domingo, 31 de janeiro de 2010

Pedra e Areia ( outras moradas da Rainha)


Segunda Homenagem 2010
É bonito se ver na bera da praia a gandaia, das ondas que o barco balança
batendo na areia molhando os cocares dos coqueiros como guerreiros na dança
ohhh....quem não viu vá ver, a onda do mar crescer
ohhh....quem não viu vá ver, a onda do mar crescer
ohhh....quem não viu vá ver, a onda do mar crescer
ohhh....quem não viu vá ver, a onda do mar crescer
Olha,
que brisa é essa?
Que atravessa a imensidão do mar
Rezo,
paguei promessa e fui a pé daqui até Dakar
Praia, pedra e areia, boto e sereia, os olhos de Iemanjá
Água! Mágoa do mundo, por um segundo achei que estava lá
Olha,que luz é essa?
Que abre um caminho pelo chão do mar
Lua,
Onde começa e onde termina o tempo de sonhar?
Praia, pedra e areia, boto e sereia, os olhos de Iemanja
Água! Mágoa do mundo, por um segundo achei que estava lá
Eu tava na beira da praia ouvindo as pancadas das ondas do mar
não vá....Ohh morena, morena lá que no mar tem areia.
Lenine
P.S: Iemoja vive na imensidão do mar do Brasil. Ela é verde-azul. Baleia Sereia Golfinho.

Dolores Duran, escritos ao coração

Dolores Duran
Ouvi-la é se acender por dentro. Ficar a viajar pelos trajetos memorialistas do coração. Dói pra caramba! Ela morreu em 1959 ( mesmo ano em que Billie Holiday também morreu), com apenas 29 anos e, ainda assim, é um nome sagrado na composição brasileira: grande compositora e cantora, a moça levava para o palco a sensação desesperadora de se querer um amor e falava, ou melhor, cantava os estragos que a solidão ocasiona numa alma sensível. Rainha da fossa, sim. Nítida vontade de cantar o amor perdido ou se perdendo, um pouco assim:
Eu desconfio que o nosso caso está na hora de acabar
Há um adeus em cada gesto, em cada olhar
Mas nós não temos nem coragem de falar
Nós já tivemos a nossa fase de carinho apaixonado
De fazer versos, de viver sempre abraçados
Naquela base do só vou se você for
Mas, de repente, fomos ficando cada dia mais sozinhos
Embora juntos cada qual tem seu caminho
E já não temos nem vontade de brigar
Tenho pensado, e Deus permita que eu esteja errada
Mas eu estou, eu estou desconfiada
Que o nosso caso está na hora de acabar.
Fim de Caso é um clássico do nosso cancioneiro e já foi gravado infinitas vezes, as gravações mais intensas são as da própria Dolores, a de Nana Caymmi ( que fez um disco tributo para a artista) e de Maysa; a mais sublime está na voz de Gal Costa.
O desespero saudoso de Duran pode ser percebido em Por Causa de Você, outro clássico:
Ah, você está vendo só
Do jeito que eu fiquei
E que tudo ficou
Uma tristeza tão grande
Nas coisas mais simples
Que você tocou
A nossa casa querida
Já estava acostumada
Guardando você
As flores na janela
Sorriam, cantavam
Por causa de você
Olhe meu bem nunca mais
Nos deixe por favor
Somos a vida e o sonho
Nós somos o amor
Entre meu bem por favor
Não deixe o mundo mau levá-lo outra vez
Me abrace simplesmente
Não fale, não lembre
Não chore meu bem
(Tom e Dolores)

Agora, para conhecer poeticamente as asperezas e as inspirações que a solidão traz: Noite de Paz, na voz de Nana, é claro, para nos destruir com as imagens da saudade noturna, a letra:

Dá-me, Senhor
Uma noite sem pensar
Dá-me Senhor
Uma noite bem comum
Uma só noite em que eu possa descansar
Sem esperança e sem sonho nenhum
Por uma só noite assim posso trocar
O que eu tiver de mais puro e mais sincero
Uma só noite de paz pra não lembrar
Que eu não devia esperar e ainda espero.
Ainda é janeiro em Salvador, estas coisas não chegam bem com muito sol; mas Dolores é eterna para quem ama ouvindo o melhor da Música Popular Brasileira e sente que o sentido da espera acabou, mas levou consigo nossas noites em paz e com sono. Ave Dolores Duran!

sábado, 30 de janeiro de 2010

Iemanjá: Senhora de tudo em mim

Iyá Ogunté
No Rio Vermelho

Cria Dela

Primeira Homenagem 2010

Salve minha mãe: marco da minha poesia.

Por quem vale a pena dobrar muitos cânticos.

Ilumina meu ori na luz de suas águas, me inspira

Senhora de tudo em mim!


CLARICE NA CABECEIRA



Ele pode ficar ali, na cabeceira.Todos de Clarice podem. Os contos são os mesmos, aqueles lidos e relidos muitas vezes. Corri para ler os textos de apresentação de Maria Bethânia e Malu Mader. Bethânia me deixou com água na boca, se disse não estar à altura de apresentar qualquer obra da maior escritora brasileira, imagine só... Comprei o livro, em saltitante alegria, por causa das três. Clarice me é outro tipo de religião. Depois do Candomblé, é claro.
Agora, Maria, que faço eu que já me atrevi a comentar tanto a obra de Clarice como a sua? Só posso me envergonhar e me desculpar...
"Não posso fazer um texto sobre Clarice. Minha admiração por ela e pelo trabalho dela, sua obra, me obriga a reconhecer que não sou capaz de comentar o que for sobre sua obra."
Maria Bethânia

Do lugar Gal Costa: a Bahia que encanta "ad infinitum"

Gal e seu maior parceiro, Caetano Veloso
Gal e seu violão ( também pode)

Gal ( Esta Noite Se Improvisa)


Arena canta Bahia


Estas imagens são um manifesto: elas pedem a presença da cantora no cenário cultural brasileiro. São imagens que narram o passado de quando a grande artista surgiu. Hoje ela é uma diva sumida e o Brasil sente falta. Da voz doce dos ventos que refresca e embeleza a alma da gente. Daquela coisa que não se explica e melhor se entende porque quando se ouve se sente e se sabe catagoricamente...
O maior artista da canção brasileira na atualidade, uma espécie de doutora em cultura popular, Maria Bethânia, disse:
"Há três grandes vozes no mundo; as mais bonitas. A de Billie Holiday, a de Dalva de Oliveira e a de Gal Costa".
Volta, Gal: cantando Chet Baker.

Gal Costa e Chet Baker

Gal
Dessa vontade de querer viver dentro da música. Entre sussurros e agudos que impressionaram o mundo e guardar prazer absoluto na memória. Entrelugares da emoção desenhados pelo trompete à espera da voz. O sussurro de um canto masculino, íntimo, frágil e profundo trazendo cenas de vida e de morte, fazendo doer no lado mais cool do silêncio. Uma das vozes mais lindas nascidas no ser humano. Soar que se entrega a deslizes sendo a perfeição. O estar de um país, pelo tombo do canto que brilha, na dianteira do melhor que a música faz: canção brasileira mulher. Outro lado João ligando-se ao igual trompete que a chama.
Mulher musicalidades. Homem sonoridades-sentimento. Junção no tempo que insiste em não se encontrar. Voz deslumbre em língua portuguesa, fronteira do que se pode chegar renascendo a vida de uma cantora à musica de um mestre popular como ela - vitrais de uma promessa que precisa se cumprir. Tudo muito exatidão. Urgente! Mesmo neles que são imorredouros.


sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Da liberdade




"O que não me destrói me fortalece"
De uma profunda insistência, após a resistência que perfila o desejo de querer estar aqui, brota o nascedouro d'água que cria o sentido de liberdade que quero para mim. Quero meu sorriso comigo e eu me abrigando em asas em mares em praias em lugares - me abrigando em mim da forma mínima do meu desejo e na realização plena do meu viver... Não quero fazer planos, deixem em mim acontecer; deixem que eu me veja no agora de portas abertas para brisa e novidades entrarem... O inesperado bom neste prazer de se sentir vivo apesar de tanto morrer.
De uma profunda vivência, riscada de sofisticação e pieguice, meninice e amadurecer, lentidão e ansiedade, carinho e violência, isolamentos e carnaval; apesar de tudo, na duração contínua de minha fé - os golfinhos nos mares, a águia nos ares e eu, sozinho, melhor companhia, caminhando pelo quintal da minha casa, no quando da experiência salvadora e minha deixa de verdade pelas vias da liberdade que vivencio agora.
Liberdade de mim pela busca do real silêncio, inclinado a pincelar artes e me verter em terapias suaves a favor da cura que já me habita.
Liberdade nesse meu querer castanho indo ao azul da sorte - indo indo indo por onde eu desejo ir.
Nada de lamentações - uma ode à minha audição minha visão meu paladar meu olfato meu tato em movimento e este meu sorriso que pode gargalhar. Eu que sinto. Preciso sentir e jamais mentir para mim e jamais secar as lágrimas que me fazem deslumbrar pelo mundo que está dentro e fora de mim. Isso é amor. E eu já sei alcançar.



quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Mistério: alicerce da fé


É como se não houvesse outro lugar e esta experiência, a de habitar o mar, fosse dávida, alto merecimento, o sentido de felicidade contínua; algo inumano - entre o ser animal e a divindade líquida. Os olhos à espreita da beleza que o sol nos entrega todo dia e se pudesse banhar a todo tempo em água salgada e fantasias. E se pudesse plenamente a vida. Desse excesso que nos chega em cheiro e visualmente atende o prazer de se ser tropical. Desse excesso que alivia a alma dos tormentos - intensa paisagem que abriga inspira aquece viceja impele azuleja: mar sem palavras nas serenas investidas do corpo que existe para além das evidências. Aconchego diurno e noturno do mistério que alicerça uma fé: a minha.

Jussara Silveira, de férias, em Salvador: ô alegria!



Sem nenhuma vontade de fazer colunismo social, eu também não tenho nada contra esse tipo de jornalismo, mas a intenção aqui é noticiar que, a Cidade da Bahia, neste janeiro de 2010, já pode contar com a presença de uma das suas mais importantes cantoras: a minha outra paixão, Jussara Silveira.
E como tinha de ser, ela chega para cantar no projeto mais inteiro, divertido e elegante deste verão: o Samba da igreja, que tem como anfitriões Sandrinha Simões e Mazzo Guimarães. E como Deus tem me atendido, ela canta no mesmo dia de Márcia Short. Isso é para nos esparramar de samba e poesia - a leveza marítima de Ju, a força afinada de Márcia, o Samba da igreja - aquela gente linda, e a vida se ofertando: ô alegria. Só faltou Tiganá Santana.
Serviço
Projeto musical: Samba da igreja
Cantores: Mazzo Guimarães e Sandra Simões
Convidados: Jussara Silveira e Márcia Short
Local: Espaço Cultural Igreja da Barroquinha (ao lado do Unibanco Glauber Rocha)
Dia: 01 de fevereiro, às 20h.
Ingresso: 30/15
Sentença: Imperdível!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Contra as presenças tirânicas







"Canto para anunciar o dia
Canto para amenizar a noite
Canto pra denunciar o açoite
Canto também contra a tirania"
Ogunhê! Vence esta guerra contra os doentes do poder - os sem paz, sem ternura, sem poesia, sem significação.
Atravesse com os símbolos da sua espada a arrogância inoperante e corrupta que avassala gente e destrói a Natureza.
Defende os justos com sua força bélica e com a dinâmica do seu movimento derrube os tiranos, afaste-os e inaugure o novo.
Bravo Senhor da fúria invencível, criador das contendas que transformam o mundo - como seu irmão, meu Pai, e sua mãe, minha Mãe, lute por nós, amplie esta guerra, nos faça vencer a tirania e depois sejamos paz.
Ogunhê - Senhor do verdadeiro poder, facilitador das tecnologias , chegue até aqui invalidando o laço do passarinheiro e pisando a cabeça da serpente fracassada e dos seus piolhos venenosos.
Ogunhê - canto para denunciar o açoite, para vencer o veneno destes dias e para trazer inspiração cultural.
Canto para novos dias em todos os lugares desta Terra e corto a cabeça do derrotado com a minha espada que pertence a Ogunté, a Guian e a Ogum!

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sem rosto


Ela era o que não sabia e sentia o mundo pelo olhar. Naquele sentido estava o seu vago destino. Haveria coisas demais nas existências alheias e assim, ela esquecia de se perguntar sobre si. Solta pelas ruas e como sempre, anônima: seu único privilégio, caminhar notando sem jamais ser notada, marcada, reconhecida... Uma mulher para muitos mas ninguém a percebia. Não tinha apreço por poesia, literatura só erótica; o melhor em sua vida era caminhar ao som de músicas. Estranhamente: só instrumental. E tinha sede e desejava os homens, ria e chorava quando o assunto era mulheres. Eu sou uma anomalia? O que sigo ou faço para ser igual aquela vestida de verde água? Meu tempo é quando? E nisso, parcamente, se questionava sem perceber o solitário e o inusitado de algumas ideias suas bem menores que suas dúvidas sobre isso de ser mulher e de ser homem. Juntar-se sob a lógica do amor? Não, ela ardia por sexo e vivia do luxo de encontrá-lo das maneiras mais porcas toscas violentas e rápidas e negar o delicado maior que vestia sua vida: ela mesma, solta na rua, de vermelho e incógnita, à procura do prazer ligeiro e desnecessário para sua alma de abnegação. Mas o corpo tinha e queria exercer identidade. Puta, diriam. E ela nua sem vulgaridade gozando numa intensidade jamais vista. Eu sou meio homem, eu tendo para o quê?
Caminhar caminhar caminhar era o passar do seu tempo. O trabalho era a exata obtenção da sobrevivência; lugar de perversidade e adversidade, de tenebroso sofrer. Melhor que aguardar o banho noturno em sua casa, era a expectativa das ruas vazias, suas encruzilhadas, e o que muitas vezes encontrava: homens sem perguntas sem respostas sem sentimentos sem endereços e graças, também sem nomes. Sexo era a sua condição. O oculto que a impelia ao silêncio. Detestava amizades. Uma tia para visitar em finais de semana. E ela faltava sempre que encontrava sua meta em vias públicas. Mulher sofisticada. Assustadoramente calada. Será que sou meio homem? Perguntava fugindo de qualquer resposta. Trabalho, trepo, ando , ouço, vejo, como pouco, visto vermelho, odeio água fria, rios e mares; eu sou uma vaca uma cadela uma égua uma melhor. Sou a melhor mulher do mundo sem temer violência solidão pobreza doença falta de sentido de compromisso de afinidade de família... Sou da espécie gata, felina e não ferina, porque no sexo, a arranhada sou eu.
Odeio espelho e odeio cartas - nunca as recebi. Minha máscara é meu vazio. Não preciso de fingimento e só lamento falta de sexo.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Maria Bethânia, Doutora Honoris Causa

Maria

Toda vez que leio Mario de Andrade fico fascinado com parte de seus escritos que o revelam como grande etnólogo. E é pensando nele, em sua grandeza analítica sobre nossa diversidade, sobre o mundo "caboclo" no Brasil que é tão ocultado de nós brasileiros, que me atrevo com humildade, serenidade, capacidade crítica, olhar antropológico e lítero-musical, a sugerir às autoridades nos Conselhos Universitários da UFBA e da UNEB, que cometam o ineditismo, o vanguardismo acertado, de titular a cantora Maria Bethânia com a honraria, à altura dela, de Doutor Honoris Causa. Acredito que a antropologia agradeceria e nomes como Jorge Amado, Caio Fernando Abreu, Julio Cortázar, Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ferreira Gullar, assinariam, em vibração, embaixo. E se Mario Andrade estivesse vivo se veria muito no trabalho artístico de Bethânia e, em artigo na Folha de São Paulo, pediria a imponente USP que conferisse esse título à cantora; título que a Academia baiana deve a ela.


Adeus, Itaparica

Retirado do Terra Magazine/Bob Fernandes

João Ubaldo Ribeiro

Da Ilha de Itaparica (BA)

Como todos os anos, vim a Itaparica, para passar meu aniversário em minha terra, na casa onde nasci. Casa de meu avô, coronel Ubaldo Osório, que fez pouco mais na vida que amar e defender a ilha e seu povo. De lá para cá, muito se tem perpetrado para destruí-los física ou culturalmente e há nova tentativa em curso. Trata-se da anunciada construção de uma ponte de Salvador para cá. Isso é qualificado, por seus idealizadores, de progresso.
Conheço esse progresso. É o progresso que acabou com o comércio local; que extinguiu os saveiros que faziam cabotagem no Recôncavo; que ao fim dos saveiros juntou o desaparecimento dos marinheiros, dos carpinas, dos fabricantes de velas e toda a economia em torno deles; que vem transformando as cidades brasileiras, inclusive e marcadamente Salvador, em agregados modernosos de condomínios e shoppings acuados pela violência criminosa que se alastra por onde quer que estejamos enfurnados, ilhas das quais só se sai de automóvel, entre avenidas áridas e desertas de gente.
Também conheço os argumentos farisaicos dos proponentes da ponte, ávidos sacerdotes de Mamon, autoungidos como empresários socialmente responsáveis. Na verdade, sabem os menos ingênuos, eles se baseiam em premissas inaceitáveis, tais como uma visão imediatista, materialista e comprometida irrestritamente não só com o capital especulativo, que já está pondo as mangas de fora no Recôncavo, como aquele que investe aqui usando os mesmos padrões aplicados em Pago-Pago ou na Jamaica. A cultura e a especificidade locais são violentadas e prostituídas e o progresso chega através do abastardamento de toda a verdadeira riqueza das populações assim atingidas.
As estatísticas são outro instrumento desses filibusteiros do progresso que em nosso meio abundam, entre concorrências públicas fajutas, superfaturamentos, jogadas imobiliárias e desvios de verbas. Mas essas estatísticas, mesmo quando fiéis aos dados coligidos, também padecem de pressupostos questionáveis. Trazem à mente o que alguém já disse sobre a estatística, definindo-a como a arte de torturar números até que eles confessem qualquer coisa. E confessarão, é claro, pois Mamon é forte e sempre esteve na crista da onda.
Mas não mostrarão que esse progresso é na verdade uma face de nosso atraso. Atraso que transmutará Itaparica num ponto de autopista, entre resorts, campos de golfe e condomínios de veranistas, uma patética Miami de pobre. E que, em lugar de valorizar o nosso turismo, padroniza-o e esteriliza-o, matando ao mesmo tempo, por economicamente inviável, toda a riqueza de nossa cultura e nossa História. Quem não é atrasado sabe disso. Para não cometer esse tipo de atentado é que, em Paris, por exemplo, não se permite a abertura de shoppings onde isso possa ferir o comércio de rua tradicional.
Tampouco, em Veneza, as gôndolas foram substituídos por modernas lanchas. Num país não submetido a esse estupro sócio-econômico e cultural, os saveiros seriam subsidiados, as antigas profissões, o artesanato e o pequeno comércio também. Exercendo a vocação turística de toda a região, teríamos razão em nos mostrar com tanto orgulho quanto um europeu se mostra a nós. Mas nosso destino parece ser acentuar infinitamente a visão que enxerga em nós um país de drinques imitando jardins, danças primitivas, pouca roupa e nativas fáceis.
Adeus, Itaparica do meu coração, adeus, raízes que restarão somente num muro despencado ou outro, no gorgeio aflito de um sabiá sobrevivente, no adro de alguma igrejinha venerável por milagre preservada, na fala, daqui a pouco perdida, de meus conterrâneos da contracosta. Sei em que conta me terão os que querem a ponte e não têm como dizer que só estão mesmo é a fim de grana, venha ela de onde vier e como vier. Conheço os polissílabos altissonantes que empregam, sei da sintaxe americanalhada em que suas exposições são redigidas e provavelmente pensadas, como convém a bons colonizados, já ouvi todos os verbos terminados em "izar" com que julgam dar autoridade a seu discurso. É bem possível que a ponte seja mesmo construída, mas, pelo menos, não traio meu velho avô.

P.S.: Importante que se reflita muito sobre as coisas ditas acima. É assunto para um longo debate antes das decisões modernosas que possam destruir Itaparica e a Baía de Todos os Santos. Tenhamos cuidado, muito cuidado com a natureza da Bahia; cuidado com as águas de Iemanjá!

sábado, 23 de janeiro de 2010

Vazio d'alma

Lenita Jankovitz - "Vazio d'alma" - acrílica sobre tela - Nova Odessa/SP

Sensação
Pelas tardes azuis do Verão,
irei pelas sendas,
Guarnecidas pelo trigal,
pisando a erva miúda:
Sonhador,
sentirei a frescura em meus pés.
Deixarei o vento banhar minha cabeça nua.
Não falarei mais,
não pensarei mais:
Mas um amor infinito me invadirá a alma.
E irei longe, bem longe,
como um boêmio,
Pela natureza, -
feliz como com uma mulher.

Para ver gozo e silêncio

Psiu!!!

Ao que se espera

" Farto de ver. A visão que se reecontra em toda parte.
Farto de ter. O ruído das cidades, à noite, e ao sol, e sempre.
Farto de saber. As paradas da vida. - Ó Ruídos e Visões!
Partir para afetos e rumores novos."
Rimbaud
Imagens migratórias no olhar que se encerra cansado. Este fastio sem tradução do peito pedindo, se possível, o tato do novo cheirando a manhãs diferentes. Vontade de estar nu na companhia de alguém que a alma escolheu e falar bem alto sobre o que o desejo, por vergonha, tenta esconder. O novo é ser outro? Caminhar entre penumbras, dormir nos matagais da imaginação, alvorecer uma espécie de escândalo, saber morrer, reviver pintando um quadro com a cara do afeto verdadeiro; alcançar afetos verdadeiros, novos amigos, novas esquinas, novos problemas. Ter aqui alegrias intensas soltando poesia ao vento. Chorar miudinho ao espelho que reflete o novo chegando. Estar numa nova cidade aprendendo coragem, tendo prazer, combinando solidão e realização, perto de saúde, mar, cinema, teatro, galerias, bares, prostíbulos, saunas, e muitas livrarias... Muitas livrarias e museus, bibliotecas e um pouco de gente legal realmente nobre e agradecida.

Congresso discute canto, arte e trajetória de Maria Bethânia

Maria

Marlon Marcos
Especial de Salvador (BA)
Para o Terra Magazine
Nos dias 4 e 5 em Salvador e no dia 6 de fevereiro em Santo Amaro da Purificação (BA), vai se realizar o Congresso Brasileiro sobre o Canto e a Arte de Maria Bethânia em 45 anos de Palco, evento dedicado a analisar sua trajetória artística numa perspectiva científico-acadêmica, envolvendo estudos multidisciplinares que abrigam a antropologia, a história, a sociologia, teorias comunicacionais, análise do discurso, letras, literatura, poesia, cultura popular, artes visuais, cordel e música.
Pela primeira vez a obra de uma intérprete da Música Popular Brasileira é discutida sócio-antropologicamente através de leituras científicas e artísticas para revelar o seu conteúdo de relevância sócio-cultural que exprime identidades e identificações no nosso país.

O congresso, de projeção nacional, contará com nomes como o da professora mineira Lúcia Castello Branco, do sociólogo Milton Moura, da editora Leila Name, do maestro Jaime Alem, do poeta e compositor José Carlos Capinan, do compositor Roque Ferreira, do músico Roberto Mendes, de Gerônimo, da dramaturga Aninha Franco, do sociólogo e cantor Carlos Barros, da poeta e irmã da cantora, Mabel Velloso, do compositor Jota Velloso e da professora fluminense Vânia Aparecida, entre outros. Os nomes representam a diversidade a que o evento se propõe e todos partem do princípio de que um trabalho com a qualidade como o de Maria Bethânia, serve como instrumento de investigação social, no caso dela, etno-histórica, para compreender as perfilações culturais que traduzem o povo brasileiro.
As marcas estéticas e os caminhos artísticos trilhados por Maria Bethânia a colocam num lugar de destaque no nosso cancioneiro no que se refere a elementos da cultura afro-brasileira, à difusão da poesia de grandes literatos portugueses e brasileiros, à intertextualidade entre canção e teatro, a recursos cênicos que tratam da paisagem nativa nacional, evocações do nosso ruralismo, utilização da literatura entremeando nossas identificações regionais; a cantora é incansável em sua busca por traduzir com seu canto parte desta complexidade chamada identidade cultural brasileira.
Em sua construção sócio-existencial, de mulher baiana, mulata (ou mais amplamente negra), próxima de duas matrizes religiosas, o candomblé e o catolicismo, conhecedora dos traços da criação popular em sua cidade natal, Santo Amaro da Purificação, Maria Bethânia é a porta-voz artística das coisas grandes que a cultura popular produziu entre nós; ela leva para o palco fragmentos narrativos de mitos afro-brasileiros, sua voz quando canta, muitas vezes, conta a história de como foi desenhada a Bahia litorânea, do Recôncavo, entre a abundância de água e a força seca do sertão dali tão próximo. Ela é a caipira que se sofisticou e não quis deixar de ser caipira. Como Clarice Lispector que é a própria Macabéa, Maria Bethânia é um griô afro-baiano universalizando, de modo respeitoso e fragmentado, mitos e ritos que compõem o imaginário sagrado do povo-de-santo, o povo do candomblé, do estado em que ela nasceu. E é inquestionavelmente brasileira, representando a força musical deste país no mundo. Por está tão ligada a aspectos identificatórios do que percebemos como Brasil, talvez Bethânia seja a cantora mais universal que temos viva e, sem dúvidas, sua ativa presença no cenário da canção há quarenta e cinco anos, escolhendo cantar o tipo de Brasil que escolheu como seu, como podemos verificar no clássico Brasileirinho (2003), lhe confere o título de Doutora Honoris Causa em antropologia. A Universidade Federal da Bahia deve isso a ela.
Portanto, o Congresso Brasileiro sobre o Canto e a Arte de Maria Bethânia traz para o centro das discussões acadêmicas uma intérprete que se imprime como uma autora, que usa sua inteligência, sua voz e seu talento artístico para pensar e dignificar o povo de seu país. Celebra também os 45 anos de carreira da artista, que serão completados em 13 de fevereiro de 2010 (data oficial da estreia de Maria Bethânia no antológico Opinião, no Rio de Janeiro). É uma realização da Associação Cultural Rosa dos Ventos - Bahia, que tem como membros organizadores Neide de Jesus (idealizadora do Congresso), Joaquim Amaral, o autor deste artigo e Andréia Vieira.
Serviço:
Evento: Congresso Brasileiro sobre o Canto e a Arte da Maria Bethânia em 45 anos de Palco.
Realização: Associação Cultural Rosa dos Ventos - Bahia.
Local: Teatro Martim Gonçalves
Endereço: Rua Araújo Pinho, s/n, Canela - Salvador-Bahia
Dias : O4 e 05 de fevereiro de 2010, das 9:00 às 18horas.
Investimento: 40 reais
Inscrições: www.mariabethania.com ou pelo telefone (71) 9982-5805 (ainda há 50 vagas).
Obs.: as atividades do dia 06/02/2010 transcorrem em Santo Amaro da Purificação e correspondem a um passeio cultural e turístico pelos locais mais amados pela cantora Maria Bethânia nesta que é a sua cidade natal.

Márcia Short canta e vive em Salvador

Márcia

Baby Consuelo


Short


Eu devo ter ideia fixa. Se sofro de alguma espécie de doença causada por senilidade, ou se minha alma sofre de saudosismo agudo, não sei... Eu só sei que sou inconformado por ver Margareth Menezes (palco principal) e Márcia Short fora do Festival de Verão. Sou inconformado por tantos minimizarem o talento absurdo da cantora que mais entende do carnaval baiano: Márcia Short. Ela é a grande herdeira ou reinventora do legado Baby Consuelo - pra mim, Baby é para o carnaval baiano o que Carmen Miranda é para a música brasileira - e quando sobe ao palco domina plateias com vigor, humor, jovialidade, espontaneidade autêntica, e deve, lá no fundo, envergonhar as musinhas platinadas que estrelam este fustigado carnaval soteropolitano. Não quero negar espaço para ninguém, até acho mágico Ivete Sangalo, bela voz, cantando Sá Marina, Beleza Rara e Muito Obrigado Axé( claro que aqui a mágica maior vem da maestra); e sei das coisas boas que o Axé nos trouxe, inclusive a própria Márcia Short.

Só quero ver perfis nos jornais baianos com Márcia Short; vê-la em programas televisivos, saber da abertura de rádios para tocar suas músicas, de gravadoras abrindo espaço para a sua voz brilhar em nossa audição e balançar nossos corpos. Eu quero vê-la viver dignamente de sua música, sem precisar comprar jatinho nem habitar a Morada dos Cardeais; quero experimentar aquele talento afro-latino- americano cantando outros repertórios e saber que com um pouco mais de quarenta anos ainda se está inteiro para fazer canções, fazer alegria, fazer carnaval e cantar Música Popular Brasileira com a vontade de quem quer acertar e melhorar, em qualidade, a vida de outros brasileiros.
Nisso Márcia é igual a verdadeira musa da Axé Music, a grande Daniela Mercury , que deve ter aprendido muito com Short.
****
Ontem, pagando apenas 5 reais vivi o êxtase do carnaval: A maravilhosa Banda Didá, com duas boas cantoras, aliás uma delas é excelente, trouxe Short para a Tereza Batista, e em uma hora de show a gente vivenciou a qualidade vocal e o delicioso repertório desta mulher, que felizmente canta, pelos menos, dois dias no carnaval 2010.
Carlinhos Brown por que você não faz uma música especialmente para a voz de Márcia Short? Por que não a convida para o Sarau? A negona é nossa e como você, é escola, é patrimônio.
Não me venham falar de novidades mercadológicas: existem religiões, e a mídia adora isso, em torno do Chiclete, do Asa de Águia, do Jammil, meu Deus! Sem novidade nenhuma.
Por que Margareth Menezes quase perdeu todo espaço que ganhou com muito esforço: falta de inteligência? Será que Claudia Leitte, que é chamada de cantora na terra de Gal Costa, é tão inteligente assim? É lindo reforçar padrões europeus na terra em que os gênios são negros: Dorival Caymmi, Gilberto Gil, Batatinha, Emanoel Araújo, Virgínia Rodrigues ( gênio do canto), Gaiaku Luiza ( sabedoria maior), Tiganá Santana...
Repito: Márcia Short, uma das cantoras melhores do Brasil, mesmo gritando , às vezes, como a acusam, canta e vive em Salvador; é cria do nosso carnaval, especialista nesta festa; está linda, tinindo com a nova maternidade - portanto, deem a ela o que é dela de direito: Palco Carnaval Reconhecimento Bahia!



































sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Congresso Brasileiro sobre o Canto e a arte de Maria Bethânia em 45 anos de Palco


Corram: só restam 50 vagas!
Inscrições pelo site: www.mariabethania.com /ou pelo telefone (71) 9982-5805

Márcia Short e Banda Didá: pura animação musical

Márcia Short
Didá
É hoje, a partir das 20h., a vibrante banda Banda Didá incrementa seus ensaios nas sextas-feiras, na Praça tereza Batista, no Pelourinho. Nesta noite, entra no palco, às 21 h., Márcia Short e seu canto experiente, uma das vozes mais lindas que se pode ouvir nesta cidade. Acima de carnavais, balance o corpo e a alma ouvindo Márcia Short acompanhada da Banda Didá. O ingresso só custa 5 reais!

Samba da igreja: o evento mais agradável do verão baiano


Deveria ser o projeto mais franquentado deste verão. Mas até o público é sob medida. Tem sido segundas incríveis com a leveza e o talento dos cantores Sandra Simões e Mazzo Guimarães. Sem falar dos grandes convidados que animam a festa. Já pintaram por lá: Juliana Ribeiro, que arrasou, Mariene de Castro, Manuela Rodrigues, Carla Visi, Márcia Castro, quanta elegância! Cláudia Cunha, Peu Murray, a bela paulistana Verônica Ferriani, o mestre Roberto Mendes, Jota Velloso, entre outros. Falta convidar Márcia Short e Tiganá Santana!
Adoro a junção Mazzo e Sandra: o samba vindo daí é uma delícia. E Sandrinha cantando É de manhã, de Caetano Veloso? Sobre isso falo depois. Vão ao Samba da igreja! Com este projeto eu respiro mais feliz na Cidade da Bahia! Todas Segundas-Feiras, a partir das 20h., no espaço cultural Igreja da Barroquinha; ingresso 30 /15 reais. Corram!!!!!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Juliana Ribeiro em Beira de Maré


Fortaleza à Beira-Mar

Eu amo o som desta menina. A presença dela, cantando em Salvador, é o alento, a real possibilidade da gente caminhar musicalmente de modo mais criativo na Bahia. Adoro saber que ela adora D. Quelé e toda vez que a assisto, uso meu barema artístico, Maria Bethânia, para analisá-la e sentencio: à luz da qualidade Bethânia, Juliana vai muito bem.
Agora esta canção feitiço e oração: Beira de Maré, por enquanto só a letra, pra você começar a se apaixonar:
Beira de mar
beira de maré
maré sem fim
beira de mar
beira de maré
maré sem fim
abre a porta da licença
me apresento por aqui
abre a porta da licença
me apresento por aqui
vim de longe eu não sou daqui
de outros mares eu vim
da lua fui companheira
farol luz me guia
brincando de marinheiro
peixinho de água do mar
brincando de marinheiro
peixinho de água do mar
beira de mar...
pelo mar vou navegando
do jeito que eu vou eu vim
mas pelo mar vou navegando
do jeito que eu vou eu vim
na alma trouxe meu canto
meu verso meu patuá
atracando nesta areia histórias eu vim contar
a lua branca me ouvindo calada me contemplar
a lua branca me ouvindo calada me contemplar
--stacco triangolo --
beira de mar...
vou me embora
vou me embora
tão cedo não volto aqui
eu vou me embora
vou me embora
tão cedo não volto aqui
vou seguindo o meu caminho
meu destino é navegar
baías e enseadas
moradas de Yemanjá
confesso não me despeço
prefiro me retirar
confesso não me despeço
prefiro me retirar
beira de mar ...
vou me embora
vou me embora
do jeito que eu vou eu vim
eu vou me embora
vou me embora
do jeito que eu vou eu vim
(beira de mar...)
eu vim da Bahia cantar
cantar coisa bonita que tem lá no mar
lá no mar
ó mãe
lá no mar que é morada de mãe Yemanjá
com a alma meu canto meu patuá
eu vim da Bahia pra cantar
maré sem fim ooooh
maré sem fim
Juliana Ribeiro/Tiko Fukumaga

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Obras de Rodin encantam baianos e visitantes


A Bahia, em 2009, teve um ganho artístico-cultural sem precedentes: passou a abrigar, em regime de comodato, com duração de três anos, iniciado em 26 de outubro, 62 peças em gesso, do maior escultor da contemporaneidade no mundo, o francês Auguste Rodin.
O Palacete das Artes, museu localizado na Graça, que possui uma das ambiências mais elegantes em nosso país, figura agora, depois da instauração da mostra Augusto Rodin: homem e gênio, entre os mais importantes no Brasil, e colocou a Bahia na rota do turismo cultural internacional.
O acertado projeto, viabilizado pela ação política do atual Governo do estado, sob a coordenação da Secretaria de Cultura, trouxe para os baianos vastas possibilidades educativas num alto investimento sócio-cultural que revigora as atividades museológicas na Bahia e oferece ao nosso povo um dos grandes exemplos da criatividade artística no mundo ocidental: a obra escultórica de Rodin.
Desde as mais conhecidas como O pensador, O beijo, A defesa, até algumas mais incógnitas, as peças do escultor francês têm atraído uma legião de espectadores às acomodações do Palacete. Em menos de três meses, a exitosa mostra já registra um público de 30 mil pessoas, começando a alcançar os objetivos deste empreendimento cultural do nosso governo. O projeto Rodin arregimentará, em três anos, várias investidas educativas personificando, entre crianças e jovens baianos, o Palacete das Artes como um centro ativo de irradiação artístico-cultural no estado da Bahia.

Texto: Marlon Marcos ( jornalista/ assessor do Palacete das Artes)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Maria Bethânia

Maria

É humano. Espécie de liberdade que, além da arte, é teimosia. Algo que venta da voz e faz fogo e faz água; reluz do alto palco e se anima como se fosse encantado. Mas é humano. Rasura em muitos padrões. Tudo que seria contrário e é beleza afinação originalidade força inauguração continuidade. Teimosia. Rígida presença sertaneja de mulher domínio das águas. Interface entre o dito e o feito - miúda propulsão ao próprio mito. Gigante das raias da canção. Verbete do afastamento para imprimir mistério. Mulher dos ventos em pouca velocidade. Âmago do silêncio que quando não, grita! Dias da maior serenidade e raios rasgando a vida em sua face de ferocidade: musa do alumbramento que canta de amor e espalha medo e se espraia nas redondezas universais sem sair dos limites do seu desejo. Longevidade que vigora e rejuvenesce. Fonograma inesgotável de poemas - textos escritos na fala; corda que enforca em nome da paixão.
Humano demasiadamente humano. Joelhos dobrados ao chão, olhos meninos pedindo ajuda, as mãos reverentes comunicando devoção; coração aquebrantado sangrando na voz; preces comoventes na inquietação da finitude. Senhora calando frente ao altar.
Senhora imprimindo instantes em sua humana eternidade. Um nome entre talento e coragem que durará enquanto durar a história de um país.

Maria Bethânia do Brasil


"‘Maria Bethânia do Brasil’ mostra os passos deste ícone da música brasileira
DOCUMENTÁRIO CONTA COM DEPOIMENTOS DE CHICO BUARQUE E CAETANO VELOSO
Na próxima segunda-feira, dia 25, o GNT exibe “Maria Bethânia do Brasil”. O documentário inédito mostra a trajetória da cantora baiana, da cidade de Santo Amaro, no interior da Bahia, até se tornar uma das maiores referências da música brasileira no cenário mundial. A história de Bethânia, nas cidades de Salvador e Rio de Janeiro, é mostrada em imagens, e contada através de depoimentos dela própria, do irmão Caetano Veloso e do parceiro musical Chico Buarque.A cantora foi morar em Salvador aos 14 anos, junto com Caetano, para cursar o ginásio. As diferenças entre a capital baiana e a cidade natal assustaram Bethânia num primeiro momento. Mas aos poucos, ela se acostumou com a nova vida. A vida artística intensa de Salvador foi um diferencial, na opinião do irmão. Para Maria Bethânia, as águas tranquilas do Dique do Tororó foram os responsáveis pela adaptação: “Aquela serenidade foi me ajudando”. Alguns anos depois, os dois irmãos vieram ao Rio de Janeiro, onde Bethânia se tornaria substituta de Nara Leão no Teatro Opinião, com apenas 19 anos. A voz grave foi desde muito cedo elemento surpresa. “O timbre é uma coisa incrível. Ela ficou muito falada. Quando ouviam ela cantar ficavam impressionados”, conta Caetano. Maria Bethânia do Brasil – INÉDITOGNT – Canal Globosat No ar segunda-feira, dia 25, às 21hHorário alternativo: de sábado para domingo, dia 31, às 2h30 Mais informações, entre em contato com Luana Paternoster luana@belemcom.com.br e Matheus Vieira matheus@belemcom.com.br, ou ligue para (21) 3826 2490 "
P.S.: Imperdível, só isso!

A toada de Glória Pires

Glorinha



Fernando Eichenberg,

de Paris, do Terra Magazine




Glória Pires chegou no horário marcado no Café Carlu, em Paris, com ampla vista para a praça Trocadéro e, no horizonte, a Torre Eiffel. O encontro ocorreu no início de novembro, a pedido da revista Serafina (Folha de São Paulo), pouco antes de a atriz embarcar para o Brasil, para a pré-estréia de “Lula, o Filho do Brasil” (estréia nacional neste 1° de janeiro), no qual interpreta dona Lindú, a mãe do atual presidente da República (portanto, antes de receber o prêmio Candango de melhor atriz no último Festival de Brasília – por sua atuação em “É Proibido Fumar”, de Anna Mulayert – e antes do acidente automobilístico de Fábio Barreto, diretor de “Lula…”).
Mãe de Cléo Pires (27, também atriz e filha do cantor Fábio Jr.), casada há mais de vinte anos com o músico Orlando Morais (47), com quem teve Antonia (17), Ana (9) e Bento (5), Glória mora em Paris com a família desde 2008, entre idas e vindas ao Brasil para trabalhos e diferentes compromissos. Aos 46 anos, a mulher, mãe e atriz Glória Pires já pode dizer que viveu bastante. Se não tanto ainda em longevidade, pelo menos em imensidade. De sua primeira aparição nas telas de tevê – aos cinco anos de idade, na novela A Pequena Órfã (TV Excelsior) – até o seu mais recente papel no cinema – como dona Lindú -, Glória se impôs como uma das atrizes mais populares do país.


Parte do resultado de nossa conversa foi publicada na edição de novembro da Serafina (edição do 29/11), e aqui está uma versão maior do nosso encontro.


Recentemente, você fez três filmes no Brasil de registros bem diferentes – “Se Eu fosse você 2″, “É Proibido Fumar” e “Lula, o Filho do Brasil” -, e morando aqui em Paris. Como foi isso?




Foi engraçado. No ano em que mudei para cá (2008), chegamos em fevereiro e já em abril eu estava no Brasil para filmar “Se Eu fosse você 2″. As filmagens acabaram em 10 de junho e no dia seguinte vim para cá. Depois, as férias das crianças aqui (julho/agosto) coincidiram com o filme da Anna Mulayert (”É Probido Fumar”). Foram mais quase dois meses no Brasil. Aí retornei para cá, e no final do ano fui de novo ao Brasil para fazer os primeiros testes de filmagem para o filme sobre o Lula. E assim que passou o réveillon, já começamos a filmar. Então foram praticamente três filmes em um único ano.


Foi complicado?




Foi bom, porque o Orlando facilita demais a minha vida de atriz. Acho que é uma coisa do signo. Ele é de Aquário. O aquariano tem uma visão muito aberta das coisas, então ele vê com distanciamento um leque muito amplo, e isso ajuda muito a organizar o futuro. E foi essa loucura de vai e volta, com três propostas completamente diferentes. Mas achei tão bom isso, fiquei tão feliz, porque é algo tão raro de acontecer. É o ideal de todo o mundo não ficar preso a nenhum estereótipo, ter todas essas possibilidades. Foi um presentaço, porque as três coisas que fiz em cinema foram três filmes de estilos muito diferentes, fiquei realmente feliz.


Você ficou surpresa com o sucesso de “Se Eu FosseVocê 2″?




O “Se Eu Fosse Você 2″ foi essa loucura, esse sucesso estrondoso, graças a Deus. Que bom que se abriram essas portas, foi meio que uma desencantada. Sinto que acabou o restinho de preconceito que as pessoas ainda tinham contra o cinema nacional. O filme abriu para o grande público, falou para muita gente. Na minha academia, por exemplo, quando saiu o primeiro “Se Eu Fosse Você”, um dia um treinador – que nos meus seis meses lá nunca tinha falado comigo – chegou para mim e disse: “Olha, nunca tinha ido ver cinema nacional – e ele era uma pessoa de meia idade -. Fui ver o seu filme, adorei!”. Isso é bacana, porque tira uns preconceitos, isso foi maravilhoso. E agora com o número 2 foi realmente incrível. O filme da Anna acho que é bastante jovem. Logo dei uma cópia para minhas filhas assistirem, querendo ver o que elas tinham dizer. Elas totalmente entenderam e se identificaram com a linguagem do filme. O filme do Lula também já passou pelo crivo delas, já está aprovado, já choraram bastante (risos).


Qual foi o estímulo para fazer “É Proibido Fumar”?




Eu tinha ido no festival de cinema de Recife e assistido “Durval Discos”. Fiquei encantada com o filme. Essa coisa que a Anna tem, esse jeito de contar uma história sem se preocupar em buscar uma moral, de dizer como termina. Não termina, a história continua, só que a gente vai parar de ver. Nós nos encontramos lá, falamos e tudo o mais, e seis ou sete anos depois, quando ela aprontou esse roteiro, me mandou e adorei. Eu queria fazer parte daquele universo da Anna, tinha curiosidade de trabalhar com ela, e adorei a história, adorei o personagem, a Baby, aquele mundinho maluco dela, adorei, adorei. A Anna mostra de uma forma muito imparcial aqueles personagens, a história que ela está observando. É algo tipo: “Olha, tem uma brechinha aqui, vem aqui ver como é”. É uma coisa muito íntima. Ela é muito delicada, e também muito organizada, fiquei muito impressionada.Tudo parecia muito uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, vamos fazendo, mas não, é tudo muito estruturado e organizado. Fiquei impressionadíssima pelo fato de como uma pessoa que faz tudo de forma tão organizada consegue, depois, dar uma cara de que tudo foi feito no improviso. Acho que o resultado é delicioso, fiquei feliz de ter feito parte. E além de tudo ela ficou minha amigona.


Você estava há nove anos sem fumar e seu personagem no filme passa o tempo todo com um cigarro na mão. Não deu vontade de voltar a fumar?




Tinha muito medo disso, mas aquele cigarrinho que colocaram para fazer as cenas é sem nicotina. É muito ruim. Ainda pior do que o com nicotina (risos).
Para interpretar a mãe de Lula, dona Lindú, você teve de se basear quase exclusivamente em relatos, pois não há praticamente nenhum registro dela, imagens, gravações. Havia dela apenas algumas fotos e relatos riquíssimos, apaixonados, acho que isso foi a coisa mais difícil. Mais difícil não, eu não gosto de usar essa palavra. Foi um desafio. Porque ainda hoje ela está muito presente na cabeça de todo o mundo que a conheceu. Ainda hoje as pessoas se emocionam quando falam dela. E já faz uns 30 anos que ela faleceu. Os filhos se emocionam demais. Tudo bem, são filhos. Mas os sobrinhos, primos também. Ela deixou uma imagem muito forte de uma pessoa positiva, pronta para o que der e vier. É aquela ideia: eu tenho dois braços e duas pernas, estou com o mundo ganho, vou onde tiver de ir, nada vai me parar. Ela tinha a doçura e a rudeza da simplicidade, porque era uma mulher que não tinha nenhum trato social, uma mulher simples. Eles tinham algumas posses, que com toda a problemática da seca piorou muito, a vida ficou mais difícil, ela tinha muitos filhos. E com a intuição dela, ela reverteu todos os quadros. Era uma heroína, como há tantas no Brasil.
Como foi para você compor esse personagem?




É um personagem com a qual me identifico, essa imagem da mulher que vai onde for e faz o que for preciso para que sua família fique coesa e andando no trilho. Eu me identifico muito com essa imagem. Mas eu não sabia que ela era assim, fui descobrindo essa mulher, uma pessoa de uma inteligência e de uma percepção da vida muito grande. O processo todo foi muito feliz. As pessoas buscam muito o que foi difícil.




Mas o que é difícil?


Não há nenhuma parte fácil, tudo é complicado.




Mas tem um por que, tem um objetivo nisso?




O meu objetivo era o de ser fiel ao que a família me trazia dela. Eu queria poder mostrar para as pessoas o que a família lembra dessa mãe, dessa tia, dessa prima, enfim, dessa mulher Lindú.
Fábio Barreto diz que a estrutura dramática do filme está baseada nessa relação referencial entre mãe e filho. Você sentiu isso? Eu não conhecia nada da história do Lula, não tinha a menor ideia. Quando o Fábio me falou do filme, que era justamente baseado num livro, que a Denise tinha escrito, eu nunca tinha ouvido falar desse livro (”Lula, o Filho do Brasil, Denise Paraná, ed. Perseu Abramo, 2002). Como é que pode? Era a biografia do presidente da República e eu não sabia nada. Fiquei muito surpresa quando li o roteiro. E hoje, depois de ter feito o filme, ter conhecido um pouco mais da história dele, eu vejo que realmente dona Lindú foi a base, a fundação de toda uma história que veio depois. Ele era muito apegado a ela. Ela era muito o exemplo dele. Assistindo o filme, o que antes me parecia pura pieguice, aqueles “Obrigado a minha mãe” e não sei o que, hoje, aquele discurso de posse adquiriu para mim uma outra dimensão. Claro que é sempre lindo quando você é merecedor de alguma coisa e lembra da sua família, de sua mãe, de seu pai, das pessoas que levaram você até ali. Podia ter dado tudo errado, ter sido o oposto de tudo isso. Mas entendendo tudo pelo o que eles passaram, a coisa tem uma outra dimensão.


Você chegou a ler a biografia antes ou depois do filme?




Não li.O diretor de elenco do filme, Sérgio Penna, disse que você não tinha nada de parecido com a mãe do Lula, mas que, aos poucos, foi-se descobrindo que, internamente, você era a própria Lindú, e que você foi “a mãe que o set de filmagens precisava”. Você é mesmo mãezona assim? Foi genial o trabalho com o Sérgio. Havia muitos atores jovens, inexperientes, crianças, vários níveis de dificuldades no trabalho. O filme cobre um período de tempo bastante longo, com uma quebra de continuidade muito grande, enfim, havia vários agentes complicadores. O Sérgio teve uma sacada genial, reuniu todo o mundo e virou uma família. Interagimos muito, com todos os filhos de todas as idades. E eu até sugeri que o Rui (Ricardo Diaz, ator que interpreta Lula no filme), que em princípio não participaria de todas as etapas, acompanhasse, para que pudesse também ver aquele começo. Isso deu um link incrível. Até hoje chamo alguns atores de “fio” (filho) e de “fia” (filha). Tenho de começar a chamá-los pelos nomes (risos). Foi tudo muito amoroso. E o Fábio é uma pessoa com quem é uma delícia trabalhar, porque ele quer que as pessoas estejam felizes. O objetivo principal dele é que ninguém brigue, que todo o mundo possa dar o seu melhor e de uma maneira feliz.


Você foi mãezona no set e é na vida em geral?




É, tenho essa tendência, sou um pouco assim com os meus amigos, é uma característica minha. Eu gosto de cuidar das pessoas.


No filme, você contracena rapidamente com sua filha Cléo Pires, como sogra dela.


Foi tudo muito rápido. Aquela sequência em que temos o diálogo não existia originalmente, mas o Fábio falou: “Não posso fazer esse filme sem ter uma sequência de vocês duas!”. Ele fez a mesma coisa na participação do meu pai em “O Quatrilho” (1994): “Não posso ter um filme em que vocês dois participam e não ter uma sequência de vocês dois juntos”. Porque, originalmente, também não tinha.
Como você vê a atriz Cléo Pires?




Acho que a Cléo conseguiu uma coisa muito legal, que foi uma independência na forma dela fazer e também em relação a sua imagem. Acho que ela conseguiu algo muito dela. E acho que o resultado é muito bacana, porque ela faz a interpretação do tamanho dela, não busca fazer nada além. É uma coisa muito econômica, gosto do estilo dela, gosto de vê-la, independente de ser minha filha. Além de achá-la linda, acho que o trabalho dela tem consistência. Fico feliz. Acho que ela é séria e dedicada no que ela faz.


Você tem algum orgulho especial por ela ter seguido a sua carreira e a de seu pai, Antônio Carlos Pires (1927-2005)?




Tem uma coisa poética. Mas na verdade acho que todo o mundo quer que o filho seja feliz. Não tenho expectativa em relação ao que eles vão escolher, com quem eles vão viver, o que vão querer fazer da vida. Quero que eles sejam felizes. E eu sinto que ela está se realizando, amadurecendo muito. Mas é algo poético, porque o meu pai foi o primeiro ator da nossa família. Ela já é a terceira geração de atores da família, tem muita poesia nisso.


Você define “Lula, o Filho do Brasil” como um filme sobre questões político-sociais e não político-partidárias. Por que você acha esse um “filme necessário”?




Acho que é necessário para nós brasileiros. Esses anos de ditadura foram extremamente nocivos para a nossa estrutura de cidadão. Eu e toda a minha geração crescemos muito sem a ideia de que, se há alguma coisa errada, você pode reclamar. E onde vamos reclamar? Existe alguém que vai ouvir e que vai ter de dar conta dessa reclamação. Não simplesmente, como se faz hoje – tentando resgatar algo que não tivemos – que é fazer um movimento. Precisamos fazer um movimento, porque a nossa palavra sozinha como cidadão não tem valor nenhum. Se eu recebo uma água ruim, ligo ou entro no site e reclamo, provavelmente isso não vai dar em nada. Precisa ter um quórum, um monte de gente falando da mesma água. Eu tenho certeza de que isso se deve a esse período enorme de silêncio, de proibição, de medo. Esse filme trata de um capítulo importante da nossa história recente, que fala disso também, de como esses operários – que pela classe social a que pertenciam talvez devessem ser os primeiros a recuar – foram adiante e perceberam a força, a importância deles dentro do país. Eles compraram uma onda nada fácil, porque existia uma situação política bem complicada, e foram em frente mesmo assim, pagando pra ver, com todos os problemas de prisão, tortura e tudo o mais o que a gente sabe. Acho que é um exemplo muito importante, porque fala de um homem que teria quase nenhuma possibilidade de se dar bem na vida. O normal seria que ele e os irmãos se tornassem indigentes, que se separassem.




Como numa família numerosa daquelas todos sobrevivem juntos?




Acho que o filme é importante porque fala de muitas coisas que estão à nossa volta, que precisamos enxergar e tomar consciência, que temos um presidente que saiu do nada e contra todas as possibilidades chegou onde chegou. O filme fala de muitas coisas sobre as quais precisamos refletir. Eu adoro o cinema por causa disso. Você sai do filme e depois ficam coisas na sua cabeça, vai pra casa digerindo.


Qual a sua avaliação do governo Lula?




Acho dificíl falar de um governo, porque sabemos que um governo não é feito por uma pessoa, e eu particularmente acho muito complicado essa mistura de partidos. Acho complicado entender como é que pessoas que defendem ideias tão opostas podem se unir em prol de alguma coisa que não seja só poder. Acho difícil falar de política no nosso caso por causa disso, porque são pessoas que estão juntas em torno de uma ideia que nem sempre é o bem comum, que deve ser o ponto final. Na maioria das vezes, é para o fortalecimento da posição de seu partido. Sobre o governo, é difícil ter uma ideia geral, mas acho que como um todo o resultado é muito bom. Vemos isso na projeção que o Brasil está tendo, no espaço que justamente ocupou. Algo está se desenvolvendo. Acho que a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, certas coisas começaram a entrar nos eixos, certas etapas começaram a ser sedimentadas para que pudessem vir as próximas. Finalmente, sinto um progresso, um futuro. Aquele “país do futuro” do qual sempre ouvimos falar, acho que está chegando. Essa nova geração é formada por pessoas que já têm um outro acesso, outra informação, outra cultura, têm oportunidade de se misturar, de ouvir, de debater, e isso é tão importante. Não existe crescimento sem liberdade, sem troca.


Você acha que o fato de o filme ser lançado em um ano eleitoral, pode ter alguma influência tanto na campanha do pleito presidencial como na carreira do filme?




Não sei, acho que cientistas políticos podem falar sobre isso com precisão. Realmente não tenho ideia se isso pode atrapalhar ou se não tem nada a ver. Em relação ao filme, tudo é uma loteria, não há fórmula. Eu fiquei muito empolgada com o projeto, me deu vontade de fazer um esforço para poder fazer esse filme. Além de ser muito bem feito tecnicamente, essa história me interessou demais, me deu orgulho de ser brasileira, de fazer parte dessa raça. Nós, brasileiros, estamos tão habituados a situações tipo: “Não fala que é brasileiro, senão vai sujar!” (risos). Em relação ao filme agora – e acho que sobre isso os produtores podem falar melhor – , acho que se deve a essa projeção enorme que o Lula tem internacionalmente como presidente, colocando o Brasil nesse lugar especialíssimo, onde nunca esteve antes.


O Fábio Barreto já diz que é filme para o Oscar. Você já esteve na festa do Oscar com o “O Quatrilho” e não gostou. Voltaria?




Eu tinha uma visão do Oscar de fã, igual a uma pessoa que assiste a uma novela. Ninguém imagina que aquela mansão é um cenário, que aquilo é tudo mentira. Eu como tiete, que fica vendo “quem vai ganhar?”, não imaginava que era assim. Mas como espetáculo é uma aula, de bem ensaiado, de objetividade, de disciplina e de silêncio, uma coisa de louco. Difícil até de acreditar que aquilo tudo seja feito ao vivo, ali na hora, de tão redondo que transcorre. Se tiver de voltar, volto, mas já sabendo que é tipo uma novela.


Como você vê, hoje, o cinema brasileiro?




Acho que estamos começando a ter uma ideia de mercado, de o quão importante é você falar para pessoas diferentes. Durante muito tempo ficamos muito presos a uma ideia de cinema como uma coisa fechadinha numa caixa, e só aquela forma era considerada como cinema. O que saísse daquilo, já não era mais cinema. Isso impedia muitas pessoas de começar a se manifestar. E também não se levava em consideração o que as pessoas tinham vontade de ver. Falo daquelas pessoas que não eram cinéfilos, amantes e estudiosos do cinema, mas pessoas comuns, que vão ao cinema para se divertir, para refletir ou para conseguir chorar. Aquele filme que a gente diz: “Hoje eu vou voltar nova para casa” (risos). O bacana de qualquer expressão artística é o jeito que aquilo vai tocar as pessoas. Não dá para ter um juiz dizendo: “Olha, não vai aqui, não, porque é caído”. E isso não tem nada a ver com criticar e com o crítico que fala: “Esse filme se propõe a isso, mas não chega lá porque o roteiro tem falhas” Isso é diferente de ter uma patrulha. Não coloco o trabalho dos críticos e a patrulha no mesmo grau. Mas começou-se a ter essa ideia de mercado, de se falar com muitas pessoas. Isso não quer dizer que o filme de arte não possa ter o seu lugar. Esse é o mercado, tem de ter para todos. Fico feliz com o que estou vendo, não estamos só falando da miséria, só do drama político, também estamos falando de banalidades, de viagem de baseado, de histórias e dramas de sofrimento real. Estamos mostrando esse panorama, um país rico como o nosso, meu Deus. Somos uma arca de Noé.


Você foi cogitada para interpretar a madrasta de Chico Xavier, na cinebiografia do médium dirigida por Daniel Filho.




Acabou não rolando. Foi um filme de várias participações, de um, dois dias, ia ficar muito corrido, o Daniel achou que seria inviável, porque tinha uma questão também de continuidade, várias idades, o período de locações. Mas fiquei felicíssima com esse filme, acho que vai ser maravilhoso. É uma outra história incrível. E real, o que é mais louco ainda (risos).


Você ainda tem o projeto de produzir cinco documentários sobre o rio Araguaia.




Quero fazer, sim. Conheci o Javaé, que é um braço do Araguaia, quando fui fazer “India, a Filha do Sol”, com o Fábio (Barreto), acho que em 1981, sou péssima para datas. Para me situar no tempo, fico me lembrando se estava grávida, quantos anos meu filho tinha (risos). Mas quando fui assistir a estreia do filme, estava grávida da Cléo, em 1982, então foi em 1981 mesmo. Aquilo foi um choque gigante para mim, porque eu não tinha nenhuma vivência no campo, em fazenda, com animais. Tinha uma coisa muito de cidade, morando em casa e apartamento, sempre em São Paulo, no Rio. Não tinha nenhuma intimidade com o mato. E foi uma loucura, um sustão pra mim. Passei muito medo. Mas depois fiquei apaixonada. E aí conheci o Orlando, que é de Goiânia. Começamos a viajar para Goiânia e também para os acampamentos do Araguaia. É um rio muito jovem, que tem muita história. De onde nasce e até onde termina, tem história demais. E é um tema ainda inexplorado.


Nelson Motta definiu você como a “primeira grande atriz brasileira especializada em televisão”. Como você recebe isso?




Achei tão bacana ele dizer isso. Realmente eu me identifico com a televisão. Comecei a trabalhar muito cedo. E sou uma pessoa muito intensa, embora tenha um lado muito cool. Acho que as pessoas não me imaginam sendo uma pessoa intensa, mas eu me envolvo demais. E com a televisão não foi diferente, porque eu cresci ali, aquilo faz parte de mim, está em mim. Hoje eu já tenho uma visão mais profissional, mais distanciamento, envelheci, amadureci. Mas tinha uma coisa bastante atávica, muito ligada também ao meu pai, à minha história familiar. E realmente acho que fui a primeira pessoa a dizer que gostava de fazer televisão, que gostava de fazer novela, que havia novelas ótimas, e acho que isso talvez tenha provocado essa junção de imagens, que tenha feito isso ficar tão forte. Também o fato de eu nunca ter feito teatro, que no início as pessoas entenderam mal, acharam que era uma crítica, um mau exemplo que eu estava dando. Tive todo o tipo de críticas em relação a isso, mas era a realidade, nunca fiz teatro, não podia mentir. O único motivo pelo qual eu não fazia e ainda não fiz, foi porque não tive vontade. É simples assim.


Em toda sua carreira, você atuou somente em uma peça de teatro, um espetáculo infantil.




Eu tinha 15 anos, a peça se chamava “Era uma vez uma gata”, um musical infantil. Um pouco antes de começar a fazer Cabocla (1979), uns amigos me chamaram para fazer essa peça. A gente ensaiou muito, e depois quando estreou, como era teatro infantil, só tinha apresentações no fim de semana. Eu gravava fora do Rio para a novela, na fazenda, aí ficou impossível. Ainda mais com o Herval Rossano, que era um diretor íncrivel e maravilhoso, que Deus o tenha em bom lugar, mas super linha dura. Então ficou impossível, só fiz dois ou três fins de semana da peça.
Em 1991, o Orlando, seu marido, chegou a escrever um texto para teatro a partir de uma idéia que você teve, mas a peça não saiu do papel.


O que falta para você fazer teatro?




Uma vez o Antonio Abujamra falou assim: “Por que você não faz teatro?” (imitando o jeito do Abujamra falar). Eu respondi: “Ah, não sei, porque não tenho vontade”. E ele: “Ah, você diz isso porque é jovem” (risos). Mas comigo as coisas acontecem assim: ou tenho ou não tenho vontade. Se eu preciso fazer alguma coisa, mesmo sem ter vontade, farei, darei o melhor de mim, mas não é nessa toada que eu gosto de viver. Vou sempre buscar o que fala o meu coração, o que fala dentro de mim, uma voz, uma intuição, uma afinidade, uma adequação, não sei o que é. Mas é uma coisa que vem de dentro de mim para fora. Eu não funciono quando sou pressionada, porque não consigo relaxar. Sob pressão, não encontro meu ponto de tranquilidade, então não rola. E essa vontade pode ser que não venha nunca. Quantas coisas na vida a gente passa nem nunca ter conhecido. Não vou viver menos por isso (risos).


A Regina Duarte definiu você como uma atriz “econômica”, e disse admirar sua capacidade de trabalhar com o mínimo, apenas com um olhar, uma virada de cabeça. Isso é estudado ou instintivo?




É totalmente instintivo. Comecei a trabalhar muito nova, sempre observei muito, e sou uma pessoa muito tímida. O meu estilo, se é que se pode chamar assim, é uma junção de tudo isso. Mas é algo natural em mim, não há um estudo, uma coisa proposital. O meu trabalho acompanha muito o meu amadurecimento pessoal. Quando assisto a trabalhos meus mais antigos, vejo que estava ligado a uma coisa pessoal, a um momento de vida, uma vivência. É algo mesmo muito instintivo, eu não tenho uma técnica. Algumas vezes, recebi roteiros em que não me via fazendo o personagem, não me sentia amadurecida para entender e fazer aquilo surgir.


Você se autodefine como uma atriz obsessiva, que nunca para de pensar no seu personagem.




Eu sou muito calada, fico muito quieta, mas o tempo inteiro estou pensando coisas sobre o personagem, visualizando, imaginando ele em situações, e muitas vezes surgem coisas interessantes. Torna-se realmente uma obsessão. Não que eu pare de fazer as outras coisas da minha vida, mas é aquilo que ganha espaço no meu cotidiano. As músicas também. Sou muito ligada em música, me ajuda demais. Cheiros também. No fundo, o que eu fico tentando fazer é construir esse ambiente.


Você tem essa ideia de que, como boa leonina, sempre soube que iria durar muito, morrer muito velha, e ter tempo para fazer tudo o que queria. O seu colega e amigo Lauro Corona (1957-1989) chamava você de Vovó Glorinha: seguia devagar e sempre na sua charrete. Você é assim?




Sou totalmente assim! Incrível como o Laurinho sacou isso em mim muito rápido. Eu não tenho essa pressa do tempo, sempre soube que iria morrer muito velha (risos). Quando era muito pequena, não me imaginava adulta. Mas quando cheguei na adolescência, comecei a ter essa sensação de que o tempo não era um problema para mim, que não tinha de estar correndo atrás dele. Talvez isso, com o passar dos anos, tenha sedimentado e me dado até essa imagem. As pessoas falam para mim: “Você é tão calma”. A Regina (Duarte) mesmo me fala muito: “Eu fico boba com a sua calma, como você é pautada” (risos). Mas eu também fico ansiosa. Às vezes, fico numa excitação tão louca que não consigo dormir. Mas tem essa ideia paralela de que não tenho de correr contra o tempo. Tudo vai chegar ao seu lugar certo, no seu tempo. Essa é uma certeza que tenho, e que foi se sedimentando com a idade. Eu não crio essa expectativa de que no ano que vem tenho de fazer não sei o quê, de que enquanto não for viver não sei onde… Comigo não é assim. Confio que as coisas estão vindo, que vão chegar para mim. É um tipo de crença.


Vou repetir uma pergunta que você fez uma vez para o seu colega Tony Ramos: “O que faz você perder a cabeça, o senso de humor?”.




Acho que depende muito mais do dia em que acordo mal do que de algum fator externo. Há dias, por exemplo, em que posso ser totalmente desacatada por um vendedor e terei a maior sabedoria para não me aborrecer, para aquilo não estragar o meu dia. Mas há dias em que um passarinho que faz um cocô e que suja a minha roupa vai destruir a minha tarde. É algo muito mais íntimo, o momento, dormi mal e acordei de mau humor, sei lá, do que algo externo. Claro que situações de injustiça sempre mexem muito comigo, isso me tira do sério. Mas, em geral, é mais um sentimento íntimo do que algo que alguém faça ou diga para mim ou sobre mim. É mais de dentro para fora do que de fora para dentro.


Aos cinco anos de idade, você declamou esse poema de sua autoria: “Eu acho que o mundo parou desde o dia em que eu nasci/ Anda, mundo, caminha, reza a tua ladainha/ Sou criança e quero viver/ Os jovens não podem morrer/ Oh, mundo oprimido/ Oh, mundo sofrido/ Oh, mundo danado/ Parece que rodas parado”. Você escreve?




Teve uma época, quando estava fazendo “India, a Filha do Sol”, que escrevi bastante. Lá não tinha televisão, ouvia muito walkman, e começou a voltar essa vontade de escrever. Mas, depois, parei. Eu desenho mais do que escrevo. A coisa visual para mim é muito mais fácil de vir do que a escrita. Eu tenho uma tendência muito grande a resumir, a colocar o essencial da história, e aí complica, a não ser que você seja um gênio, para as pessoas entenderem você tão resumidamente (risos).


O que você desenha?




Tudo. Adoro desenhar. Nunca fiz aquarela, e agora estou querendo começar. Quando a Cléo esteve aqui com a gente, ela ficou muito envolvida com o negócio de pastel. Vimos algumas exposições incríveis. Ela comprou um monte de livros, de material, de papel, aí foi embora e deixou tudo aqui. E agora estou ali namorando aquilo, já separei um bloco para mim, peguei uma paleta, andei dando uma olhada de como é a técnica. Vou começar a mexer com pastel. Ainda não botei a mão na massa, mas acho que vai ser gostoso.


Você já quis ser arquiteta e também simplesmente dona de casa. Como é a sua vida de dona de casa aqui em Paris, qual a sua rotina?




O lance de ter vindo para cá e logo depois ter ido três vezes seguidas ao Brasil foi um pouco complicado, porque não era eu sozinha com o Orlando, tinha as crianças. Essa coisa de adaptação de escola, os horários, as férias, administrar tudo isso foi um pouco estressante. E como toda hora eu estava indo embora, demorou até o negócio azeitar. Mas agora já estou relax. Têm dias que reservo para fazer pagamento, aí depois do banco vou em algum lugar que não conheço, passear num parque, num museu, sozinha. A coisa deliciosa desta cidade, que ela propicia e da qual sou totalmente fã, é essa liberdade total. Essa coisa de as pessoas comprarem um sanduíche e sentarem numa graminha qualquer e ficar curtindo. Acho isso uma coisa fantástica. Ninguém fica patrulhando ninguém. Todo o mundo se iguala, curte as mesmas coisas. É o piquenique, passear à toa, sentar num café, num banco de praça. Você tem liberdade, porque você não se sente ameaçado. Alguém diz: “Vamos até Créteil (subúrbio de Paris) para ver a peça lá de um holandês”. E vamos, você pega o metrô, desce no ponto final, num lugar que parece a Central do Brasil, e vai caminhar tranquilamente, ninguém vai te incomodar. Lá no centro cultural vai ter um mundo de gente, dois mil e poucos lugares e lotado, uma peça falada em holandês, e isso é maravilhoso. Estou muito fã disso. Viajei muito pouco a minha vida toda. Desde que estou aqui comecei a viajar mais. Essa experiência aqui para mim está sendo muito enriquecedora. Estou curtindo cada dia. Estava falando agora no almoço para o meu cunhado, que está passando uns dias aqui: “Alexandre, todo o dia em que acordo aqui tenho um sentimento de agradecimento”. É tão bom. Mesmo o frio, 8h horas da manhã parece que são 5h da manhã, é verdade, dói, mas tem também o seu lado charmoso. Têm todas as outras coisas maravilhosas.


A água aqui é ruim, acaba com a pele?




Acaba. Haja creme e xampú especial para o cabelo não ficar duro (risos). Mas há todo um lado que não existe em outro lugar. Tem essa coisa do metrô ser tão bom, ter esse transporte público tão eficiente que te dá mais liberdade ainda. É muito bom. Eu estou amando, curtindo cada ida ao supermercado, cada telefonema de reclamação (risos). Estou curtindo tudo.


Você diz que a sua celebridade incomoda realmente em dois momentos, no supermercado e em aeroportos. Aqui imagino que você deve experimentar uma vida um pouco mais anônima.




Com certeza. Tem isso também, mas tem aquela coisa da segurança. No Brasil, eu não deixo de fazer as coisas que eu gosto por ser conhecida. Claro que eu não vou para o Leblon, porque sei que tem um monte de paparazzi. Vou no shopping que tem perto da minha casa, que tem também um monte de paparazzi, mas é perto de casa e é prático. A grosso modo, não deixo de fazer as coisas. Mas lá deixo de ir a muitos lugares, eventos, dependendo da localização e do horário, por medo. A coisa de ser conhecida realmente não atrapalha. O que atrapalha é o medo. Isso que me incomoda.


Mas ir ao supermercado aqui em Paris deve ser bem diferente para você?




Totalmente. Mas é engraçado que aqui no supermercado às vezes têm umas russas que me conhecem das novelas que passam lá. No supermercado que eu vou aqui, as pessoas já sabem que sou atriz (risos). Mas é engraçado, é legal. Eles aqui também têm outra forma de lidar com isso. Ninguém junta o Gérard Depardieu para fazer rodinha de autógrafos e fotos. Isso não é normal aqui. Eles não têm essa nossa cultura de que é preciso ter uma recordação, porque é um artista, porque é conhecido. Eles têm uma relação mais atemporal com essas coisas.


O que você não gostou daqui?




Acho que a rotina do frio. É muito diferente você passear no frio e você ter a rotina do frio. É difícil. Para mim, que não estou acostumada, nasci no calor do Rio, é complicado. Mas agora já lido bem com isso, já não estou sofrendo mais. Nem as crianças. Para elas era chato brincar de casaco, galocha, capuz, você fica meio robô. Agora elas já estão habituadas, já curtem. O Orlando fica muito incomodado quando vai chegando o inverno, só pensa em botar essas crianças no sol.


Elas estão falando bem o francês?




Totalmente. Pegam muito rápido. Mesmo as meninas que estudam na escola bilíngue têm uma aula de francês diária. O Bento está em imersão de francês e tem uma aula de inglês diária. Mas é tão interessante ver como a Antônia, por exemplo – que tem 17 anos e achei que iria ter mais dificuldades -, assiste os filmes e entende. A Ana, de 9 anos, e o Bento, de 5, discutem, trocam informações. O ouvido já recebe bem a língua. É porque eles não têm essa nossa preocupação de falar certo. O pequeno inventa muita palavra (risos). Eles não têm a vergonha, a censura de ter medo de arriscar. É muito engraçado. A gente tem um amigo, um jovem de 19 anos, que vai lá em casa. Ele é um amor, as crianças são loucas por ele. O Bento brinca com ele como se tivessem a mesma idade, e tudo em francês. É muito bonitinho. É um barato observar eles se virando em outro idioma.
Você já viajou bastante por aqui nesse período, foi à Itália, ao Egito, e adorou Londres.




Londres adorei, só achei o metrozinho lá meio difícil, táxi é muito caro, o trânsito é insuportável. Mas gostei muito, poderia morar lá.
Você voltará à tevê em 2011, como uma vilã na próxima novela de Gilberto Braga, na TV Globo. Como será essa volta, e como uma vilã? Você mesma já disse uma vez se surpreender com o número de fã clubes da Maria de Fátima (vilã de Vale Tudo, 1988).




Um amigo meu, que antigamente era meu fã e hoje está organizando um livro a meu respeito, o Eduardo Nassife, de vez em quando me manda uns rankings, tipo: “A pessoa que mais tem comunidades no orkut? Você.” (risos). Só o Eduardo para ficar atrás dessas coisas. Mas em relação à novela vai ser muito legal, me dou muito bem com o Gilberto, adoro o estilo dele, acho que ele tem o maior bom gosto. E faz tempo que não faço uma vilã, acho que vai ser bom. O que eu adorei na Maria de Fátima é que não era uma vilã na concepção maniqueísta de novela. Tinha uma coisa humana. As pessoas não sentiam simplesmente raiva dela, muitas concordavam com o seu pensamento, sabendo que havia ali um lugar que resvalava para o mau caratismo. Mas também sabendo que aquilo que não era totalmente um discurso psicopata. Ela não era uma pessoa louca, capaz de matar todo o mundo. Era uma pessoa moral. Ela queria aquelas coisas, e tinha de dar algum jeito de conseguir. Somos humanos.


Você está sentindo falta de fazer novela?




Acho que vai ser muito legal. A última novela que fiz do Gilberto foi Paraíso Tropical (2007), e a minha personagem era politicamente correta, uma mulher feliz, situada, mãe solteira, criou o filho sozinha, tinha o emprego dela, ganhava seu dinheiro, não precisava de ninguém. Ela era “a” legal. E acho que vai ser bom voltar com o Gilberto fazendo o oposto disso.


Quando você volta para o Brasil para começar a gravar a novela?




Calculo voltar em setembro. Mas o Orlando vai ficar fazendo as coisas dele aqui, e provavelmente as crianças continuarão na escola aqui. Todas as férias que tiverem durante todo o ano, irão para o Brasil. Estamos ainda combinando. A gente veio para ficar um ano aqui, mas o visto (de artista convidado) que o Orlando recebeu é de três anos. Podemos ficar aqui tranquilamente nesse período, e depois renovar. É um lugar para o qual a gente pretende continuar vindo, frequentando, porque isso aqui foi muito bom. A gente fez um upgrade mesmo cultural, é muito legal o jeito que as pessoas vivem aqui, elas não são mimadas. A gente fica com a sensação de que no Brasil somos um pouco mal acostumados. Aqui não tem mimo, cada um faz o que tem de fazer e ponto final. E é normal, a vida que anda, ninguém sente pena de si próprio. O velhinho garçom serve a mesa com o maior orgulho, porque é a profissão dele. Não tem essa autopiedade: “Ai, sou velhinho e estou aqui, servindo mesa”. Ele tem orgulho do trabalho dele, da vida que ele tem. Ai de quem vai ajudar um velhinho no metrô a descer uma escada. Melhor perguntar antes se ele precisa da sua ajuda, senão vai levar um esculacho. As pessoas aqui têm esse orgulho, essa coisa de viver a vida abertamente. No Brasil todo o mundo tem muita pena de si próprio. A gente é muito mimado lá.
Aos sete anos de idade, você foi rejeitada pelo Daniel Filho para atuar na novela Meu Primeiro Amor, porque era “feia”. Você já revelou ter sofrido bastante com isso. Viveu outra experiência similar?




Não vivi, mas essa já foi o suficiente por muito tempo (risos). Durou pelo menos uns sete anos. Melhorou quando o próprio Daniel brigou para que eu fizesse Dancin’ Days (1978/79). Ele que comprou a onda para que eu fizesse a Marisa, filha da Sônia Braga na novela. Isso me deu um suporte, “nem tudo está perdido” (risos). Mas antes foi bem complicado. E quando fui fazer “Primo Basílio”, tive de fazer todo aquele processo inverso (se enfeiar), também um negócio complicado. Cheguei até a pensar em não fazer. Você quer trabalhar para estar melhor, não para se piorar. Mas foi um desafio muito gostoso, muito bom. Fizemos um trabalho de corpo muito legal. Muita gente achava que eu tinha colocado enchimento. Não tinha nada de enchimento, era sό proporção e cor de roupa. É o tipo de trabalho que adoro, de estar mexendo, pesquisando, como um laboratório, descobrindo coisas. A parte do meu trabalho de que mais gosto é essa descoberta, até ficar de pé.
Em comemoração aos seus 40 anos de sua carreira, o Eduardo Nassife e o Fábio Fabrício Fabretti lançarão a biografia “40 Anos de Glória”. Como é para você isso?




Eu falei para o Eduardo: “Olha, não quero uma biografia, porque acho que é uma coisa louca, eu tenho 46 anos, fica pretensioso, maluco”. Ele me disse: “Mas não é a minha ideia, quero fazer porque sei que tem gente que se interessa pelos seus trabalhos, pelas coisas que você fez, e que querem ter material seu, saber como aconteceu, curiosidades”. Quando ele me apresentou a ideia dessa forma, achei bacana. Isso também entra aquela coisa que estava falando do filme, a gente precisa se habituar a ter material nosso, sobre as coisas que dizem respeito à nossa história, sobre os nossos atores, nossos teatros, nossos artistas plásticos, escritores, pessoas que fazem parte da nossa formação, que falam a nossa língua. Precisamos formar esse arquivo, porque não existe. Nos EUA, qualquer ator tem um livro, com fotos, enfim, tem material. É algo normal. Então, gostei da ideia, achei interessante. O livro já está pronto, eles estão me mandando pelo correio e deverá ser lançado no início de 2010.


Você pensa na morte?




Penso muito na morte. Como toda a mãe, penso muito em como os meus filhos vão ficar. Eu trabalho muito para que eles fiquem bem. Aconteceu até uma coisa engraçada na última vez em que fui ao Brasil. Nunca tive esse tipo de pressentimento de que não iria voltar, não tenho medo de avião, mas dessa vez tive, muito forte e por muitos dias. Sempre que viajo, eu tenho uma conversa com eles, deixo algumas coisas acertadas: “Não esquece disso, faz aquilo…”. Coisas que acho importantes para que eles não percam o pé. Mas como eu estava com esse pressentimento muito forte na minha cabeça, parecia que era realmente uma última conversa e começou a ficar muito louco. De repente eu estava falando para eles: “Olha, o importante é que vocês sejam sempre unidos, se ajudem”. Comecei a falar um monte de coisas assim. (risos). Mas isso é algo que me preocupa. Quando a Cléo foi morar sozinha em Los Angeles, eu tive esse medo: “Será que eu ensinei tudo o que ela precisava saber para morar sozinha? Será que eu falei para ela tudo que tinha de ser dito, não esqueci de nada?”. É um pouco de possessividade. Mas em geral não sou uma mãe possesiva. (risos).


Você acredita em Deus?




Acredito. Na verdade, eu sou mais kardecista. Mas não sou fechada em uma religião. Primeiro, porque é um assunto que adoro, as religiões, a forma como Deus se manifesta em cada cultura, acho isso fantástico. Respeito e tenho curiosidade por outras culturas. Fiz uma compilação de ideias que se explicam na minha cabeça, elas têm uma lógica, uma ligação. Têm coisas católicas, outras muito mais kardecistas, coisas do candomblé, do budismo. Coisas que tive a oportunidade de conhecer e que trouxe para o meu culto diário espiritual.


Você medita?




Acho difícil meditar, mas medito, às vezes melhor, outras, pior, mas todos os dias. Meditar é trabalhoso, é o esforço do esforço nenhum. É difícil quando você está habituado a sempre se superar, não fazer nada. A gente cresce com uma ideia de que temos de nos superar, ir além. E quando você tem de fazer nada, simplesmente soltar as amarras, é muito complicado. Mas é um bom treino.


Como imagina a sua vida daqui a dez anos?




Eu sempre me imagino lá na minha fazenda, porque é realmente um lugar especialíssimo, um lugar nosso, que a gente construiu. Tem toda uma história familiar do Orlando, mas é um lugar nosso, muito nosso. Tudo o que tem ali fomos nós que fizemos. Quando eu medito, é para lá que eu vou. Quando a rotina está um pouco pesada, é para lá que eu me reporto. Sempre é lá, à beira do rio, debaixo das mangueiras.




Você se arrepende de alguma coisa, faria algo diferente?




Acho que faria muitas coisas de outra forma, mas o problema é que não gostaria de voltar nem um dia na minha vida, então isso fica anulado (risos). Não há nenhum momento da minha vida para o qual quisesse voltar. Acho o presente tão bom. Mesmo quando ele é um pouco mais difícil do que foi ontem, eu prefiro o hoje.




Fernando Eichenberg, jornalista, vive há doze anos em Paris, de onde colabora para diversos veículos jornalísticos brasileiros, e é autor do livro “Entre Aspas – diálogos contemporâneos”, uma coletânea de entrevistas com 27 personalidades européias.