que de tão longe
Não se aparta nunca de mim.
Desse sol como sorriso
Dessa imagem
Como um mar de amor.

Hilda Hilst




Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo.
Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro.
É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
"Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas".
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre.
É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.
E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto
Não cabe no meu canto.

Canção para ninar Lorena


Lory,

Só para te lembrar (em público):

Vamos chasquear o tempo:felizes,agora!
Vamos sim ao sim:escancarar a aceitação.
Vamos sóbrios de cerveja e chocolate.
Vamos por amizade: um selinho na boca.
Vamos absurdos,amorosos,fílmicos como em "PLATA QUEMADA".Amor marginal desmedido.
Vamos dizer porra ,eu quero você! Se não der. A gente espera.
Vamos de amarelo e azul.Flores no jarro e vela para Nossa Senhora. Fé.
Vamos até onde der...Quando cansarmos,Ana Carolina e Chico nos descansam.
Vamos crianças molhar 'de noite' os pés nas águas do Porto da Barra.
Vamos nos presentear,eu te dou 'Mônica Salmaso' e você me dar 'Lenine'.
Vamos aprender a tocar:piano ou violão,sax ou atabaque, nem que seja na imaginação. Vamos dar uma festa:guaraná,bolo,bom bom,chiclete (sem banana),chá, nescau, mingau e seresta.
Vamos ouvir com os amigos: Norah Jones, Joss Stones e Beatles.
Vamos levantar poeira:copiar um cd com as melhores de Ivete Sangalo.
Vamos construir uma mandala com as cores da nossa emoção.
Vamos caminhar 'maduramente' pelo dique sem pressa, sem corrida.
Vamos sonhar acordados,contando com a aparição do pássaro azul da sorte.
Vamos adentrar o mar:com frio ou não.
Vamos eu com seus olhos e você com os meus: a cena das palavras bonitas:SEDUÇÃO.
Vamos nos dizer "eu amo você" nas rádios na 'Hora do Brasil'.
Vamos desenhar casinha,dançar Madonna,ler Hilst e Lorca...ceder.
Vamos ser eu e você:conversas com a sorte!
Vamos,te espero.
Sorria... Hoje é dia da arrumação.
E nós,estamos lindamente vivos!!!!!!!!!!!!

COM MUITO AMOR

DURMA BEM...

Pôr- do-sol no Porto da Barra

Salva-Vida
Caetano Veloso
Místico pôr-do-sol no mar da Bahia
E eu já não tenho medo de me afogar
Conheço um moço lindo que é salva-vida
Vida
Um da turma legal do Salvamar
Que é fera
Na doçura, na força e na graça
Ai, ai
Quem dera
Que eu também pertencera a essa raça
Salva-vida
Onda nova
Nova vida
Vem do novo mar
Sólido simples vindo ele vem bem Jorge
Límpido movimento me faz pensar
Que profissão bonita pra um homem jovem
Jovem
Amar de mesmo a gente, a água e areia
No dia
Da Rainha das Águas
Do presente
Ai, ai
Luzia
A firmeza dourada
Dessa gente

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Tiganá Santana: Porque é preciso chegar

Na Bahia, como em qualquer lugar do mundo, sempre aparecem nomes artísticos que incrementam a sua cena cultural. Muita coisa se repete e se movimenta dentro da lógica que comanda o mercado: vender rápido e ser descartável. Nas últimas décadas, nossa música girou (e ainda gira) na rodinha da chamada "axé music", que alavancou a indústria cultural baiana, produzindo emblemas que desembocaram em uma estrela pop com dimensões internacionais, ou melhor, estadunidenses: Ivete Sangalo. Mas para a glória do Senhor do Bonfim, além da nossa musicalidade carnavalesca, outros conceitos nos chegam e nos fazem respirar pela força da criatividade e da beleza.
Navegando mares de inspiração, altivez como intérprete, letras autorais e poéticas, melodia e harmonia tocantes, um jovem baiano, Tiganá Santana, 25 anos, surge com toques musicais proponentes de uma nova leitura da musicalidade feita na Bahia, vestido de referências africanas, íntimo do mundo dos inquices (como são chamados os orixás na cultura de origem banto), mesclando atabaque e flauta, sax e agogô, violão e berimbau; cantando em quicongo, ioruba, francês, inglês, árabe e, claro, português, o artista pode parecer um eclético cultor de neo-africanidades, uma mera cria do tropicalismo, uma repetição estética para ações afirmativas da política militante dos negros no Brasil, mesmo um pouco nisso tudo, ele vai além da agilidade conceitual que as mídias precisam para apresentar os "novos" e fazer com que os mesmos sejam inteligíveis aos seus olhos e aos dos grande público.

Na voz, Tiganá Santana, traz o veludo típico dos humanos negros, tematizando a sua espiritualidade, resgatando o deísmo de seus ancestrais, relendo a presença do feminino no mundo, melodiando palavras que compõem a vasta erudição de alguém que foi preparado por sua família, para enfrentar a carreira de diplomata, e inspirado pela musa música, resolveu desaguar sua arte.
Uma arte dedicada, sem delongas nem vergonha, à divindade. O artista se apresenta como veículo de uma musicalidade advinda dos "céus" e que se retro-alimenta da perspectiva de juntar humanos, aliviar o barulho nos ouvidos, balançar os corpos, reacender a esperança para isso que chamamos de coexistência. Sua música emana silêncio e aprende com outros mestres brasileiros e universais, tais como: Dorival Caymmi, Tom Jobim, João Gilberto, Cole Porter, Ali Farka Touré, Habib Koité, Egberto Gismonti e Pixinguinha.
Em suas últimas apresentações, em lugares aconchegantes na Cidade da Bahia, como o museu Palacete das Artes, o Teatro Gamboa Nova, a Praça Quincas Berro D¿água, no histórico Pelourinho, Tiganá tem sido acompanhado pelos músicos Maurício Ribeiro (flauta e violão), Alexandra Pessoa e Antenor Cardoso (percussão), e já dividiu o palco várias vezes com a mais entusiasta do seu talento, Virgínia Rodrigues, que abriu seu último show em Nova Iorque e São Paulo cantando a canção Maçalê, uma espécie de oriki (poema sagrado iorubano) dedicado a Ogum, feito por Tiganá Santana em homenagem a um multi-artista baiano chamado Gilson Nascimento, e que deverá compor um dos próximos trabalhos da diva baiana, e diz assim:
Maçalê
És Maçalê...
com a bravura que há de ter um Maçalê...
quando firmas, no chão, mais que pés de negro.
Segues na quilha da dor, mas não hás de fenecer...
nem um sonho a menos;
velarás por um canto que hás de ser...Maçalê... és Maçalê...
porque fazes do olhar um olhar por merecer;
uma guerra de flor...
uma flor de guerreiro...
Serás mão do teu senhor,és teu próprio massapê...
Vês?! És Maçalê,e não farás envelhecer,
Maçalê,
o que o teu nome diz: Ogunhê!
Segundo seu autor, Maçalê significa, em ioruba, você é um com seu orixá, promovendo a idéia de unidade entre o individuo e a "entidade" que ele traz no ori (cabeça) e garante seu eixo espiritual no dia a dia.
Um trabalho vinculado à sinceridade de quem se dedica a pesquisar música, compor, cantar, inscrito em projetos conceituais que se apresentem à Bahia e ao Brasil, como possibilidade de uma estética que traduz parte do povo baiano e, ao mesmo tempo, segue dialogando com produções musicais outras, espraiadas pelo planeta, que tocam e inspiram a criação do artista aqui em questão.
Santana nasceu em uma família negra de artistas e intelectuais, formou-se em filosofia pela Universidade Federal da Bahia, fala com fluência vários idiomas, além de se dedicar, como sacerdote visceral , ao culto do candomblé de "nação angola", de matriz cultural banto, exemplificando-se como um grande conhecedor desta expressão religiosa afro-brasileira, que por conta do nagocentrismo( valorização excessiva da tradição ioruba), na Bahia, é , por vezes, desvalorizada.
O lado autoral de Tiganá Santana como compositor, ratifica suas pesquisas sobre o legado cultural dos países da África Central, principalmente Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e redimensiona a marca sociolingüística deixada pelos congo-angolas na história do povo brasileiro.
Uma cria da ancestralidade afro-brasileira que faz música com integridade universal. Quebra rótulos, dificultando as facilidades que a recepção musical, neste estado e país, aprendeu a desenvolver por demandas mercadológicas. Um nome que se apronta para chegar, e que em seus ares de permanência, ilumina-se-nos no sabor que só a real criação pode oferecer.
Marlon Marcos é jornalista, professor e mestre em Estudos Étnicos e Africanos pelo Centro de Estudos Afro-Orientais (Ufba).

(Publicado no Terra Magazine em 17.07.2008)

Voz ao vento


Caetano Veloso



"Atiro a rosa do sonho nas tuas mãos distraídas"


Quereria...

Olhar de frente o sol, sem franzir a testa, sem sentir agonia, sem temer o risco, sem ficar cego.

Olhar para o que é dia e de frente a mim alcançar a POESIA.

Olhar o translúcido estar das cores em todas as coisas que há e reinventar um nome para a idéia do que é tempo.

Olhar o vôo da águia na clareza das águas de um rio que passa na morada do sonho, e sob a égide da força, criar beleza tal como liberdade ou borboleta.

Olhar o rugido do leão em seu diminutivo, sancionar a pena do prazer no barulho repetitivo da canção.

Olhar o sorriso descrito no manuseio do violão, erguido na leveza daquele olhar a expressar na cara-menino o íntimo instante da alegria.

Olhar os caminhos de rugas seduzindo adolescências de quem precisa descobrir a vida.

Olhar acima do tombo dos anos passando, pensando no mágico charme da experiência.

Olhar o balanço do corpo-poema em dissonância percussiva; corpo à toa, molhado de imaginação, enxuto, guardado, usado... Solto porque carnavalizado.

Olhar do silêncio do pensamento a sombra do pensamento que não há.

Olhar a nascente daquelas palavras feito músicas, hinos, um país.

Olhar o todo e o quase-escondido, o desatino aliviando a racionalidade.

Olhar a destreza, mãos da delicadeza compondo a emoção e fingindo, fingindo pessoanamente.

Olhar de frente o medo, o perigo, o sumiço, o vazio na falta que já faz...

Olhar de frente a coragem, as conquistas, as marcas, a perenidade histórica na arte de uma nação.

Olhar o anonimato, o despir-se no banheiro, a nudez ao espelho, a quebra de segredos e o rosto a chorar.

Olhar a voz trazendo comoção.

Olhar o destino. A longevidade.

Olhar o abraço nos braços estendidos, na calma do encontro: desenho longínquo.

Olhar e mapear a vontade, em cada ponto, em cada canto, em toda extensão do que se faz o que se vê.

Olhar o desejo.

Olhar...

Viver.

Só Assumo Só




Olha, ô gente, me respeita

Sou de tudo ou nada

Sou de uma só

De uma terra depressiva

Mas de uma beleza para minha avó

Vejo o novo mal sambista

Camisa de listra, ou de paletó

Repare e arregala o olho

Que um novo artista

Vai cantar tão só

Eu tenho que manter a cara

Pois a nossa cara

Quer cair no chão

Eu tenho que falar

Duvido que a palavra vida é um palavrão

Olha o conto do vigário

Veja quanto otário, quanta encarnação

Quanta banca, bronca franca

Pura malandragem, pura saudação

Vem cá, menina

Eu só assumo a bandidagem

Neste faroeste, precisamos pão

Estácio assume a nova fase

Neste faroeste, precisamos pão
Luiz Melodia


Ao som do Alujá




Nos dias 28 e 29 de junho, dentre duas das mais tradicionais casas de Candomblé da Bahia, a Casa Branca – Ilê Axé Iyá Nassô Oká, e o Ilê Axé Opô Afonjá, abre-se o ciclo de festas dedicado ao mais destacado Orixá desta religiosidade, o grande Xangô, Senhor dos trovões e da justiça, aquele que nunca morreu.
De acordo aos principais antropólogos das religiões afro-brasileiras, foi através do culto a Xangô, nas casas que seguem o chamado modelo Jeje-Nagô, que o Candomblé se construiu como religião conventual, estruturada através de um templo, composto de vários compartimentos rituais, onde o mais conhecido chama-se Barracão, e é o local onde se realiza as festas públicas nos terreiros. Este local serve como instrumento de reunião de fiés em torno do culto, e foi fundamental para a existência e resistência desta instituição.
Estas festas na Casa Branca e no Afonjá, duas casas irmanadas pela ancestralidade, ocorrem todos os anos nos dias 28 e 29 de junho, impreterivelmente, no calendário católico são dias dedicados a São Pedro, que fora sincretizado a Airá , uma das qualidades de Xangô, que só se veste de branco. No dia 28, acontece a grande fogueira, onde o símbolo vital do deus iorubá, mítico rei da antiga cidade de Oyó, o Fogo, é adorado e reverenciado como elemento de transformação e de representação da presença viva de Xangô entre os seus crentes. No dia 29, os Orixás dançam em suas roupas de gala, e promovem um espetáculo de beleza sem par, usando coreografias míticas que narram a história da espiritualidade negro-africana reatualizada e, até mesmo, reinventada no Brasil.
A importância desta festividade repousa na historicidade da cultura religiosa africana sendo recriada na Bahia, na primeira metade do século XIX, na freguesia da Barroquinha, quando se têm notícias da criação do primeiro terreiro urbano do Brasil, que depois se transferiria para a Vasco da Gama, e ficaria conhecido como Terreiro do Engenho Velho, ou da Casa Branca. O Candomblé de Ketu, o de tradição jeje e iorubá, é fruto da intervenção religiosa da figura mítica da Iyá Nassô, sacerdotisa suprema do Culto a Xangô, que acabou por materializar a supremacia deste Orixá na elaboração litúrgica de toda comunidade espiritual.
Para se perceber visualmente a complexidade dos ritos do Candomblé, tomando ciência da corporeidade e dos construtos estético-religiosos de origem africana, ir a essas Casas movidos por respeito e vontade de aprender, pode servir como um belo antídoto contra a nossa ignorância sobre uma religião que se confunde com a idéia que nós mesmos ratificamos de Bahia.
Xangô traz em si a sabedoria, o dom da escrita,a prática da Justiça. Transmite sua ira através do fogo que brada dos seus trovões e ainda, serve de guardião dos princípios sociais, tão esquecidos por antigos e novos governadores deste místico Estado, tão carente dos exemplos míticos do deus das machadinhas que dança cortando o espaço ao som do Alujá.
(Publicado no Opinião do A Tarde em 28.06.2007)

Afonjá: 97anos a serviço de Xangô


Em 1910, na Cidade da Bahia, na distante periferia de São Gonçalo do Retiro, sob os auspícios do Senhor da Justiça, o orixá Xangô, nascia o atuante terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, que em português significa: Casa da Força sustentada por Xangô. Este ano o terreiro completa 97 anos de existência, prestando um inestimável serviço a favor da preservação do culto aos orixás, dentro de uma estrutura sócio-religiosa que os mais relevantes estudiosos do candomblé baiano, como o prof. Vivaldo da Costa Lima, chamaram de modelo jeje-nagô.
Originário de uma tradição erguida pelas míticas princesas iorubanas fundadoras do antigo candomblé da Barroquinha, as Iyá Detá, Iyá Kalá, e a mais famosa entre todas, Iyá Nassô, o Afonjá foi fundado pela estimada e "imortal" iyalorixá Eugênia Anna dos Santos, conhecida como Aninha de Afonjá, e mais religiosamente, era chamada de Iyá Oba Biyi.
Mãe aninha fora iniciada nos mistérios da religião iorubá, em uma casa situada à rua dos Capitães, próxima da hoje conhecida Praça Castro Alves, em Salvador, segundo nos informa Mestre Didi .
Da feitura do santo de mãe Aninha, segundo o mesmo informante, participaram a Iyanassô, mãe Marcelina que era chamada de Obá Tossi e o mítico Bamboxê. Depois de anos de iniciada, com a morte de Oba Tossi, disputas internas foram geradas por questões sucessórias, a Iyá Aninha desligou-se do Ilê Axé Airá Intile (como era chamado o antigo candomblé da Barroquinha) e juntamente com Tio Joaquim, o Obá Sanyá, foi fundar o Afonjá, que ao longo da sua história, tornou-se um dos templos mais importantes das religiões de matriz africana no mundo.
Este candomblé em seu processo de consolidação religiosa, além da forte presença de sua matriarca maior, contou com a contribuição de personalidades míticas baianas, como a do Babalawô Martiniano do Bonfim, a do proeminente comerciante Miguel Santana, que ajudaram mãe Aninha a reproduzir em seu Ilê Axé uma espécie de sociedade africana, inspirada nas cidades-estados Oió e Ketu. Mãe Aninha apresentou o universo do candomblé a nomes como do etnólogo baiano Edison Carneiro, e iniciou o icônico prof. Agenor Miranda como seu filho de santo.
Nos anos 20 e 30 do século passado, a mais expressiva e atuante iyalorixá da Bahia, era Aninha de Afonjá.
A sua fama repousava em seus conhecimentos sobre os fundamentos da religião dos orixás, em sua disciplina modelar, em sua inteligência, em seu interesse pela história e pela cultura iorubanas, em suas atitudes políticas e visionárias: Aninha foi a Iyá responsável pela liberação legal do culto aos orixás, depois de uma audiência no Rio de Janeiro com o então presidente Getúlio Vargas, em 1936; é dela a famosa frase: "Quero todos meus filhos aos pés de Xangô com anel de doutor". Foi a matriarca soteropolitana, filha de negros da nação grunce, que chamou Salvador de "Roma Negra".
O seu exemplo, a sua imagem histórica, o seu legado sócio-cultural, e principalmente, religioso, traduz-se na imponência litúrgica corporificada há mais de noventa anos pelo Ilê Axé Opô Afonjá, monumento de orgulho de qualquer adepto do candomblé, cônscio da historicidade desta religião entre nós na Bahia.
A saga deste templo conta a história de outras iyalorixás que contribuíram para sua evolução e consolidação como um dos mais importantes instrumentos de preservação da influência africana nas reinvenções religiosas dos negros oriundos de etnias nagô-iorubá e jeje-fon. Com a morte de Aninha Obá Biyi em 1938, chegou ao trono daquela casa uma filha de Oxalufã, a iyalorixá Bada, conhecida como Olufan Deiyi, seu nome sacerdotal, que governou o Ilê Axé de 1939 até 1941, quando veio a falecer. Para substituí-la, assumiu o matriarcado do templo Maria Bibiana do Espírito Santo, a Oxum Miwá, a veneranda Mãe Senhora de Oxum.
A "Era Senhora" perfila a grandeza dos ensinamentos deixados por Aninha, foi nesse período que o Afonjá seguiu a sua tendência de se aproximar de grandes intelectuais, que sob a constante vigilância de mãe Senhora, garantiram prestígio e mais "tolerância" ao culto dos orixás praticados em algumas casas, entre elas o Gantois e o Engenho Velho, já que as demais eram muito perseguidas pela polícia baiana na época. Senhora atraiu para si muita respeitabilidade, e em seu período como "Iyá", juntamente com mãe Menininha do gantois, era lembrada como a grande sacerdotisa naqueles anos.
Mãe senhora levou para o Afonjá, importantes celebridades do cenário político, artístico e intelectual brasileiro: Jorge Amado, Vivaldo da Costa Lima, Antonio Olinto, Rubem Valentim, Zora Seljan, Juanita Elbein e Pierre Verger; recebeu as visitas ilustres de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Mas o mais importante foi a sua fidelidade e maestria em relação à conservação dos preceitos religiosos do candomblé ensinados por sua estimada Iyá Obá Biyi.
A iyalorixá faleceu em 1967. Em seu lugar veio mãe Ondina de Oxalufã, de nome religioso Iwintonã, que reinou naquela casa de 1968 até 1975, quando veio a falecer.
A era Odé Kaiodê
Em 1976, soube ao trono do Ilê Axé Opô afonjá, a então Colabá (um cargo feminino importante que zela por apetrecho consagrado a Xangô) da casa, Stella Azevedo dos Santos, filha de Oxóssi, que fora iniciada por mãe Senhora de Oxum, tendo como nome religioso Odé Kaiodê, que quer dizer em português "O caçador trouxe alegria".
A partir daí e até a presente data, o afonjá mantém-se dentro dos princípios construídos por Iyá Obá Biyi, mesmo sofrendo relevantes mudanças estruturais (fundamentalmente em seu aspecto geofísico), e até algumas reformulações em torno dos seus rituais, o que é natural no "caminhar" do tempo histórico.
Talvez mãe Stella tenha sido a mais política das iyalorixás deste terreiro, e é a mais intelectualizada do que todas anteriores; escreveu livros, atuou publicamente contra o chamado sincretismo religioso que une a imagem de santos católicos à de orixás, construiu escola, biblioteca, idealizou o museu Ilê Ohun Lailai (Casa das coisas antigas), pregou a necessidade do registro escrito contra os lapsos de memória, contribui para pesquisas respeitosas em torno da temática do candomblé que ela dirige. Há trinta e um anos comanda o afonjá, que hoje é uma imensa "casa de santo", que ela considera como "uma pequena África" idealizada por sua inspiradora avó Aninha de Xangô.
A marca Ilê Axé Opô Afonjá
Caetano Veloso em sua canção Tapete Mágico, gravada por Gal Costa, em seu disco fantasia, faz uma referência à "roça do Opô Afonjá" como símbolo do fantástico e da beleza. E é este o primeiro adjetivo que se pode extrair da espacialidade daquela casa: beleza. As casas da comunidade somando-se às casas dos orixás; a área verde e sagrada; o imponente Palácio de Xangô, chamado por mãe Stella de sede do terreiro; a grandeza indefinível do barracão; e a dança dos orixás em suas festas iluminadas.
Outro adjetivo seria força que se coaduna à idéia que a palavra Axé exprime, e é como o Afonjá é comumente chamado por seus filhos. Paz também aparece por conta da outra dimensão que se sente lá. E para sintetizar a vocação da sua territorialidade, surge o termo sagrado. O sagrado templo de Xangô, senhor do fogo, da justiça, da vida, que reúne aos seus pés os filhos da Iyá Aninha. O sagrado e mágico chão de "Yá", mãe maior dos ancestrais grunce; a Yemoja iorubana, inseparável mãe mulher irmã do Obá Kossó (Xangô), o grande rei desta espiritualidade.
A grande marca espacial daquela casa é o encontro de duas energias, fogo e água, balizando as demais que surgem da impreterível presença dos outros orixás e encantados. Um patrimônio histórico que ilustra luta, persistência, sabedoria, conflito, negociação, prestígio e apogeu. E que deve sempre se espelhar na memória dos seus mais velhos, e como exemplo, prosseguir a favor dos ventos que alimentam de fé os adeptos desta religião.
(Publicado no Terra Magazine em 09/01/2008).

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Vozes da memória



Dentre os mais diversos projetos educativos e culturais empreendidos pelo quase centenário terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, fundado em 1910, existe o Ilê Ohun Lailai, que se traduz como Casa das Coisas Antigas e é um museu que funciona como importante instrumento de preservação da memória e de transmissão de conhecimento sobre a herança nagô deixada pela saudosa ialorixá Aninha Obá Biyi.

Projetado pela modelar mãe Stella de Oxóssi, atual sacerdotisa suprema daquela casa, o museu possui um acervo permanente erguido por peças que pertenceram as outras “iyás” que ajudaram na construção do “Afonjá” como um dos mais importantes templos das chamadas religiões de matriz africana no mundo.

Foram elas: mãe Aninha, mãe Bada, mãe Senhora e mãe Ondina, todas responsáveis por uma história de luta e conservação dos ensinamentos ancestrais que orientam a prática religiosa no universo deste candomblé de “nação Ketu”.O Ilê Ohun Lailai está atualmente sobre a coordenação da professora e contadora Célia Silva, que desenvolve projetos pedagógicos a favor da atração de um público externo, direcionado ao segmento infanto-juvenil e discente da Cidade do Salvador, objetivando contar uma parte da história afro-brasileira, desmistificando o candomblé como uma “seita demoníaca”, e educando essa nossa parcela populacional para a prática da tolerância inter-religiosa.
Este memorial sobrevive exclusivamente com recursos da Sociedade Cruz Santa do Axé Opô Afonjá e atende a uma demanda da comunidade negra baiana (e brasileira) localizada nos ditames da Lei Federal 10.639/2003, que obriga a disseminação da história cultural africana e afro-brasileira em nossos currículos escolares.
Aberto a todas as escolas baianas, e ao público em geral, o museu funciona através de um processo de agendamento que ocorre por telefone (71-3384-5229), e juntamente, com a biblioteca e a Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos, perfila a ação educativa que mãe Stella exige para o funcionamento do sistema sociorreligioso desta casa que ela dirige. Segundo a coordenadora Célia Silva, o museu “representa uma oportunidade de se preservar a tradição e a cultura iorubá na Bahia, reafirmando a nossa memória ancestral negra, sem discursar contra nenhuma outra raça, pelo contrário, o museu quer educar para integrar os povos, as pessoas”.


Dentre os vários projetos acionados por sua coordenação, o museu estará realizando nos dias 22 e 23 de setembro, das 9h às 18h, um seminário intitulado Primavera dos Museus, quando será apresentado o espaço “ecomuseológico”, destinado ao replantio e ao cultivo de ervas sagradas do candomblé, feitos pelas crianças da comunidade.Além de preservar a memória material com os pertences e adereços das antigas iyás e dos orixás em geral, este espaço patrimonial ensina suas crianças a cuidarem daquilo que é vital para a existência desta religião: a natureza. Pois como nos ensinam os mais velhos: “Sem folha não há sonho, sem folha não há nada”.
(Publicado no Opinião do A Tarde em 18/09/2007).

terça-feira, 15 de julho de 2008

Casa do silêncio

É assim que amanheço e nutro-me da vontade de existir. Ao ver a luz do sol no mar, ao andar pela areia lançando-me à força da maresia. Nem que seja em pensamento. Nem que seja me permitindo a miragens que me tragam esperança e me revelem à beleza. Os olhos que trago em mim são receptáculos do silêncio, cuidam do meu mistério alimentando a saudade do que é vivo, mas não está e eu sigo. Vestido de castanho e cheirando a suor alheio esvaindo-me pelo vento à beira-mar. Quando estou mais sozinho é quando estou na verve da melhor companhia. Dialogo com a Deusa. Encontro a Rainha. Olho-me em mil imagens minhas refletidas no translúcido salgado das águas. Sinto que tenho vida e ela me vem pelos olhos. Sou excesso de doçura sentindo debaixo do sol um pouco de frio. Meu caminho é um nome escrito em um apócrifo. Um nome remoto em sílabas e letras que eu jamais saberei juntar. Mas eu sinto. Aceito. E amo. Como o mar – que vejo em lindeza e incompreensão. Amo inscrito na noção, em qualquer idioma, que homens e deuses ergueram para exprimir eternidade. E talvez, seja nisso que esteja o teor contínuo desse desejo que trago comigo até quando eu voltar a ser água.

Estar sendo

"CADA UM SABE A DOR E A DELÍCIA DE SER O QUE É"

Agruras da aprendizagem

Qualquer aprendizado se erige de alguma ou muita dor. E ainda assim, aprender é a melhor das condenações humanas. E da correnteza que nos trazem dores e saberes, advém também, a consciência do que escolhemos ser como indivíduos e como coletividade; atuando ativa ou passivamente, de modo reflexivo ou aleatório, delicado ou belicoso, somos frutos de ações culturais e em todas as esferas de decisão em que somos colocados, é a qualidade do que aprendemos que garantirá a liberdade de expressão que tanto buscamos, evitando assim os embargos, as manipulações, as imposições verticais, o autoritarismo, as negligências e a vontade de muitos em nos tornar homogêneos a favor de seus modelos de sociedade.

A Bahia – esse eterno mote de louvações, às vezes vazias, outras amadianamente poéticas – rebate-se em propostas de intelectuais e artistas, políticos e populares, que tentam demarcar um perfil que configure um “rosto baiano”; muitos se alimentam da idéia de baianidade marcada de africanidades, de negritudes insurgidas e inventadas no seio do nosso povo, amalgamada de elementos lusitanos, que artisticamente ganhou texto e voz em Jorge Amado e Dorival Caymmi; outros reivindicam a baianidade sertaneja; outros pedem o diálogo entre as “bahias” do sertão, do recôncavo, do sul do estado. A tematização mais desgastante fica por conta daqueles que desejam uma Bahia “caymmiamadiana”, que ficou no passado, que vingou em Salvador e no Recôncavo e nas campanhas publicitárias e turísticas que nos venderam ao mundo na enterrada era carlista.
Na ânsia deste nosso aprendizado como povo, nós que quando não somos incensados com a nossa auto-estima, somos massacrados por olhares perversos e daninhos de intelectuais como Millôr Fernandes, que nos acusa de bárbaros narcisistas, e ainda “in loco” somos obrigados à algazarra de uma infrutífera discussão sobre cultura popular e cultura erudita da (?) Bahia, trilhada em grande parte pela “paladina” da alta cultura em nossas plagas, a senhora Silvia Athayde, diretora do MAB, cansada de viver em uma cidade “tragada pela cultura popular”.
Como é bom aprender mesmo que doa. Saber de Viena, Paris, Sevilha, Amsterdã, Lisboa; saber que a cultura circula e o conflito entre popular e erudito é mais sócio-econômico que funcional. E mais importante é saber da gente, da nossa vocação, do que aprendemos a fazer com maestria, sem desprezar e sem desaprender o que “los otros” ensinam. Como é bom saber das nossas contradições: Aninha Franco chamando museus de lugares mórbidos para sugerir (brilhantemente) um museu da música da Bahia, Ivete cantando para o mundo dançar e falando mal de leitura; Claudia Leite reinventando com o título de cantora o posto que foi ocupado por Carla Perez.
E se quiserem aprofundar os nossos escopos culturais, tão perto temos o criticado Caetano Veloso, eruditíssimo como poucos, e o melhor entre todos os populares. E como a vida é um porvir, na Bahia, temos Tiganá Santana e Virgínia Rodrigues, emblemáticos ao derrubar as fronteiras entre erudito e popular.

Luiz Melodia - meu Pérola Negra


Ele é um dos três cantores que eu mais amo. Um assombro de elegância que foi lançado ao País pela voz doce dos ventos, a grande Gal Costa, cantando Pérola Negra. Um ritmo profundo na íntegra vocal do canto sublime dos humanos negros. Casa de beleza. Sofreguidão. Languidez. Alegria. Negão. Melodia.
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Tente passar pelo que estou passando
Tente apagar este teu novo engano
Tente me amar pois estou de amando
Baby, te amo, bem sei que te amo
Tente usar a roupa que eu estou usando
Tente esquecer em que ano estamos
Arranje algum sangue, escreva num pano
Pérola Negra, te amo, te amo
Rasgue a camisa, enxugue meu pranto
Como prova de amor mostre teu novo canto
Escreva num quadro em palavras gigantes
Pérola Negra, te amo, te amo
Tente entender tudo mais sobre o sexo
Peça meu livro querendo eu te empresto
Se intere da coisa sem haver engano

Menino sem juízo


Um instante da lembrança que remexe e desagrega ofertando prazer. O cheiro de uma presença vindo da voz e da beleza deliciosas desta Marrom. Eu quem sou sem juízo.
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Menino Sem Juízo
Alcione
Composição: (Chico Roque e Paulinho Rezende)
Sabe
Meu menino sem juízo
Eu já aprendi a te aceitar assim
Já me acostumei a perdoar você
E já nem sei porque
Seu mal faz bem pra mim
Chega, mal me beija e vai embora
Sabe Deus a hora que você vai voltar
Juro que na volta, já não me encontra mais
Mas logo volto atrás
Meu mundo é seu
E vá se procurar
Vá se desamar
Que as esquinas da vida
Te fazem voltar
E quanto à minha dor
Não se importe, amor
Já se fez minha amiga
Me dói devagar

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Menino Deus



"Mora comigo na minha casa
Um rapaz que eu amo
Aquilo que ele não me diz porque não sabe
Vai me dizendo com o seu corpo
Que dança pra mim
Ele me adora e eu vejo através de seus olhos
O menino que aperta o gatilho do coração
Sem saber o nome do que pratica
Ele me adora e eu gratifico
Só com olhos que eu vejo
Corto todas as cebolas da casa
Arrasto os móveis, incenso
Ele tem um medo de dizer que me ama
E me aperta a mão
E me chama de amiga."
Extraído do show Drama 3°Ato - 1973- Maria Bethânia

Acontece para além da presença: ele é um signo pronto para a minha compreensão.E me ocupa a sala.Toma conta do meu sofá, me rende ao instante, controla minha leitura, aborrece o meu livro, viola o cd que escuto, não me despe, mas me retira de outras memórias; domina meu pensamento.
Se chega munido de confusão e sem razão se atormenta na minha falta e se ilumina na minha fala, e se fala nos meus olhares enquanto insisto. Absorve as minhas palavras,toma de mim as minhas convicções, se faz minha religião, me ensina o desapego escravizando o meu coração.É um teorema calculado em emoção, virilidade prescrita na mais rara delicadeza, incerteza, beleza; a mim, solidão.
Um cheiro das águas que se chega nas lágrimas que externa, um sorriso feitiço para dominar a minha imaginação, impregnando-se na tv, sabotando a mágica das novelas, apartando-me da diversão, esvaziando as notícias que não me informam quando não tratam do universo que é dele. E sem saída, enlouqueço no silêncio da sua boca, sustentado na leveza do seu corpo...a -diando para amanhã, com o marulho das suas asas, o que me crepita de hoje a alma e vai assaltando-me a visão e o futuro quando de súbito me fala nas mãos estendidas:" Que falta, amigo".


Senhora dos Céus de mim


Mãe profunda dos Céus
Senhora do meu conforto e alegria
Aceno da esperança que não desiste de mim.
Rainha – que aquece e governa com amor.
Idéia maior do amor em mim.
Minha serenidade e segurança.
Abrigo das verdades que desejo.
Sossego inteiro, carícia certeira.
Grandeza do feminino e azul.
Minha noção de felicidade.
Doçura e liberdade.
És o que vejo na Senhora
Vidas em confiança
Prazer em existir.
Mãe do silêncio noturno
Vigor do amanhecer
Louvo-te com lágrimas
E vos sorrio assim:
Maria, baluarte nos meus caminhos!

domingo, 13 de julho de 2008

Bethânia celebra o mar e a poética portuguesa


Mar de Sophia: um trabalho fonográfico lançado a prestar luminosas contribuições à cultura lusobrasileira. Um CD que se derrama em poesia e irriga de palavras o universo sonoro da artista Maria Bethânia. Nos meses finais de 2006, chegaram ao mercado brasileiro dois CDs produzidos e distribuídos pela gravadora carioca Biscoito Fino, ambos de autoria da cantora baiana Maria Bethânia: Pirata e Mar de Sophia.Apesar de lançados simultaneamente, Pirata corresponde a um projeto específico do selo dirigido por Bethânia, o Quitanda, enquanto Mar de Sophia – objeto deste artigo – representa um trabalho de “carreira”, um CD feito para ser comercializado entre os principais trabalhos desenvolvidos pela cantora cumprindo seu contrato com a Biscoito Fino.
Nunca a cantora santo-amarense esteve tão portuguesa na concepção de um produto artístico seu. Nem mesmo quando ela lançou, em 1983, o elogiado disco Ciclo , que já trazia fortes influências da música lusófona. É com Mar de Sophia que Bethânia fundiu com altiva competência a tradição musical portuguesa a ritmos desenvolvidos por artistas baianos como Roberto Mendes, Jorge Portugal, Vevé Calazans, Capinan, Roque Ferreira, Jota Velloso.
LOUVAÇÃO – O disco é uma louvação às águas. Um projeto que pode ser entendido como um manifesto ecológico, sem perder em nada quanto ao seu valor estético e rigor artístico. Transbordando poesia, ele dignifica e socializa através de récitas e canções a obra poética da portuguesa Sophia de Mello Breyner, morta em 2004. Sophia é celebrada pela artista baiana como uma das vozes mais sublimes que falam/escrevem sobre o mar.
Bethânia diz que esta seara de louvar e estar no mar sempre fora tarefa masculina, e a poeta portuguesa transgride com braveza esta regra dos “aedos” marítimos.A construção de Mar de Sophia foi dirigida à tarefa de celebrar fragmentos de poemas de Breyner, e, ao mesmo tempo, cantar com a poética de letras e músicas temas ligados aos oceanos, às estruturas aquáticas salgadas do planeta Terra.Traz, em suas canções, referências aos orixás (Oxum, Iemanjá, Iansã e Nanã), usa a idéia do mar como metáfora da solidão, como transporte para o encontro e a separação entre os amantes, canta cirandas e une marinheiros baianos a marujos portugueses.
Um dos mais tocantes momentos do disco pode ser conferido com a canção “Kirimurê”, poema escrito e musicado por Jota Velloso sobre a Baía de Todos os Santos, significando um recurso de identificação baiana e brasileira, e protestando contra os desmandos humanos em relação ao Sagrado e à Natureza.A canção Iemanjá Rainha do Mar , de Pedro Amorim e Paulo César Pinheiro, é tida pela artista como umas das mais bonitas feitas para se louvar, no cancioneiro brasileiro, este orixá, Iemanjá. Há também a belíssima contribuição de Arnaldo Antunes com Debaixo d’Água e o poema Procelária, de Sophia, usado por Maria Bethânia como uma espécie de Oriki (poema sagrado iorubá) português em homenagem ao seu orixá, Oyá.
REFERÊNCIAS – A canção Memórias do mar, de Vevé Calazans e Jorge Portugal, traduz a onipresença de Jorge Amado e Dorival Caymmi, quando o assunto é o cais e o mar da Bahia. A letra misturada à melodia e à voz suingada da cantora revela um dos momentos mais gostosos do CD, talvez por ser esse um instante todo baiano. Parte da letra diz assim: “Velhos marinheiros do mar da Bahia/ O mundo é o mar/ Maré de lembranças/ Lembranças de tantas voltas que o mundo dá”.Ainda sobre as canções do disco, não pode faltar referência a BeiraMar, composta em parceria por Roberto Mendes e Capinan. É desta canção que Bethânia extraiu o verso que dá título ao show que apresenta em turnê por todo Brasil: “Dentro do mar tem rio”.O repertório irrepreensível do CD se completa com composições de Tom Jobim ( As praias desertas), Dorival Caymmi ( Cantiga da Noiva, Noiva, Canto de Nanã, O vento), Sueli Costa ( Quadrinha), Roque Ferreira ( Lágrima), Villa Lobos ( Floresta do Amazonas), Paulo César Pinheiro ( Iemanjá Rainha do Mar e A dona do raio e do vento), Sérgio Ricardo ( Poema Azul), Chico César ( Grão de mar), Vinicius e Toquinho ( Canto de Oxum), além de cirandas e sambas-de-roda de domínio público.
E os fragmentos de poemas de Breyner ditos por Bethânia e intercalando canções? O que sentir depois de ouvir: “Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar”?
Este disco retrata mais um momento de inventividade e consolidação artística em Maria Bethânia.Demarca a baiana como uma das grandes vozes existentes no mundo e, sem sombra de dúvidas, a configura, atualmente, no universo da cultura popular, como o maior artista (feminino e masculino) entre nós, brasileiros.
(Publicado no Cultural do A Tarde em 26.05.2008)

Louvação a Oxum


Kerêô declaro aos de casa que estou chegando
Quem sabe venha buscar-me em festa
Orarei a Oxum
Que adoro Oxum, sei que sim
Xinguinxi comigo
Oxum que me cura com água fresca
Sem gota de sangue
Dona do oculto, a que sabe e cala
No puro frescor de sua morada
Oh! Minha mãe, rainha dos rios
Água que faz crescer as crianças
Dona da brisa de lagos
Corpo divino sem osso nem sangue
Orarei a Oxum
Que adoro Oxum, sei que sim
Xinguinxi comigo
Eu saúdo quem rompe na guerra
Senhora das águas que correm caladas
Oxum das águas de todo som
Água da aurora no mar agora
Bela mãe da grinalda de flores
Alegria da minha manhã
Orarei a Oxum
Que adoro Oxum, sei que sim
Xinguinxi comigo
Ipondá que se oculta no escuro
De longe me chega a cintilação dos seus cílios
Oxum é água que aparta a morte
Oxum melhora a cabeça ruim
A yê yê orarei!
Bendita onda que inunda a casa do traidor
Orarei a Oxum
Que adoro Oxum, sei que sim
Xinguinxi comigo
Oxum que eu bendigo na boca do dia
Oxum que eu adoro
Rica de dons
Riqueza dos rios
Oxum que chamei
Que não chamei
Adê-okô
Senhora das águas
P.S: Letra a partir de oriki a Oxum: Ordep Serra; música: Roberto Mendes.

Mãos


Côncavas de ser
Longas de desejo
Frescas de abandono
Consumidas de espanto
Inquietas de tocar e não prender.
Sophia de Mello Breyner

P.S.: As mãos, na imagem acima, são de Maria Bethânia. A força que nunca seca,1999.

Turquesa



Pedra turca. Azul: Fayruz da Turquia. Marca da cor da beleza do sonho que está aqui.Sólida fantasia e única certeza do que se tem agradando aos olhos, eternamente.

Mar Revolto


"Arranco o mar do mar e ponho-o em mim
E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas"
SMB
E me navego para o meio do lugar em que me perco.
E me arranco das trilhas, apago pistas, crepusculo o horizonte.
Faço que aconteça a intensa solidão.
Junto o sal do meu sangue ao salitre do mar.
Mato os pássaros que me assistem
Desafogo os peixes, e me molho de mar.
Me faço mar como coisa e areia repetidos.
Me faço mar de cinza anti-estético
Flutuo sobre suas águas de desespero
Transformo-me em águas salgadas poluídas.
Sangro como um rio em extinção
Para dar vida a outra pedra perdida
Que como eu carece de salvação.

Lua


Entre a terra e os astros, flor intensa
Nascida do silêncio, a lua cheia
Dá vertigem ao mar e azula a areia,
E a terra segue-a em êxtases suspensa.
Sophia de Mello Breyner

Ausência



Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
Sophia de Mello Breyner

sábado, 12 de julho de 2008

Dançar com você

Para vencer o cinza desses dias frios...
E ter um pouco de luz vermelha
Fazer calor, ceder doçura
Amanhecer.
Para cantar junto do lado da janela
Opostos e unos - sermos
Únicos a ver o pássaro dos trópicos
Azular os olhos do querer...
Acontecer,
Maior que frio
Tão igual calor
Acontecer.
Da janela com os olhos do mar
Em nós!
Marlon Marcos
Com música e assim:


Amado
Vanessa Da Mata
Composição: Vanessa da Mata

Como pode ser gostar de alguém
E esse tal alguém não ser seu
Fico desejando nós gastando o mar
Pôr-do-sol, postal, mais ninguém
Peço tanto a Deus
Para esquecer
Mas só de pedir me lembro
Minha linda flor
Meu jasmim será
Meus melhores beijos serão seus
Sinto que você é ligado a mim
Sempre que estou indo, volto atrás
Estou entregue a ponto de estar sempre só
Esperando um sim ou nunca mais
É tanta graça lá fora passa
O tempo sem você
Mas pode sim
Ser sim amado e tudo acontecer
Sinto absoluto o dom de existir,
Não há solidão, nem pena
Nessa doação, milagres do amor
Sinto uma extensão divina
É tanta graça lá fora passa
O tempo sem você
Mas pode sim
Ser sim amado e tudo acontecer
Quero dançar com você
Dançar com você
Quero dançar com você
Dançar com você

Onipresença amadiana


Em 10 de agosto de 1912, nascia o escritor grapiúna mais conhecido da literatura brasileira, o homem que se consagrou como o escultor da idéia mais promovida que se faz em torno das possíveis identidades baianas, o cronista de um tempo que, em sua linguagem poética e coloquial, derrubou fronteiras artísticas, e do âmago da sua escrita impôs o seu olhar traduzindo o que ele mesmo chamou de “a alma de um povo”. Seu nome é Jorge Amado.
Se estivesse vivo, Jorge teria completado 95 anos, com a marca de ser o escritor do Brasil mais traduzido em todo mundo. E de ter sido o responsável, no âmbito da arte, por despertar o interesse artístico, cultural e científico de importantes intelectuais espalhados pelo Ocidente, sobre o velho (hoje considerado por muitos como ultrapassado) mote da mítica baianidade litorânea, corporificada territorialmente pelas regiões que compreendem Salvador e o Recôncavo da Bahia.
Sua obra foi utilizada por outros meios comunicacionais, gerando novelas, películas cinematográficas, canções, esculturas, pinturas e estudos, exaustivos estudos crítico-literários voltados, em sua maioria, à tentativa de desqualificar o valor da obra amadiana como uma literatura à altura dos cânones brasileiros representados em nomes como Machado de Assis e Graciliano Ramos.
Jorge se consolidou como escritor ora íntegro ao título de grandeza, ora visto como o antecessor de Paulo Coelho, ou seja, popular, bem vendido, uma fábrica de palavras prontas a erigir “torpes estereótipos”, num texto vazio e repetitivo.
Mas ele foi e é maior que tudo isso. Um vetor de muitas comunicações que se espojou na cultura popular soteropolitana, pisando no chão, vivenciando uma realidade social nos anos 30, 40, 50, 60, 70, que muitos dos seus críticos não têm coragem de conhecer até hoje. Ele se abandonou ao mundo dos negros, e numa escrita simples, sem os ininteligíveis floreios, registrou num misto de poesia, etnografia, crônica jornalística, os meandros de um mundo saturado socialmente, mas promotor da identidade que perfila em hegemonia os traços diacríticos que nos diferem de outros lugares no Brasil: a herança cultural afro-baiana.
A força da sua literatura repousa na graça expressiva de um texto que pode ser alcançado por todos, numa linguagem que se inventa e nos invade por vias que se misturam à percepção e à intelecção, num entender que se define como corporal, inteiro, vivificante, e não meramente cerebral.
Cheio de estereotipias sim. Mas qual a literatura que não as tem? Será que Capitu além de imagens arquetípicas sobre a transgressão feminina, não serve também como o estereótipo atemporal da mulher como símbolo da traição?
O amado Jorge nos deixou em 06 de agosto de 2001. Até hoje guardo na memória o impacto de Capitães da Areia, que li nos meus doze anos e comecei daí a amar mais que tudo a palavra literária, descobri outras, mas ele se incrustou na minha memória afetiva, e como sentencia Adélia Prado: “o que memória ama fica eterno”.

Madonna


Nada de crise auditiva, de falta de assunto e polêmica. Revisita constante à mudança. Traços do todo aparente. Comércio e criatividade. Corpo que dança e um cérebro que pensa. A estrela da auto-promoção mais gostosa e eficaz no mundo da música pop. A maior fabricação da indústria cultural em todos os tempos. E todos ainda desejam ela: na cama, no palco, nas rádios, nos discos, nos vídeos... Qualquer simulacro. Maior que cantora, Madonna é a maior personalidade da dance music neste planetinha azulado. De volta. Madonna sempre volta.

Réquiem para a saudade


Para Michelle

Clara marca de algum silêncio. O meu pensamento a vagar pelas ruas de Porto Alegre, meus olhos a piorar o que vejo na Cidade da Bahia; menos o Mar. Clara marca de algum barulho e eu a me perguntar: o tempo esfriou de novo? Tantas coisas por dizer e até eu de coragem me calo... O amor nessa sua sombra de mim, martelando a vontade de outro lugar no corpo, na alma, no espaço. Prendo-me na tela da tv: novela das nove: Camila e Fred têm que ficar juntos: o que haverá de ser: um tipo de saída da realidade que me deixa na liberdade inócua desta minha cidade.

Quero-me na imensidão de uma canção do Djavan: Infinito. Perdido por alguém e sentindo o banho de alegria que a saudade faz existir, quando se sabe da proximidade deste alguém. Proximidade aérea e transacional. E melhor, marítima como água do sentimento que perpetua o encontro de dois. Um cheiro forte de pimenteira na minha janela e eu me perguntando: o tempo esfriou de novo? Beatles e essa minha incompetência, alhures estarei a sonhar nos cafés de Paris, ou quem sabe, em alguma sala de aula do Museu Nacional: o nome do que científico em mim só pode ser ANTROPOLOGIA. Olho no olho. Alegria. Encontro de dois. E minha memória chorando. Entradas para a pior das saudades. E escrevo no sentido da sedução.

E ela está aqui. O livro do Caio F. nas mãos, a fala gaúcha sem fala, uma conta de Ogum, os olhos na poesia Rabinovitz, o começo de uma nova caminhada, Salvador como acorde de esperança e abrigo. Um toque furtivo do braço e um vento diurno aquecendo o coração. Infinito: idéia e canção. Transmutação do corpo. Meu diário de gosto de tudo que foi a bordo da nossa viagem.

Clara marca de alguma saudade perfilando uma não despedida.Uma pintura menor, um filme maior, uma canção na voz de Billie; Marina Lima, meus cacos Renato Russo, minha salvação Bethânia, menos palavras, mais poesia, e tudo que se fala melhor do silêncio e da força do olhar. Hoje é dia.

Billie: réquiem para a saudade. O inglês que não tenho.O que sinto maior que linguagem. Fantasia: “a rosa mais linda que houver/para enfeitar a noite...”. O dia.

Meu coração é ensolarado, conserva-se em suas águas plácidas, ilumina-se de partículas de amor que sentiu por todos e todas, contempla a noite enamorando-a, mas é inteiro dia. Ensolarado em suas curvas e estradas e pedinte da constante poesia que cata ao chão da emoção que me traz vida.

O tempo esfriou de novo? Tudo que há em mim dialoga com a saudade?Até Salvador deixou de ser?Por que só tristeza me embala quando a maior cantora do mundo sibila sua dor em inglês?O Infinito do Djavan e Quase Sem Querer da Legião?

Meu mundo e minha cena são carinho! E me afago de mim para me dar com ternura e invalidar distâncias sem desrespeitar saudades que me inspiram de amor e bobagem e me ponho a escrever.

Queria saber dizer.Do lugar da minha infância por onde nada mudou. Intacto dizer. Das flores que carrego no jarro corpo meu de cor azul. Clarinho, clarinho. Dizer que a saudade não me consome, ao contrário, me alimenta a devolver fluidos de querer a tod@s que me arrebatam. Saudade me impele a persistir e a desenhar em mim os instantes, mesmo que só imaginários, de nada que se aparta e são “horinhas de descuido”. Minha felicidade.

O tempo esfriou de novo. E nada de degelos. Quero-me gaúcho abaixo de zero e estar lá para falar das entradas e saídas que esculpem a minha vontade de dizer: vem pra cá, viu? Meu coração é ensolarado e de maresia baiana. E Bethânia é a minha salvação.

HH


"Prelúdios-intensos para os Desmemoriados do Amor" - (Hilda Hilst)

I
Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.

II
Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.

Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Maria Bethânia


Quando se fala em Maria, e eu penso nela ou a vejo, eu sinto a vida se desfiando em cores e mistério. Às vezes, tudo é muito vermelho, noutras azul marinho. Tem um dourado que aponta para satisfação e sucesso; um branco que equilibra... E pulula a idéia de que nascemos para paixões, realizações, resoluções e criatividade.
Maria me vem na forma de água para criar vida. Depois queima e nos faz queimar. Caminha sobre a terra dominando este elemento; é um tipo de vento figurando as folhas – e quando canta, sua forma animal transmuta-se em estrela – e brilha.
Brilha para seduzir magneticamente o meu olhar – que se afeta e se enxerga na tradução não-linear que ela faz do nosso povo e nos inscreve no desenho multicor da sua emoção.