quarta-feira, 9 de julho de 2008

Sob a égide das águas




Fevereiro se foi levando centelhas de traumas e agonias que me atormentaram durante dois anos. Foi um mês, em um ano que mal começou, e que me trouxe inestimáveis experiências e conquistas. Uma vitória árdua sobre minha incompetência acadêmica e sobre minhas dificuldades lingüísticas: tornei-me, finalmente, mestre em Estudos Étnicos e Africanos pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, confirmando a tônica da vida daqueles que acreditam, persistem e realizam apesar de todos os pesares.

Fevereiro! Mês de Iemanjá, senhora de todas as águas, detentora da proteção maior, signo da grande maternidade, aquela que acumula belezas e sedução e é mãe, mãe acima de qualquer razão, voz que aquece o coração de quem a escuta; dona dos alimentos marinhos e que recebe dos pescadores, por gratidão, os mais belos presentes e os mimos que só as verdadeiras rainhas devem obter.

No “Dois de Fevereiro” deste ano, a rainha das águas ganhou a sua mais bela festa em todos os tempos, uma decoração à sua altura, e por conta do carnaval, uma programação que teve Miúcha, Daniel Jobim, Marianne de Castro, Caetano Veloso, e uma das maiores cantoras do Brasil na atualidade, a grande Jussara Silveira, que sob o comando do genial Carlinhos Brown, louvaram com o melhor da nossa música o orixá mais popular do Brasil.

Neste ano bissexto, fevereiro em seus 29 dias, teve um carnaval “antecipado” e na Cidade da Bahia, cada vez mais confusa, violenta, racista e injusta, com seu constante clima de balneário, na iminência de perdas econômicas com o turismo, esticou sua vocação de “fábrica de alegria” e promoveu belos espetáculos em áreas como o Pelourinho, trazendo o “ Recife” para demonstrar que o carnaval pernambucano possui ultimamente mais frescor, inventividade e espontaneidade do que o nosso.

Fevereiro se foi revelando índices de violência em Salvador que envergonham os maiores militantes humanistas, propagadores da tal civilização ocidental, lotada de cristandade e de avanços científicos, de brilho acadêmico, e cada vez mais torpe e anti-humana. Neste mês, em que um mito sobre águas e mãe veicula por nosso imaginário, tivemos a grave sensação da desproteção e do descaso em relação à vida humana que habita esta nossa cidade.

Como tudo poderia ser diferente! Em nós sempre o mesmo pedido: coragem. Para habitar Salvador, para arranjar emprego, para aprender português, para andar de ônibus, par lidar com o outro... Coragem, ousadia e solidariedade. Como cantaria Maria Bethânia, “a destemida Iara, água e folha da Amazônia”, e ainda mais Iemanjá: “Você não me pega, você nem chega a me ver, meu som te cega careta, quem é você?”.

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