terça-feira, 8 de julho de 2008

Senhora da Beleza


Seu nome é Maria Bethânia. Uma das mais representativas cantoras brasileiras de todos os tempos. E mais uma vez do palco do Teatro Castro Alves, nos dias 25 e 26 de abril deste ano, ela esparramou sobre os baianos a poesia do seu cantar, acompanhada da dama da canção cubana, D. Omara Portuondo. Foram noites inclinadas à mais alta musicalidade erguida entre os latino-americanos herdeiros das sonoridades africanas.

Mas a intenção deste artigo é falar especialmente sobre a presença de Bethânia na nossa canção na atualidade. O que o tempo fez com a voz daquela mulher? Como a inteligência daquela mulher tem nos presenteado nos últimos dez anos, em matéria de arte e de registro, com o melhor da cultura brasileira?! Impossível traduzir essas respostas em poucas palavras. Difícil fazer com que muitos outros, distantes dos produtos artísticos lançados ao mercado pela cantora e das imagens de Brasil que seu canto imprime, compreendam a ultrapassagem do seu ofício do âmbito exclusivo da indústria do entretenimento.

A força do trabalho de Maria reside em sua intenção de apresentar aos brasileiros um Brasil, mesclado de urbanidades e ruralismos, invenções negras e indígenas, de tradições lusitanas, espanholas, mouras, africanas. Alcançando assim, dimensões que muitas vezes ficam fora da grande mídia e não são tratadas por outros artistas da mesma estatura dela. E ela, por pura engenhosidade, tem prestado serviços à antropologia brasileira com seus últimos CD’s Brasileirinho, Pirata e Mar de Sophia. Tem cantado o mar e o sertão, o amor e a pobreza, as matas e os rios, transitado pelas religiões para inscrever na memória deste País a força da sua fé refletida na fé do povo do Brasil.

Maria demonstra ao longo de uma carreira de quarenta e três anos a sua leitura sobre a chamada MPB, elenca compositores antigos e contemporâneos, jovens e velhos, homens e mulheres, revelando a grandeza da palavra cantada, dignificando o formato “canção” e fazendo valer o destaque que nossa música ocupa internacionalmente. Dona de uma voz possante, afinadíssima, incomum, cantando como nunca, em tempos atuais ela enterra os dizeres reducionistas que insistem em qualificá-la como “intérprete” para negar a sua potência como cantora, uma das maiores do mundo na contemporaneidade.

Uma trajetória de evolução vocal e competência artística que fez de Maria um dos modelos mais significativos para narrar a história do nosso cancioneiro no século XX e os seus avanços, as suas transformações; uma mulher que, através da garganta, dos sinais diacríticos inscritos em seus gestos e corpo, leva para o planeta, as idealizações poéticas de Jorge Amado e Dorival Caymmi – mentores desta Bahia nascida entre Salvador e o Recôncavo, que como azeite, manchou a memória da gente.

Senhora da extrema beleza, que quando canta, como poetiza Antonio Cícero, sentimos que “nascemos para lendas, mares, amores, mortes serenas”.

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