quinta-feira, 14 de julho de 2011

Clarice Lispector: leituras de mim mesmo


Eu tenho muitas leituras sobre ela, sobre a obra dela, que são leituras de mim mesmo. Meu estado de querência; vontade de me reinventar nas palavras de alguém que subverteu linguagens para criar uma que fosse só sua e se espalhasse por entre seus leitores.
Clarice, eu não queria ser ela. Isso me tiraria do prazer de vê-la por fora e sentir por dentro a graça das revelações que ela fez ao Brasil. Clarice é o espelho do qual não afasto meu rosto e a sigo em repetidas leituras de vários livros, vivendo dias sobre o efeito, às vezes, de uma única frase, de um breve parágrafo.
Ela é a mulher superando terríveis tragédias, intensificando seu estado de "estrangeira" no mundo, dominando línguas, para através do português e de sua literatura, instaurar um tipo de salvação entre nós: os que a lêem.
É misterioso em mim a origem do amor avassalador que tenho por sua obra, por sua história, pela pessoa comum que é a senhora Lispector. Escritora posta em raridades, a tecer histórias advindas da profundeza humana: misto de dor e alegria; o sacerdócio da escrita como fórmula de sobrevivência. Lições de alguém que quis a vida mesmo quando a vida não parecia querê-la.
Faço mergulhos diários em livros de Clarice, a levo para minha sala de aula, conto a história do Brasil à luz da biografia dela; a exalto, a examino... Nada me comove tanto, me anima tanto, me faz amar a arte tanto, quanto a escritura de Clarice. Pago o preço do peso. É isso, eu peso tanto quanto Lispector, mas também como ela, sou cheio de esperança, de silêncio, de fantasias e de espera.
Minha alma, apesar de afro-brasileira, é integralmente clariceana. E eu sou estrangeiro neste mundo também. Repito-me também. e tenho um repertório viciado. O que me qualifica na vida é ser leitor constante de Clarice Lispector.
Reconheço: é um mito pra mim. Eu a idolatro. Fotografo seu rastro, contemplo sua imagem. Vivo o destino de querer escrever e quando frente à Clarice: desisto, quero só ler...
A dor dela me ensinou a doer menos. E me trouxe sonhos e alumbramentos. E me ensinou a contemplar minhas difíceis paisagens internas. Ela só não me ensinou o desapego e nem me ensinou a esquecer.
Hoje mesmo, à mesa da minha casa, comi misturadas partes de O lustre e Água viva, aliás, este último eu nunca evito e quando largo ele, morro de saudade como se me fosse um grande amor.
Leiam Clarice; eu sei que ela já é eterna, e é a escritora mais estudada pelos acadêmicos do Brasil, mas... O maior desejo de um escritor, sem dimensões de sucesso, é ser simplesmente lido.

Nenhum comentário: