sábado, 30 de julho de 2011

Um melhor

Horrível ter que ser o que os outros desejam. Viver para anoitecer e no escuro de si mesmo, ensaiar solitário um melhor que se poderia ter na vida. Difícil essa avalanche de desejos se desenhando impossíveis e atormentando os recomeços. O tempo desaba sobre o pensamento no vazio de uma cidade desconhecida. Tudo igual aqui e quando, de novo, for lá. Os instantes - as repetidas memórias do que deveria ter sido mas não foi e ainda há. Ensaio de gente obtusa, maluca, faminta, sedenta, solitária, sóbria e vulgar. Um pouco de mentira pois nem tudo se pode revelar. Um pouco de coragem porque alguma coisa precisa ser dita e nada deverá retornar.O caminho é à frente; gostar é à frente; o lugar é à frente.
Demorando o sentido das coisas horríveis que perfilam o único jeito da possível salvação. E que ocupa o vazio do papel, a vastidão da cama, o silêncio ventilando e a alma. Madrugada na cidade estranha. Frio no sertão da Chapada Diamantina: o corpo cansado e sem sono, sem viço, sem proposta - mas há: arestas nas demandas que não se conseguem cumprir. A mão ensaiando traços a favor da inspiração. Uma lua que agride porque nasce para outros.
Anjos passeando pelo peito para que a fé não seja abortada e Deus. Assim que nascer manhã, com direito ao sol alheio e todos os seus segredos e a fala desconsertada concordar com o que não queria.
Uma manhãzinha de luz para ser o que os outros mandaram e no intervalo da auto-sublevação, no movimento do fastio gerando revolta, como se de repente, fazendo valer os ensaios notívagos, se instaura a semente da indignação e daí: um melhor devir.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Circularidade

Era uma vez no Rio de Janeiro:
Samuel Wainer Bluma Wainer Rubem Braga Danuza Leão.
E só.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Dos olhos que me sou

Espelho.
Para o que sempre esteve e ninguém viu.
Para apurar asas e voar sem dificuldades.
Ficar estático no horizonte da história,
Depois mergulhar no mar da satisfação.

Espelho.
Para a beleza vibrar nos olhos,
O peito arder de comoção,
O resto se perder de desejo.

Espelho.
Para refletir o que sou
E de mim alcançar outrem.

Para falar de fé, de pirraça, de intransigência e violência ritual

A vida é o que mais ensina. Não adianta meu desespero de agora frente à morte de Amy Winehouse, nem das dificuldades que sinto recebendo o veneno saído das dores incuráveis dos amigos. Melhor fazer silêncio e minimizar as autoritárias assertivas de quem, em convívio, se lança a macular histórias e trajetos de outros que vivenciam o mistério das religiões dos orixás.
Este texto nasce de minha indignação. Uma quase revolta que se perfila dos constantes sibilos de proto-neófitos apartando-me dos elementos mais caros da minha espiritualidade: o âmago de mim: minha força e luz maior: fonte das minhas palavras: Iemanjá Senhora do que posso e tenho e faço e vou...
Este texto nasce de algumas perguntas que nem deveriam ser formuladas: qual o jogo ou intuição de fé e transcendência que habilitam a alguns a ratificarem minha composição espiritual? E pior: a desabonarem o jogo legítimo e histórico de uma senhora de 70 anos de iniciação? O que impele essas pessoas a tal translúcida certeza em afirmar algo para além do que sou eu em mistério e representação?
As dinastias imperiais das Casas Tradicionais em suas hierarquias de certo e errado, desprezando a complexa rede que dá sustentação ao título povo-de-santo; o jogo da pirraça e do expurgo para aliviar as torturas existenciais; o insucesso das agremiações políticas realçando a solidão individual de cada um; e o mais forte: a impossibilidade, por falta de fé, de manter uma relação íntima com a força que compõe o deísta e que o faz seguir altaneiro: seu santo anjo da guarda arcanjo protetor. Talvez sejam respostas mais acertadas e fáceis para o esquizofrênico quadro de quem tenta tirar um indivíduo do seu lugar de conquista e força, para irresponsável e politicamente, marcar no outro o que as aparências (tão enganadoras) promovem.
A vida ensina mais. E cada vez mais sou fanático em nome de Iemanjá e Oxoguian. E em nome de Iemanjá saio em luta para que não me apartem Dela em publicidades daninhas, pirraças diminutas, discursos racionais; por minha Rainha sou inteiramente louco e escrevo e berro e não deixo, às claras, que me destituam da  experiência maior nesta existência: meu vínculo ORI com este orixá.
Eu sei o que me trouxe até aqui; os caminhos que tracei, os buracos que saltei e o alívio que senti com as mãos de Dona Zulmira de Nanã sobre minha cabeça ( 24 de julho de 2010). E sei também do meu renascimento, em 04 de outubro de 1983, raspado pintado catulado por Lelu de Ogunté, minha mãe duas vezes. E sei também, do que jorrou em mim e marca as Áfricas que tomam meu corpo mestiço e define minha aproximação desse universo negro que respiro, pois minha alma é assim, a cultura prevalece ainda mais se há sintonia estética e emocional com o que aprendemos a ser e amar.
Por favor, senhores e senhoras que aprendem agora, que caminham para experiências da fé nesse tempo de torturante abandono e de intrigas por esporte; não ataquem em modelares negligências a competência litúrgica das pessoinhas de santo que me iniciaram no candomblé. Eu sei de mim; por isso que, quando saí da obrigação, eu reluzi. Oxalá é minha vida! E Iemanjá é o centro que a movimenta! Meu ORI.
Este texto é toda minha loucura e indignação – por reiteradas vezes -, perceber, depois de anos, falas de gente tão novinha nesse mar tenebroso e gigante que é o candomblé, me dar tantos orixás, e mais suavemente, me dar Oxoguian ( que é meu ).
Quem vai dançar em mim é Iemanjá. Ela me escolheu. É dela que me vem esse poder que tenho e pouco dele vou falar. Ela me sustenta no íntimo de nós dois com uma força que mete medo, quando não, inveja! Imagine se eu tivesse a pele preta?
Nasci no candomblé, minha gente: entre prostitutas e senhoras de família, aprendendo este imaginário religioso, que sempre pratiquei até quando fui evangélico, e hoje, com competência e certo brilhantismo, estudo antropologicamente, mesmo sem ter graduação em Ciências Sociais. Eu incomodo, eu sei.
Mas também sou incomodado. Por isso, minha simplificação: Iemanjá, Poesia e Antropologia... E é, justamente, desses três que meu entorno me quer arrancar...
Arranca não, filhos e filhas. Eu sou Adê Okún, filho de Ogunté e Oguian, doce maternal e briguento, louco por palavras e sonoridades; ebomy ( de tempo e de verdade!) do candomblé ( fora do eixo celeste), mas do candomblé. Não importando a que nação eu pertença: Peço Respeito!
E saibam: Iemanjá dança por nós e por mim, Ela briga. Odô Iyá!

domingo, 24 de julho de 2011

Para além da morte de Amy

Marlon Marcos
Para o Terra Magazine ( em 24 de julho de 2011)

Não é tolerável que se fale bem de Amy Winehouse, que se descrevam as características do seu talento, que se compreenda agora a dureza da vida frente às dificuldades de convivência, às vezes esta, insuportável aos mais sensíveis e criativos; e com candura hipócrita: minimizem, agora, as drogas perante o que a cantora, de vida breve, fez no cenário da música popular ocidental, igualzinho a outros ícones que morreram (ou foram mortos?) pela força da normalidade que configura este mundo asfixiante em que vivemos como prisioneiros moralistas.
A questão não é a droga pela droga, nem o desvario pelo desvario que alguns artistas apresentam. A questão não é elaborar um tratado psicológico ou sócio-antropológico, do ponto de vista acadêmico, para revelar as fragilidades da grande Amy; fragilidades que todos têm e se salvam pelo ordenamento, coisas que os inquietos e criativos, os de temperamento questionador, muitas vezes genial, não conseguem e nem querem se submeter.
A questão, se existe uma, é entender que nós criamos os drogados e precisamos dos transgressores. E esse tipo de morte expurga nossa culpa covarde de querer gozar a normalidade e combater letalmente os que tentam se destruir como forma de denúncia, de desabafo, de escracho inocente e suicida; os que se lançam à morte buscando uma vida mais luminosa, que entre nós, nem o grande talento consegue trazer.
Lamento a morte de Amy como se lamentasse a perda da minha vida. Ela alimentou, com seu escárnio autodestrutivo, a indústria midiática dos escândalos e das fofocas que dão densidade à existência tacanha de milhões de pessoas espalhadas por este mundo. Não sei se ela tinha coragem; tenho certeza que tinha um grande talento e estava entre as vozes mais agradáveis e especiais das cantoras planetárias na contemporaneidade.
Era toda ela um jeito surreal de ser: a forma idealizada que se tem do verdadeiro artista, aquele que representa o que não saberíamos ser: por pequenez, inabilidade, covardia, incompetência, falta de talento, de vocação, enfim, a tal da normalidade que emprega os medíocres.
Tomara que esta morte tenha um efeito contrário e não sirva para acariciar a pele rude da necrofilia do Ocidente; tomara que não só se façam discursos contra as drogas e nem mitifiquem Amy, santificada agora porque calada, castigada pela morte, por conta das suas transgressões, da sua rebeldia, da "fúria marginal", do seu encanto selvagem bem acima das possibilidades do humano em sua normalidade.
Back to Black acendendo-se em nossos ouvidos em uníssono para registrar uma despedida que é encontro. A gente sempre foi Amy no recôndito dos nossos sonhos, em nossas lamentações profundas, em nossa ânsia de fórmulas anestésicas, em nosso grito esmagado em busca de uma liberdade que nunca será...
Mas ela tentou, se desesperou, se aliviou, se maltratou; se errou integralmente não sei; sua voz ficará na galeria dessa imortalidade daninha que conferimos aos mitos; seu canto está em muitos antes e depois dela e continua até repousar em outro que tenha de morrer em nome da harmonia deste mundo que adoece os sensíveis, os proponentes, os que rejeitam: a alegria pipoca e macaco, poltrona TV domingo, neuroses bancárias, carro apartamento status... O poder que mata para que haja esta civilizada sociedade dos homens e mulheres bolsonaros.

sábado, 23 de julho de 2011

E permanecem os vitoriosos?


É noite. Uma crudelíssima noite de sábado me empurrando para o-não-sei-o-quê, aquele silêncio que evita perguntas e respostas para que a gente transcenda sem enlouquecer. É noite e um corvo na minha janela, o Cão-Cão da infância, bicando a dor no pensamento. Deveras, com calma, a gente precisa morrer. É noite em minhas vestes brancas e os sonhos escapuliram para dentro da cristaleira. Meu sorriso reflete a solidão dos bêbados, a agonia dos apaixonados, o desespero dos não talentosos, os indecisos, os ávidos por tudo, o vivo sem  sentido...
Hoje é noite e confusão, e essa vasta onda de sobreviventes, e minha pergunta sobre tratados trabalhos sucesso? Onde ir que não seja bar? O corvo bicando minha dor no corpo e o talento morto da cantora pra sempre. Hoje é pra sempre num disco que toca a favor do meu amor e o tempo chora. Soa o inaudível. O querer nos olhos que escrevem por mim. A alma que não há na mulher no lugar de Deus. Soa, como perto do mar, um sax. É Deus falando pra mim. É o abismo do anseio em busca do sucesso. A linha rompida da eterna união. O disco rodando e esse fastio, essa resseca, essa praga, esse castigo. Quase experiência de morte. A morte como salvação.
É hoje  mais um afinado desalinho: o peso desmedido da vida e a gente, sem ter como, continuando... Uma canção para ter meu amor aqui; para de lá, fora do meu alcance poético, mais idêntico desespero e vontade de transgressão, cantar a despedida que é encontro.
Pego flores, e daqui do pensamento, as lanço ao mar. Nado sobre elas para ter beleza leveza esperança... nunca poderá ser diferente, eu sei... nunca ocorrerá o alívio contínuo... nunca só sol brisa mar azul amor abraço sorriso... nunca a dádiva sempre e o presente dos céus todo dia...
Mas em mim, sempre haverá amor e fé! E suportarei, até o fim, os vitoriosos da acusação.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Caetano Veloso - A outra banda da Terra


Amar
Dar tudo
Não ter medo
Tocar
Cantar
No mundo
Pôr o dedo
No lá
Lugar
Ligar gente
Lançar sentido
Onda branda da guerra
Beira do ar
Serra, vale, mar
Nossa banda da terra é outra
E não erra quem anda
Nessa terra da banda
Face oculta, azul do araçá
Falar verdade
Ter vontade
Topar
Entrar
Na vida
Com a música
Obá
Olá
Brasil
Mas quem pariu
Tal gente!
Cantuária e Holanda
Maputo, Rio
Luanda, lua
Nossa banda da terra é outra
Canadá, Jamaicuba
Muitas gatas na tuba
Dos rapazes da banda cá
Gozar
A lida
Indefinidamente
Amar

Caetano Veloso

P.S. Ouvir essa canção é assinalar a grandeza de Caetano em mim. É o poema para a vida urbana que ele desenhou no Brasil. Isso de gozar a lida e indefinidamente amar. Toda lindeza de Caê perfaz este caminho: o novo comportamental, a inteligência a favor das expressões, o direito de amar de todos sem pedir licença. O mundo como recreio e circulando; culturas movendo-se e muitos podendo vivê-las, descobri-las e alterá-las alterando-se; ou simplesmente, excitando- se e gozando em níveis, desde lá, diversos.

Guimarães Rosa: uma viagem no feliz


Talvez não seja pra rir tanto, nem pra doer também: "uma viagem inventada no feliz". À busca do interior do Brasil para dentro do interior da gente, encontrar rios e cascatas e cachoeiras e cisternas, já que " perto de muita água tudo é feliz".
É pra imaginar a felicidade , sim. Uma dancinha no peito, batendo leve e nos fazendo sorrir. Força só a do possível, a que traz o que tem de ser e desmonta certezas, opera dúvidas, re-alimenta a natureza do querer e, quando menos se espera, acontece. Serestas mineiras de uma nova linguagem. Escritos para o sentir.
Guimarães Rosa, passeio. O súbito e o mais demorado: o manancial da delicadeza, o imprevisto arquitetado. O recomeço, a constante estréia literária - isso de sermos Diadorim...

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Mar



A trajetória das lembranças mais profundas: algo salgado na boca e o banho. Mar - lugar da tenacidade e da leveza sem igual; lugar da esperança que assusta, da sacralidade que se mistura  à vontade sexual. Mar - o corpo de mim à luz. A vida que se conduz ao alinho da eternidade. Vínculo altíssimo com a inspiração.
Ventos. Ondas à beira. Cheiro de areia e meninas virando pérolas. Dança geométrica das águas numa variação de cor entre verde e azul e o incolor que transvê as sereias. Mar - sentido solar da sedução. Destino tropical. Sacerdotisas louvando Iemanjá. Gaivotas alvejando o céu; o olho castanho molhando-se em mim. E minha mão certeira no centro visceral da busca que me guiou.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Quando sim, meu sorriso

"... na escadaria deserta de mim"
Clarice Lispector

 E só porque eu não sabia. E não podia evitar meu próprio riso. Apesar dos caminhos desertos. Em frente, paciente, a delicadeza na forma da flor... Eu diria dos lugares em que procurei, dos sonhos que abortei, das canções que inventei, do livro que escrevi. Nada com agonia, só doçura e imaginação. Eu era outro. E me vestia no amerelo inerente ao sonho externo de mim. Havia pássaros entre estrelas e palavras escritas no papel. Era uma viagem na absorção do muito que me traduzia: sim. Não existia lugar e só, a poesia de um corpo tatuado na retina do meu olhar.
O que eu não deixaria de enxergar se até cego ficasse. Naquela imagem a moldura do meu sorriso de paz e amor. Eu perdido por tanto achar. Eu desenhado de sentido, valendo a vida, amando sobre as nuvens azuis do meu coração... Eu. Rarefeito no receio de desencontrar. Palavra promovida à luz de uma convocação. O descuido - mas amor também é isso. 
Eu não sabia.
Lhe diria poética e tecnicamente sobre o amarelo da flor.
E dançaria para a lua, louvaria o sol se pondo, mediria o mar que me habita e o que me gravita impelindo a navegar.
O banho nas suas águas quase lágrima antes do meu sono. Sua chegada mágica nesse marulho de canto  feminino que lhe faz incentivo maior do meu sorriso... E para além de qualquer duração: minha vontade de lhe amar amar amar amar, desde que seus olhos, um dia, me disseram sim.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Chico fala do seu novo disco


RIO - Normalmente recluso, Chico Buarque sentou-se diante de uma câmera e concedeu uma longa entrevista a si mesmo. O depoimento, assistido pela imprensa nacional na manhã desta quinta-feira no site 'Chico: bastidores', é por enquanto o único que o compositor pretende dar sobre seu novo disco, "Chico" (nas lojas físicas no próximo dia 22, depois de uma pré-venda de 7 mil cópias pela internet). Durante 44 minutos de conversa, o artista de 67 anos falou de sua satisfação pessoal com o resultado do novo álbum, primeiro em cinco anos e avaliado pelo próprio como superior a trabalhos anteriores. Ao menos por ora.
- É evidente que eu estou satisfeito com o disco, mas não tenho a menor ideia do que as pessoas vão pensar. Nem saberia comparar com outros discos meus. Para mim, no momento, este é o melhor. Mas é sempre assim quando a gente termina: melhor que isso, impossivel - disse o músico para a câmera (a entrevista, na verdade, foi feita pelo jornalista Bruno Natal).
Registrado em preto-e-branco para acompanhar a estética da capa do novo álbum, o vídeo mostra Chico digressionando sobre seu processo de composição, sua "inabilidade ao violão" ou as parcerias no disco, mas principalmente sobre o tempo, seu melhor amigo na confecção da nova safra de composições (são 10 ao todo, oito delas inéditas).
- Desde que terminei o outro disco ("Carioca", de 2006) não compus mais nada. Fiz uma turnê, cantei por aí durante um ano, depois escrevi meu romance ("Leite derramado"), que me tomou mais um ano e meio (o livro foi lançado em 2009). Depois foi mais um tempo para me desligar da literatura... - relata Chico, preguiçosamente, no início do vídeo. - Aí levou mais um ano para eu escrever a primeira música da nova leva. E começou com "Nina", a valsa russa. Uma foi puxando a outra...
À medida em que considerava uma nova canção pronta, Chico a enviava para Luiz Cláudio Ramos, diretor musical do álbum. Tudo bem devagar.
- Ia mandando as músicas com intervalo de um, dois, três meses entre uma e outra. Esse intervalo era o tempo em que eu estava fazendo, compondo, recompondo, desfazendo, descompondo, até chegar à forma definitiva musical, harmônica. A letra vinha em seguida, quase junto, às vezes ia sendo burilada no dia da gravação. Mas a música, quando chegou aos músicos, já estava encorpada. Eu estava mais seguro do que queria [para o álbum] do que em discos anteriores - avaliou.

RETIRADO do Site Yahoo-Notícias (14/07/2011)

Clarice Lispector: leituras de mim mesmo


Eu tenho muitas leituras sobre ela, sobre a obra dela, que são leituras de mim mesmo. Meu estado de querência; vontade de me reinventar nas palavras de alguém que subverteu linguagens para criar uma que fosse só sua e se espalhasse por entre seus leitores.
Clarice, eu não queria ser ela. Isso me tiraria do prazer de vê-la por fora e sentir por dentro a graça das revelações que ela fez ao Brasil. Clarice é o espelho do qual não afasto meu rosto e a sigo em repetidas leituras de vários livros, vivendo dias sobre o efeito, às vezes, de uma única frase, de um breve parágrafo.
Ela é a mulher superando terríveis tragédias, intensificando seu estado de "estrangeira" no mundo, dominando línguas, para através do português e de sua literatura, instaurar um tipo de salvação entre nós: os que a lêem.
É misterioso em mim a origem do amor avassalador que tenho por sua obra, por sua história, pela pessoa comum que é a senhora Lispector. Escritora posta em raridades, a tecer histórias advindas da profundeza humana: misto de dor e alegria; o sacerdócio da escrita como fórmula de sobrevivência. Lições de alguém que quis a vida mesmo quando a vida não parecia querê-la.
Faço mergulhos diários em livros de Clarice, a levo para minha sala de aula, conto a história do Brasil à luz da biografia dela; a exalto, a examino... Nada me comove tanto, me anima tanto, me faz amar a arte tanto, quanto a escritura de Clarice. Pago o preço do peso. É isso, eu peso tanto quanto Lispector, mas também como ela, sou cheio de esperança, de silêncio, de fantasias e de espera.
Minha alma, apesar de afro-brasileira, é integralmente clariceana. E eu sou estrangeiro neste mundo também. Repito-me também. e tenho um repertório viciado. O que me qualifica na vida é ser leitor constante de Clarice Lispector.
Reconheço: é um mito pra mim. Eu a idolatro. Fotografo seu rastro, contemplo sua imagem. Vivo o destino de querer escrever e quando frente à Clarice: desisto, quero só ler...
A dor dela me ensinou a doer menos. E me trouxe sonhos e alumbramentos. E me ensinou a contemplar minhas difíceis paisagens internas. Ela só não me ensinou o desapego e nem me ensinou a esquecer.
Hoje mesmo, à mesa da minha casa, comi misturadas partes de O lustre e Água viva, aliás, este último eu nunca evito e quando largo ele, morro de saudade como se me fosse um grande amor.
Leiam Clarice; eu sei que ela já é eterna, e é a escritora mais estudada pelos acadêmicos do Brasil, mas... O maior desejo de um escritor, sem dimensões de sucesso, é ser simplesmente lido.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Pedra turca

"Uma pergunta de quando eu era pequena e só agora me respondo: as pedras são feitas ou nascem? Resposta: as pedras estão".
Clarice Lispector 

Eu no meu canteiro de pedra. Eu a pedra. Sem localização. A falta de história. A mentira como solução. Nascido do grito que me silenciou. O que rola com as águas. É rocha mas finito. A pedra azul. O que sustenta sem sustança. O inteiro que dói. A promessa. Estático ao vento. Modificado com o tempo e puro por dentro feito coisa intacta. Eu, silêncio. Solidão vegetativa. Pássaro em extinção. Peixe pescado, caminho pisado. Aconchego dos amores em risco e segredo. Pedra. Ali. Sem visibilidade, sem toque. Cena do abandono. Pedra. O estar sem explicação. À revelia do estudo. Mudo. E mistério descrito em treze anos do quase. Pedra alinhamento. Sepultura poética. Per amore. Inscrição. Sociedade perdida. Selvageria civilizada. Arte. Indecisão. Pedra turca. Ilha do medo. Vaga sem salvação. Ansiedade sem morte. Eternidade como condenação.



Lápide triunfal que memoriza o ídolo maior diluído em palavras.
Lápide doída que guarda vivo o amor distante.
Lápide em versos de uma canção esquecida.
Lápide composição de lendas.

"um corpo azul- dourado"

terça-feira, 12 de julho de 2011

Elza - sempre!


Ela é um monumento.Nosso grito se soltando. Luta e resistência. Mais que tudo: conquista. Ora pressa, ora paciência. A voz nos rasgando na canção hino do grande Lenine. Esta voz encerrando o triste Estamos Juntos naquela atuação sublime de Leandra Leal. Elza é patrimônio e está viva. E eu ainda aos prantos... Eu, pouca paciência frente à gigante Elza Soares. Espécie de mais é ali e ela arrancou da vida. Viva. A cantora do inexplicável. Voz que fere e ensina. Força. Luz. Elza dos temporais; no fundo, a amiga dos deuses. Por isso: ela pode.

Abrir a janela




Abrir a janela para seu sorriso
enfeitado de sol e mar
a desenhar a delicadeza
que é só sua...


Abrir a janela e te fazer
entrar...
brincar com esperança,
dançar de fantasia,
silenciar dentro dos seus
olhos... meus.

Abrir a janela e,
admirar seu voo,
sempre entrando
no profundo de mim.

Abrir a janela,
escancarar sem medo,
revelar segredos e dormir.

Dormir no conforto da sua presença
nós, agora, de janela fechada.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Perto dos elementos de minha Mãe


Iemanjá, muitas vezes, nada em mim. Visita meus sonhos e combate quem deseja me apartar Dela. Me lança ao sentido das Arraias, Tartarugas, Golfinhos e me faz irmão destes. Eu vivo sob o fascínio das águas, em especial, as do mar - morada de minha Mãe. Meu semblante discursa alegria quando estou perto do mar, dos rios, das fontes, dos lagos, das cachoeiras... Renasço, ali, com a certeza da proteção, sirvo meu Orixá, canto para o Universo, e revigoro a Fé que não sai de mim. Eru Iyá!

domingo, 10 de julho de 2011

O destino

"E estar à sua mão
Quando você vier"

Insuportável é a rotina de uma longa espera. Indesejável aquela luz no espelho acendendo a imagem do tempo passando. O colorido das perguntas vãs esvaziando-se frente ao desbotado das certezas e a vida indo para. Grave o sorriso doce do menino com mais de trinta; seus olhos pedintes... A vida. O lado mágico e o lado sombrio. Duas formas do medo. A gente acabando de singeleza e confusão. Retas do desatino. O estar esperando a mão ratificando o sim entre  a boca e os olhos. O barco navegando os desvios feitos pelo segredo que alimenta o destino.
E essa dança desencontro. Essa incongruência de querer no passado ou no futuro. O presente é a poesia com quase trinta que bate ao largo da esperança, mas é vívida e inspira pelo fato de ser a rota mais amada, o físico, o encontro de dois, o ser das palavras reificadas como a cara do amor.
A rotina de uma longa espera. Fora de hora na eletrola do desejo, ora Nana, ora Dori, amores subversivos e imaginação.
A composição do que se diria depois se tivesse existido durante. Amolação do destino: anseio anseio anseio anseio. Exatidão. Minha mão apertando alguma.

Black People


Domingo. Noite que na Bahia se toca para Ogum. Nossa beleza mais forte se afirma. E, para além da fé, outras sensações, outros encantamentos; uma África que se nos mistura e impele à imensa vontade de ver e tocar. Frente ao espelho.

sábado, 9 de julho de 2011

Seal - Crazy


Encerro meu sábado ouvindo Seal. Uma época em que vivia shows entre a Concha Acústica do TCA e o Pátio do Clube Bahiano de Tênis. Era, talvez, 1992, e Crazy me embalava depositando em mim a noção da delícia da beleza da África cantada em inglês... Eu sorria muito e acreditava muito e queria muito. Cheguei até aqui, tanta frustração e tanta realização também, como é a vida! E Seal ainda em minhas memórias, e sua canção Crazy. Eu dentro aí, nadando sobre a beleza, ávido de desejo, cantando num inglês macarrônico, meu sonho altaneiro de vida movida à arte, ao popular, minha centralidade negra, minha sexualidade, minha poética existencial. Deixo Seal e Crazy com vocês...

terça-feira, 5 de julho de 2011

Eu - o estrangeiro

Guilherme Leme ( O estrangeiro de Camus)

"Vou ver quem devora quem "- Clarice Lispector

Eu.
Começo a desenhar a pertença que não tenho. Me seguro na imprecisão de um horizonte que não vejo. Caminho por debaixo de pontes. E sigo. Sozinho. Eu. Navio singrando mares castanhos dos olhos que me refletem. Nada está perto. Ao longe, mais que deserto, escrevo meu amor no dorso dele que não me pertence. Escrevo rascunhos por cima da obra final dele, tão somente, só assim aprendo esperar.

Eu.
Enfeito-me daquela poesia e respiro esperança. Me lanço em calmarias. Negocio com o tédio, pois no que vejo tem a tal  poesia... Seguro-me na mão do mistério para entender esta duração. Sem roupas e sem certezas caminho a falta de pertença que traduz minha solidão. E beijo o dorso dele. E me faço carinho. E com ternura invado um mundo que não sei habitar. Invado com a delicadeza deste amor. Vazio - escapo para o virtual do que sinto e nisso, há a presença dele. E nisso, minha falta de pertença é maior.

Eu.
O estrangeiro. O sem lugar. O que se recolhe ao som do carinho. O que escreve como terapia. O para além. Aquele que nada nos olhos do anjo. Que cura suas asas. Que o traz para dentro. Que o transforma em menino e deus. O que desmorona na configuração do adeus. O que segue seus versos estrelares. Eu,  em sofreguidão resgatado pelo vento. O esmagado pelo tempo. O poeta sem solução.

Fora de hora - Dori Caymmi


Fora de hora o meu coração


Pega a pensar no seu

Será que ele também

De mim não se esqueceu

Será que embora um bom coração

Deseja mal ao meu

Será que diz que nem

Sequer me conheceu



Quando é tempo de serenar

Quando é hora de recolher

Por que vai e vem

Na gente um bem querer

Quando já nem balança o mar

Quando nem uma luz se vê

Nem um dia além da noite sem você



Agora mora o meu coração

Sozinho como quer

Sem outra dor senão

A dor de ser mulher

E estar à sua mão

Quando você vier

Chico Buarque/ Dori Caymmi


segunda-feira, 4 de julho de 2011

A ternura delirante

"Abandona-se toda, ansiosa pelo mar"

Hoje eu senti o assovio da ternura delirante, me chegando de um lugar desconhecido e me ofertando horizontes que me fizeram dar carinho a mim. Era imagem, som, voz, palavra escrita - feições de uma delicadeza tal igual a das rosas,  e num meio sorriso, segurei a vida nas mãos.

Em pausa. O tempo gera descaminhos. A alma se inspira com o que não há. Ou não está. Meu símbolo de saudade perfila versos desenhados no céu cibernético. Não têm pistas mas têm sentido. Viajo para lá sem saber encontrar. Ali, faço carinho em mim, repenso a esperança e, feito criança, danço uma rara ciranda de palavras. Ali, águas pássaros gentes mães espelhos terras cercas mulheres, tudo me acende comoção; vivo-me dentro de noites e dias mergulhado naquela linguagem.

Em pausa, eu sonho. E vibro. E leio imaginando um beijo, um toque, uma lágrima, a risada, a chegada, um abraço, o assovio daquela linguagem dona da delicadeza que mais se aconchega em mim. E por vezes, que pena!, só me é pela arte navegando universos virtuais.

Dentro da noite


Dentro da noite a vida canta
E esgarça névoas ao luar...
Fosco minguante o vale encanta.
Morreu pecando alguma santa...
       A água não para de chorar.

Há um amavio esparso no ar...
Donde virá ternura tanta?...
Paira um sossego singular
       Dentro da noite...

Sinto no meu violão vibrar
A alma penada de uma infanta
Que definhou do mal de amar...
Ouve... Dir-se-ia uma garganta
Súplice, triste, a soluçar
         Dentro da noite...
Manuel Bandeira