sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Saluba


Senhora dos lamaçais geradora da vida
Autoridade misteriosa da morte
Dona dos meus caminhos atuais
Eu te saúdo Oh, Mãe!
E te agradeço da alma
Por esse ano de 2010.
Toma-me em sua graça
E me acompanha o Destino,
Cuida de todos nós no Tumbenci
E encha Tua flha maior de luz e sabedoria
De saúde, de alegria e bem viver.
Oh! Saluba - Nanã Jaoci -
Obrigado, Rainha!
Que em 2011 Prosperidade
Nos chegue também.
Axé.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Ao sol do Porto da Barra na Bahia


Essas coisas que se traduzem em destino, às vezes, são pura liberdade. O sujeito todo em silêncio perante o mar respirando sua história. A memória ora lágrimas ora gargalhadas e a conclusão: eu nasci aqui. Há de ter algum sentido para esse acontecimento. Senão, basta enfrentar aquele crepúsculo, se abandonar à brisa no final da tarde, se perder em balneário, desacelerar de tudo e se esquecer até de rezar ou agradecer; só ver o que se pode sofrer no sentido da felicidade. O tempo ainda mais curto. Nada de concreto na gaveta, na biblioteca, nas livrarias... Tudo muito etéreo, além de sublime, como a voz de Billie Holiday em All the way... Será que , em mim, toda força da vontade ficará sempre no verde esperança sem o sangue vivo vermelho da realização? Clarice já me disse que destino é livre-arbítrio. De certa forma Sartre me contou o mesmo. E eu aquecido entre o sol e a beleza que reina nesta parte da baía. Um pouco de tédio porque enquanto os olhos agradecem, os ouvidos doem por libertação. A Cidade da Bahia e suas sonorizações. Eu me abandonando no abandono absoluto da velha Salvador. Uma só canção bastaria se me alma não desejasse ali só silêncio. Escândalo. Eu nasci aqui dentro desse abandono e absoluta beleza. Minha prainha do Porto da Barra. Meus antigos dias de aprendizado e existência gozando e agora, nos quarenta, o tempo passando e eu sem querer ir e sem querer ficar. Entrego a autoridade Destino e peço sorte também. Eu mereço.

2011: Iemanjá Oxum Oyá em mim







Minhas Iyás,

Que 2011 me chegue em saúde e leveza. Que poucas certezas me norteiem nessas novas empreitadas e que as muitas dúvidas que tenho me arrebatem em criatividade. Quero coragem para continuar a ser como eu me construí , como o que escolhi e que a sorte também me assista. Minhas Meninas Mães tomem meu maior desejo em suas mãos e me ajudem em sua realização. Despejem mais azul e feminino em mim e iluminem a minha escrita para que arte eu comunique. Quero mais prazer profissional, prosperidade, integridade, utilidade social, transformação...
Meus olhos transmitem agradecimento e choro pelos elementos atmosféricos com a chegada das graças que me vêm das Senhoras.
Meu ano novo nascerá em sábado. Mais risos e Fé!
Que eu renasça na ideia do amor e faça festa em minha vida.
Que eu me permita felicidade e ame, também, a minha própria companhia.
Que venha o novo novíssimo bom!
Quero criar em mim aos outros para ter sentido em ser!
Viver - aquaticamente - as marcas do feminino transbordante,
2011 - o começo inexorável do escritor.


terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Stella Maris, minha oração por seu canto


Hoje é um dia para alegria. Uma ventilação acima do verão saída de uma voz. Uma pergunta de resposta certeira para além do que se descreve. E o descrito é lindo, mas o sentido é impossível de se dizer... Hoje eu falaria com os duendes, clamaria as sílfides e nereidas, convocaria as bruxas do Leste, tocaria no rosto das Iaras em seus igarapés, enfrentaria Medusa, pediria às águias e aos golfinhos, consultaria os xamãs peruanos, meditaria em Buda e Krishna, rezaria a Nossa Senhora, cantaria para a Grande Mãe, visitaria Ísis, acionaria os elfos, incumbiria os querubins e arcanjos, tocaria a flauta de Pã, me comunicaria com extraterrestres, alcançaria o olho da serpente, voaria com Oyá-Iansã... Hoje é a minha voz em silêncio abaixo daquela voz cantando; hoje todos os encantados por perto a religar os sons secretos do mar aos ouvidos humanos. Hoje Oxum permite arte e desatina tesouros brotando do sonho maduro de uma mulher.

Eu voaria com as canções tentando alcançar as mãos de Deus... Debulhar-me-ia em mantras tornando-me Ganesha, ainda a preservar os mistérios. Roubaria o fogo de Prometeu, decifraria esfinges e intelectuais e, faria a síntese deste dia no marco da beleza se desfiando das águas saídas do canto da mulher.

Inteira oração na hora mais perigosa do dia: todos os encantados da Terra, do Mar, das Matas, do Fogo, do Ar, das Pedras, do Metal... Todos e Todas que podem gerar grandezas...

Entregar-me-ia em profunda oração. Com um balaio em tecidos verdes azulados, fitas e rosas brancas em abundância, arroz cozido, doces, perfume de alfazema, inteiro em roupas brancas, e ofertaria a, na manhãzinha de um dia qualquer nas águas marítimas da enchente, Iemanjá - Rainha das Águas que cobrem o mundo – para que Ela fizesse singrar pelo Brasil o canto magistral de sua filha sereia que anda sobre asfaltos, mas é a emissão dos mananciais aquáticos que refrescam a alma da gente e fazem a mente receber como gozo...

Pediria e peço: Oh! Mãezinha espraia o canto de sua filha, dai a ela 2011 acertos e nos permita sonhar, em festa e alegria, com os acordes que transbordam daquela garganta, outra morada da Senhora. Odô Iyá!

A Concha do TCA vai ferver em Janeiro


A cidade do São Salvador da Bahia é um dos melhores lugares do mundo no mês de Janeiro. Imagine só juntar o sol do verão, as águas lindas do seu mar, e um monte de atrações artísticas e especiais.

Dia 09 de janeiro de 2011 - a grande Mart'nália vai incendiar a Concha Acústica, show imperdível!

Dia 14 - A Sala Principal exibirá a musical universal, sofisticada, elegante de Bebel Gilberto ( às 21 horas).

Dia 23 - Lenine volta ao seu lugar, à Bahia, para cantar e encantar a todos na Concha Acústica. Projeto Petrobras e ingressos a 20/ 10. Imperdível.

Dia 09 - Lazzo ocupa a Sala Principal e nos alimenta com sua voz e música, a 1 real apenas. 11 horas da manhã.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

No caminho do mar

Nas raias de muitos dias sob a suavidade do sol da Bahia: a beleza que se irradia a partir do mar fazendo poesia e verão...

Gabriela Mistral: informações


"Poetisa chilena (7/4/1889-10/1/1957). Foi a primeira escritora latino-americana a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1945. Sua poesia única e repleta de imagens singulares não mostra influências do modernismo nem das vanguardas. Descendente de espanhóis, bascos e índios, Lucila Godoy Alcayaga nasceu em Vicuña, uma vila do norte do Chile.

Com apenas 15 anos começou a dar aulas. Seu noivo cometeu suicídio em 1907, fato que marcou a obra e vida de Gabriela Mistral, nunca se casou e se dedicou somente ao trabalho. Venceu um concurso literário chileno em 1914 com Sonetos de la Muerte, assinados com o pseudônimo Gabriela Mistral, formado a partir do nome de dois poetas que admirava o italiano Gabriele D’Annunzio e o francês Frédéric Mistral.

Seu primeiro livro de poesias, Desolación (1922), inclui o poema Dolor, no qual fala da perda do amado. O sentimento de maternidade frustrada aparece nos trabalhos seguintes, Ternura (1924) e Tala (1938). Colaborou na reforma educacional do México e do Chile. Representou seu país como consulesa em Nápoles, Madri, Lisboa e Rio de Janeiro. Em 1954 publica Lagar.

Lecionou literatura espanhola na Universidade de Columbia. Morreu em Hempstead, no estado de Nova York."

Retirado do blog Poesia Latina

Violeta Arraes: universalidade nordestina






Ela morreu, na véspera do aniversário de Maria Bethânia, sua grande amiga, em 17 de junho de 2008. A Rosa de Paris, como ficou conhecida, é um patrimônio de humanidade para o Brasil. Sua história de vida se inscreve na história da luta e da resistência contra os demandos das dituduras instaladas na América Latina nos anos sessenta e setenta, principalmente, as militres no Brasil e no Chile. Uma nordestina universal, defensora das artes, do fomento cultural, da educação humanizadora, da luta por justiça social, da instauração da beleza na vida cotidiana do ser humano. Essa coisa dos Arraes fascina a todos nós que almejamos dias melhores para todos; de Miguel a Eduardo Campos, dá uma alegria de ser pernambucano; e Violeta quando é homenageada pelos Veloso, Caetano e Bethânia, sou mergulhado em orgulho e poesia. Um dia vi Violeta de perto, à beira mar do Rio Vemelho, em um Dois de Fevereiro, ao lado de Caetano Veloso e Paula Lavigne levando presente para minha Rainha Iemanjá... Uma tarde quente de muita comoção e além de agradecer a Iemanjá, agradeci, em silêncio, a Violeta Arraes.

Clarice Lispector: A fome

" Meu Deus, até que ponto vou na miséria da necessidade: eu trocaria uma eternidade de depois da morte pela eternidade enquanto estou viva".

domingo, 26 de dezembro de 2010

Da vida que se quer

Eu quero a força do que me aprofunda
Levando-me a tempestades e realizações;
Quero critérios para descumpri-los
E fazer mistério quando revelações.

Quero o grito que deseduca
E me põe dentro do animal,
Quero faca, ferro, fogo, sal
Operando milagres na existência.

A sentença será a vida qualquer
Em desenhos curvilíneos,
Complexos,
Afeita a dor e prazer
Musical...

Vida transversal concreta
Arregimentando gentes...
Descrita em poemas maduros
Límpida em suas alegorias.

Maria Bethânia: "o futuro da beleza"

Maria

"Quem é belo
É belo aos olhos - e basta.
Mas quem é bom
É subitamente belo."

"Arrisquemo-nos a tudo...
Contra uma angústia sofrida
Tudo se deve tentar"
Safo de Lesbos


Será para além daqui...
O culto artístico em feição de crença.
A presença em cena da mulher trapezista
Irmã audaz da poeta e do palhaço...
A face que se nos assusta e os olhos
Que ferem como as garras da águia...
Doce ausência morena da terra
Em que eu nasci...
Agreste presença em cima dos palcos,
Dominando riscos, dasaguando arte...
Serana força humana em árvores
Bichos, pedras, terra, vento, palavras...
Musa meio brisa inteira tempestade
Que do centro vasto da garganta
Crava beleza em quem a ouve.

"na hora perigosa da tarde"

Era quando. Movimento das coisas mortas: o humano sem sonho. A ida do sol deixando o medo. A voz de Renato Russo intensificando a falta de aprendizado: quando se aprende a amar o mundo passa a ser seu... Cordeiro de Deus fazei deste dia, uma noite para além da mera respiração; fazei da boca receptáculo de vida e assim, mais vida nos seja após o crepúsculo.
Neste instante de agoras perplexos pela sonoridade vital da deusa, água e fogo, musa símbolo contra horas perigosas - trazei aquela canção que me ensina brincar de viver.

Clarice Lispector

Clarice
"Clarice, eu não leio você para a literatura, mas para a vida", em um tempo qualquer, Guimarães Rosa sentenciou isso sobre Clarice Lispector. E a compreensão do grande mestre da literatura mundial acaba servindo como melhor representação para o que milhões de fãs sentem frente à obra clariceana. Parece que citam Clarice desgastadamente e nada desgasta a grandeza desta artista mistério. Eu sinto saudade dela como se meu amor por ela fosse por convívio. Meus domingos têm sido menores quando estou em alguns dos seus livros e a vida, esse sopro inconcluso, tem aprendido na dor estendida desta mulher de medo e coragem, paisagem abundante, frágil e feroz, que quis, como ninguém no Brasil, se tornar mito. E é.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Há muito que hoje não era tão hoje assim

Silêncio.
Anoiteceu na Cidade da Bahia e em mim cessaram muitas perguntas. Aliás, desisti de muitas respostas. Hoje o dia flanou sobre mim sem que me tocasse a solidão. O sol convidou a alegria, o azul do mar me entregou poemas, os amigos me abraçaram, as mulheres cantaram, os pássaros livres, nada de erros e acertos, a beleza se sendo real, inspiração na brisa, um leve desejo, um trio de vozes femininas fazendo um suave carnaval. Há muito que hoje não era tão hoje assim.
Há muito que a leveza não me cobria nesses dias de feriados natalinos. E os meus olhos enfrentaram corajosamente o horizonte do mês de dezembro. Quero-me mais tempo assim: sem questões de tristeza ou felicidade; quero-me em mim me dando o direito de só ser, ainda que seja sobre o sol quentíssimo do verão da Bahia, me devo o direito de só ser...
Mescla de amarelo e azul inclinando-se ao branco que pacifica... Não ouço meus lamentos e nem marulham minhas saudades, a calma é da alma, paisagem é água, e estar aqui, nesse instante, só fazendo silêncio.

Stella Maris: voz que aprofunda o mar

Stella Maris
Como diz o mestre Tiganá Santana, o belo é maior que o bonito, e indo nesta direção meus olhos e meus ouvidos pousam em Stella Maris. Quando ouço esta santo-amarense me aproximo das águas em refrescância e prazer, sinto a vida me emocionando, as coisas se humanizam, Iemanjá, em alegria, dança. Stella é o canto de uma contínua poesia que sempre estou por fazer. Sua voz aprofunda o mar e seu jeito tímido me banha e convida para seu mistério. Amar, pra mim, é viajar naquela musicalidade, é se acompanhar do outro nos sendo prazer. Tem dor ali; tem cor também... Uma das maiores cantoras brasileiras e a representante número 1 entre as vozes femininas que residem em Salvador. Beleza , é isso, brota beleza da voz sereia desta mulher que tem o mar também nos olhos. Que 2011 seja o ano do canto Iyabá de Stella Maris.

Transver em Ricky Martin


E eis que os olhos agradecem ao favorecimento do tempo e da complexidade. Na imagem que nos representa no castanho olhar que exercita inspira alimenta e realiza o desejo. E eis que a gente dança numa investida da alegria e da afirmação que nos faz transver a vida inutilizando milhares de explicações. Excelente 2011, belo igualmente ao que vemos...

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Ao mais que humano em mim

"Abrirmos a cabeça
Para que afinal floresça
O mais que humano em nós".

Um brinde ao mais almejado.
Que venha como força etérea
Mais que seja corpo, seja livro.
Se faça lampejos dentro de mim
À luz da beleza que quero dar.
Que percorra olhos e mãos
E o amor encantamento
O receba com ímpeto e orgasmo.
Que seja água purificando e
Fertilizando os sonhos para
Alimentar de esperança os
Horizontes.
Que me permita louvar
Palavras e agradecer,
Por escrever e sobreviver
No mais que humano em mim.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Eduardo Viveiros de Castro: o humano


"Se tudo é humano, nós não somos especiais; esse é o ponto. E, ao mesmo tempo, se tudo é humano, cuidado com o que você faz, porque, quando corta uma árvore ou mata um bicho, você não está simplesmente movendo partículas de matéria de um lado para o outro, você está tratando com gente que tem memória, se vinga, contra-ataca, e assim por diante. Como tudo é humano, tudo tem ouvidos, todas as suas ações têm consequências."


Revista Cult ( Edição 153 - 2010)
P.S.: Bravíssimo!!!

Eduardo Viveiros de Castro : antropologia renovada

Juvenal Savian Filho e Wilker Sousa ( Revista CULT)
Fotos: Lucas Zappa
“Viveiros de Castro é o fundador de uma nova escola na antropologia. Com ele me sinto em completa harmonia intelectual.” Essas palavras são do antropólogo e pensador francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009) a respeito da obra do brasileiro Eduardo Viveiros de Castro. Professor de antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele é reconhecido nacional e internacionalmente por seus estudos em etnologia indígena – o ensaio “Os Pronomes Cosmológicos e o Perspectivismo Ameríndio”, publicado em 1996, recebeu traduções para diversas línguas e foi incluído em duas antologias britânicas de textos-chave da disciplina, a primeira centrada na antropologia da religião, a outra dedicada à teoria antropológica geral. Em 2009, publicou na França o livro Métaphysiques Cannibales, no qual resume as implicações filosóficas e políticas de suas pesquisas entre os povos indígenas brasileiros. No Brasil, seu livro mais conhecido é A Inconstância da Alma Selvagem, publicado em 2002, que reúne estudos escritos ao longo de sua carreira até então. Uma segunda coleção, trazendo seus ensaios mais recentes, está em preparação, devendo ser publicada pela editora CosacNaify em 2012, sob o título A Onça e a Diferença.
Seu currículo inclui atividades intelectuais em âmbito mundial. Foi professor-associado nas universidades de Manchester e Chicago e ocupou a cátedra Simón Bolívar de Estudos Latino-americanos da Universidade de Cambridge. Foi diretor de pesquisas no Centro Nacional de Pesquisa Científica, em Paris, tornando-se membro permanente da Equipe de Pesquisa em Etnologia Ameríndia. Ainda na França, foi agraciado em 1998 com o Prix da La Francophonie, concedido pela Academia Francesa.
Aos 59 anos de idade, construiu uma obra potente e irretocável. Viveiros de Castro recebeu a reportagem da CULT em sua sala no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e falou sobre seu trabalho, a atual política indigenista, a crise ambiental e a inserção do Brasil na economia mundial.
CULT – Como se dá seu trabalho de campo e com que regularidade o senhor visita as comunidades indígenas?
Eduardo Viveiros de Castro – O principal de minhas pesquisas de campo com os povos indígenas da Amazônia fez-se entre os anos 1975 e 1988. Estive por breves períodos entre os Yawalapiti do Parque do Xingu, em Mato Grosso (hoje o estado deveria ser chamado de Mato Ralo), os Kulina do Rio Purus, no Acre, os ianomâmis da Serra de Surucucus, em Roraima, e finalmente entre os Araweté do Igarapé Ipixuna, no Médio Xingu, Pará. Apenas entre os Araweté realizei o que se pode chamar de uma pesquisa etnográfica, que requer uma convivência demorada com o povo estudado, o aprendizado da língua nativa (no meu caso, bem incipiente) e o envolvimento emocional e cognitivo – o compromisso existencial – com as questões e preocupações da vida da comunidade que generosamente aceitou receber o antropólogo. Minha estada com os Araweté não foi tão longa quanto deveria: morei no Ipixuna por cerca de dez meses, entre 1981 e 1983, quando precisei deixar a área por motivos de saúde (malárias repetidas). Depois voltei algumas vezes, em visitas curtas, perfazendo 14 meses até 1995. Isto é, na melhor das hipóteses, a metade do que se precisa para fazer um bom trabalho de campo. Mas cada um faz o que pode. Há quem aprenda mais depressa, outros precisam de mais tempo. Além disso, há povos que demandam muitos anos de convivência até que as coisas comecem a fazer sentido para o pesquisador, e outros que são mais abertos e mais diretos. Por fim, tudo depende daquilo que se quer estudar. De qualquer maneira, não me vejo como um grande pesquisador de campo. Sou um etnógrafo apenas razoável.
Há cerca de um mês, após 15 anos de ausência, voltei ao Ipixuna para uma rápida visita. A desculpa para uma ausência tão demorada, a rigor indesculpável, foi que a vida me levou para longe da Amazônia: ensino, família, períodos de residência no exterior, o lento trabalho da escrita, o peso da idade… Isso para não mencionar algumas dificuldades que acabei tendo com a autoridade indigenista local, em Altamira (PA), por causa das empresas evangélicas que queriam se instalar entre os Araweté. Aos olhos desses missionários, eu era uma espécie de Satã que estava ali entravando a almejada conquista espiritual dos índios. Assim que parei de ir com mais frequência ao Ipixuna, esses missionários conseguiram se insinuar nas aldeias, com a complacência da administração indigenista. O estrago que causaram, até agora, ainda não parece ter sido grande demais. O mérito, naturalmente, é dos próprios Araweté.
Retornei a convite dos Araweté – não foi o primeiro que me fizeram, nesses 15 anos – e da nova administração da Funai em Altamira, com quem tenho a firme intenção de colaborar, nessa fase histórica tão difícil que se abre agora para os povos indígenas do Médio Xingu, com a construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte. Está na hora também de passar o bastão e apresentar alguns de meus estudantes do Museu Nacional aos Araweté, para que possam continuar o trabalho.
�O senhor concorda que, nas últimas duas ou três décadas, os “índios” têm aparecido mais no debate político e nos veículos de comunicação? Por que isso demorou tanto tempo?
Em seu livro Tristes Trópicos, Lévi-Strauss conta uma anedota reveladora. Era o começo dos anos 1930, ele estava de partida para o Brasil, onde ia ensinar sociologia na USP. Lévi-Strauss encontra o embaixador brasileiro na França, Luiz de Souza Dantas, em um jantar de cerimônia, e lhe pergunta sobre os índios brasileiros, que já então muito lhe interessavam. Ao perguntar ao embaixador como deveria proceder para visitar alguma comunidade indígena, este lhe respondeu: “Ah, meu senhor, no Brasil há muito tempo não há mais índios. Essa é uma história muito triste, mas o fato é que os índios foram exterminados pelos portugueses, pelos colonizadores, e hoje não há mais índios no Brasil. É um capítulo muito triste da história brasileira. Há muitas coisas apaixonantes a serem vistas no Brasil, mas índios, não há mais um só…” Lévi--Strauss conta que, naturalmente, quando chegou ao Brasil, descobriu que não era bem assim.
Isso não quer dizer que o embaixador (cuja aparência física, diz maliciosamente Lévi-Strauss, indicava uma óbvia contribuição indígena) estivesse mentindo deliberadamente, procurando negar uma realidade vergonhosa mas sabida. De fato, o embaixador não sabia que havia índios no Brasil; o Brasil que ele representava diplomaticamente não continha índios. O Brasil era um país desesperado para ser moderno, então não havia, porque não podia haver, mais selvagens aqui. Outro fato curioso: em 1970 (portanto, 40 anos depois do diálogo de Lévi-Strauss com o embaixador), o censo indígena da Funai indicava, para o estado do Acre, a notável população de “zero indivíduo”. Oficialmente, não havia mais índios no Acre. Aí começam a abrir as estradas por lá, a derrubar a mata, a botar boi, e eis que começam a aparecer índios a atravancar a expansão dos pastos e a destruição da floresta. (Junto com índios, como se sabe, começaram também a aparecer os seringueiros, que se imaginava como mais outra “raça” em extinção. E bem que se tentou extingui-los naquela época – lembrem-se de Chico Mendes.) Ora, índios sempre houve lá no Acre, todo mundo no Acre sabia que eles estavam lá, mas eles não existiam em Brasília, ou melhor, para Brasília. Agora sabe-se e aceita-se que o estado do Acre abriga, atualmente, 14 povos indígenas, alguns de significativa expressão demográfica, como os Kaxinauá e os Kulina. O Acre é um estado profundamente indígena, dos pontos de vista cultural, histórico e demográfico. Na verdade, ele é hoje o principal exportador de práticas e símbolos indígenas (mais ou menos transformados) para o Brasil urbano atual.
A que mais se deve essa redescoberta dos índios nas últimas décadas?
Tudo começou com uma iniciativa fracassada do governo militar, em 1978, que visava extinguir os índios, entenda-se, acelerar o processo de desconhecimento da população indígena, consagrar seu não reconhecimento como um componente diferenciado dentro da chamada “comunhão nacional”. Completar o processo de “assimilação”, isto é, de desindianização, que se entendia como inexorável e desejável ao mesmo tempo. O governo propôs um projeto de lei para “emancipar” os índios, isto é, extinguir a tutela oficial do Estado que os protegia. O verdadeiro objetivo da medida era liberar as terras indígenas, terras públicas, de domínio da União, inalienáveis, para que entrassem no mercado fundiário capitalista. Ao declarar que esta ou aquela população indígena não “era mais” índia, porque seus membros falavam português, ou usavam roupa etc., o que o projeto de lei pretendia era entregar as terras públicas de posse dos índios nas mãos dos interesses proprietariais particulares. Simplesmente se queria tirar os índios da frente do trator do capital: em vez de índio, que venham o gado, a soja, os madeireiros, o latifúndio, o mercado de terras, a mineração, a estrada, a poluição e tudo que vem junto. E que muitos chamam de “desenvolvimento”.
Mas, naquele momento, os idos de 1978, quando estava se consolidando a resistência organizada à ditadura, muito da insatisfação política da classe média, dos intelectuais principalmente, se cristalizou em torno da questão indígena, como se ela fosse uma espécie de emblema do destino de todos os brasileiros. É também nesse momento que tomam ímpeto o movimento negro, o movimento feminista, a politização ativa da orientação sexual, a emergência de diversas minorias, diversas diversidades por assim dizer: étnicas, locais, sexuais, ocupacionais, culturais etc. A luta de classes assumia cada vez mais o caráter de uma integração parcial de uma série de diferenciais traçados sobre outros eixos que a economia pura e simples (as relações de produção). Começam a surgir outros atores políticos. É o momento da especulação e da experimentação generalizadas: outras práticas do laço social, outras imagens da sociedade, que não se reduzem ao par Estado-classes sociais, mas que envolvem outras formas de vida, outros territórios existenciais. Os índios foram importantes por sua força exemplar, seu poder de condensação simbólica. Eles apareceram como portadores de outro projeto de sociedade, de outra solução de vida que contraprojetava uma imagem crítica da nossa.







Mas, desde o século 16, a vida indígena aparece como uma imagem crítica da vida “ocidental”.
Sim, sem dúvida. Há uma frase de um jovem filósofo que eu admiro muito, Patrice Maniglier, um grande especialista em Lévi-Strauss, aliás: “A antropologia nos devolve uma imagem de nós mesmos na qual nós não nos reconhecemos”. É por isso que ela é importante, porque nos devolve algo, ela nos “reflete”. Mas a gente vê essa imagem e não se reconhece nela. “Então nós, humanos, somos assim também? Podemos ser isso? Somos isso, em potência? Temos em nós a capacidade de viver assim? Essa é uma solução de vida ao nosso alcance, como espécie?” Em suma: “É possível ser feliz sem carro, geladeira e televisão?”. Isso nos dá um susto, um susto com valor de conhecimento. Os índios, desde o século 16, desempenharam essa função para a reflexão político-filosófica ocidental (para uma muito pequena parte dela, na verdade). E essa mesma função, mas modernizada, especificada e tornada mais evidente pelo fato de que os índios brasileiros da década 1970 – a década que inicia a ocupação destrutiva em larga escala da Amazônia – eram nossos conterrâneos e nossos contemporâneos, eles nos ensinavam algo não só sobre nós mesmos como sobre nosso projeto de país, o Brasil que queríamos, e que não era certamente o Brasil que tínhamos. Então, foi em torno das sociedades indígenas como diferença emergente que se constituiu a resistência contra o projeto de emancipação: uma resistência contra o projeto de privatização econômica, o branqueamento político e a estupidificação cultural do Brasil.
Os antropólogos, nesse contexto, começam a se organizar como categoria, aliando-se aos índios como atores políticos. Houve, é claro, antropólogos que tiveram um papel importantíssimo na história não só da causa indígena, mas da própria República, como Roquette Pinto ou Darcy Ribeiro, antes de (e durante) essa época. Mas naquele momento, no fim da década de 1970, os antropólogos se constituem como corporação para interpelar o governo e se opor ao projeto de emancipação. Essa mobilização sensibilizou a sociedade, entenda-se, outros intelectuais, militantes políticos de outras causas, advogados, juristas, artistas, e também as camadas médias urbanas, os estudantes… Ao mesmo tempo, e muito mais importante, os índios como que “acordaram” para seu poder de intervenção nos circuitos nacionais e internacionais de comunicação. Eles deixavam ali de ser um elemento do folclore nacional, de um passado vago e distante, e passavam a atores políticos do presente, signos críticos e urgentes de uma ultracontemporaneidade: signos do futuro, na verdade.
Enfim, é nesse momento, fim dos anos 1970, que ganha vulto todo o movimento de auto-organização de coletivos que não são mais redutíveis nem aos partidos nem aos sindicatos: a célebre “sociedade civil organizada”. É então também que começam a aparecer figuras indígenas individuais com destaque político. A primeira delas foi Mário Juruna, um deputado que foi tratado folcloricamente pela imprensa, mas que teve um papel estratégico para a emergência dos índios no cenário político-ideológico nacional e internacional (lembremos do Tribunal Russell). Juruna, que marcou presença por alguns gestos muitos simples, de grande “pega” midiática, ficou famoso com seu gravador – um edificante signo do poder da “tecnologia” nas mãos de um “selvagem”; melhor ainda, e agora de verdade, um dispositivo que preservava a potência e a imediatez da oralidade, o registro semiótico em que os indígenas se sentem completamente em casa – que armazenava as promessas e declarações de autoridades e políticos.
Depois, promessa quebrada, declaração falseada pelos fatos, Juruna tocava seu gravador na frente da “otoridade” e dizia: “Mas não foi o contrário que o senhor falou?” “O senhor não havia prometido isso?” Depois de Mário Juruna, o protagonismo indígena, coletivo e individual, proliferou: associações, federações, líderes de grande expressão como Ailton Krenak e David Kopenawa.
Qual o papel da Constituinte de 1988 nesse processo?
Esse processo do fim da década de 1970 culminou em 1988, com a Constituinte e a Constituição, que tiveram um papel fundamental para formalizar a presença dos índios dentro da comunhão nacional. É aqui que se começa a reconhecer direitos coletivos, coisa que, salvo engano, mal existia no Brasil: direitos difusos, direitos coletivos, comunidades sujeitos de direito, índios, quilombolas. Uma vitória imensa, atestável no ódio que a Constituição de 1988 desperta na direita, sempre à espreita de uma oportunidade para “reformar” a Constituição, isto é, para desfigurá-la, e sempre eficaz na protelação da indispensável regulamentação de diversos artigos constitucionais.
O senhor vê com bons olhos as políticas de proteção dos direitos indígenas na era Lula?
Houve grandes conquistas, a mais importante, sem dúvida, o reconhecimento da terra indígena Raposa Serra do Sol. Mas manteve-se, ou mais, acentuou-se o projeto de governo baseado na equação falaciosa entre desenvolvimento e crescimento, em uma ideia de crescimento a qualquer preço e, nesse sentido (eu sublinho: apenas nesse sentido), o governo Lula manteve sua continuidade com todos os governos anteriores, pelo menos até Vargas e incluindo os governos da ditadura. Uma ideia de que é preciso conquistar o Brasil, ocupá-lo, civilizá-lo, modernizá-lo, desenvolvê-lo, implicando com isso a ideia de que os índios não são brasileiros, não estão lá, não vivem em suas terras segundo seus próprios esquemas civilizacionais, não possuem uma cultura viva e eficaz. Tudo isso se baseia em um modelo cultural falido, a ideia de modernidade.
E qual é esse modelo?
É o modelo de industrialização intensiva, poluente, de exportação maciça de matéria-prima, monocultura, agronegócio, transgênicos, agrotóxicos, petróleo… Ele bate de frente com os interesses das populações indígenas e, arrisco-me a dizer, com as perspectivas de toda a população do país e do planeta. O que precisamos é imaginar uma forma econômica com algum futuro, capaz de assegurar o suficiente para todos, uma vida que seja boa o bastante para as gerações vindouras. Então, eu tenho sérias restrições não à política indigenista do governo Lula – aliás, o atual presidente da Funai [Márcio Augusto Freitas de Meira] é um colega que admiro e respeito –, mas o problema é que essa política indigenista sempre teve de se dobrar aos imperativos de uma geopolítica nacional e internacional ambientalmente desastrosa. Toda vez que algum setor do governo ameaçou criar dificuldades para essa geopolitica desenvolvimentista, foi obrigado a entrar na linha, ou sair de cena. Veja Marina Silva. No caso da Funai, a tendência foi seguir os limites estreitos de manobra deixados pela Casa Civil e seu implacável desenvolvimentismo.
Qual seria, então, a alternativa a esse modelo?
O Brasil tem a oportunidade única de ser um dos poucos lugares da Terra onde um novo modelo de sociedade e de civilização poderia se constituir. Somos um dos poucos países do mundo que tem recursos suficientes para inventar outra ideia e outra prática de desenvolvimento. Parece que aprendeu muito pouco com a história recente do mundo. Quando se exporta soja e gado, está se exportando o quê? O solo, a água do país. Para fazer 1 quilo de carne, são necessários 15 mil litros de água; para 1 quilo de soja, são necessários 1.800 litros. O Brasil é o maior exportador de “água virtual” do mundo. Isso para não falarmos nos insumos venenosos: hormônios para o gado, fertilizantes, agrotóxicos… O Brasil é o maior consumidor de defensivos agrícolas do planeta. Imagine o risco sanitário a que estamos expostos. Todas essas maravilhas que tanto aumentam a produtividade agrícola (e ao mesmo tempo baixam a qualidade e a segurança dos alimentos) são-nos enfiadas garganta abaixo por grandes companhias transnacionais como a Monsanto, cuja ficha ambiental e política é mais que suja, é imunda.
E está em curso a polêmica sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Quando se fala em hidrelétricas, bem, de fato talvez seja melhor do que a energia nuclear – em princípio, uma vez que a questão do lixo nuclear está bem longe de ser resolvida, além dos problemas de segurança –, mas quais são as implicações do ponto de vista, por exemplo, do abastecimento de água? E, aliás, para quem vai o principal da energia elétrica que é produzida por uma grande hidrelétrica como Tucuruí, ou Belo Monte? Vai para a população ou para as fábricas de alumínio, os projetos de extração e processamento de cobre e níquel da Amazônia? O que fazem essas fábricas de alumínio? Latas de saquê e cerveja, principalmente. Por que as fábricas de alumínio estão aqui? Por que países como o Japão não querem gastar uma imensa quantidade de energia para mover as cubas eletrolíticas onde se funde o alumínio? É melhor que um país grande, periférico e perdulário detone seus rios. A usina de Tucuruí, concebida durante o regime militar, significou 2 bilhões de reais de subsídio para as indústrias de alumínio, como constatou um especialista recentemente. O destino real da energia produzida pelo Complexo Hidrelétrico de Belo Monte ainda é uma espécie de segredo de Estado. Mas parece que essa energia virá principalmente para o Sul e o Sudeste, ou servirá para alimentar novas indústrias eletrointensivas – cobre, bauxita, níquel – no Norte, algumas aliásnão nacionais (a direita vive falando no perigo de uma invasão estrangeira da Amazônia; ela já aconteceu, mas como é uma invasão do capital, parece que pode…). Os benefícios para a população, e especialmente para a população local, são muito duvidosos.
Como se deu seu contato com o pensamento de Lévi-Strauss?
Meu contato com Lévi-Strauss antecede meu contato com a antropologia. Foi enquanto eu fazia ciências sociais, em um curso de teoria literária dado por Luiz Costa Lima. Foi ele quem me aconselhou a fazer antropologia. Isso foi nos idos de 1969, 1970. Naquele momento, o estruturalismo antropológico estava penetrando em diversas áreas das ciências humanas, como a psicanálise e a crítica literária, então o Costa Lima, professor de literatura e grande teórico da área, resolveu dar um curso sobre As Mitológicas na sociologia da PUC-Rio, onde eu estudava.
O senhor poderia apresentar-nos o conceito do perspectivismo indígena?
Esse é um assunto sobre o qual hesito um pouco em falar, porque o termo “perspectivismo indígena” se tornou excessivamente popular no meio antropológico, e a ideia que ele designa começa a sofrer o que sofre toda ideia que se difunde muito e rapidamente: banalização, de um lado, despeito, de outro. Passa a servir para tudo, ou a não servir para nada. De qualquer forma, não fui eu quem inventou sozinho a teoria do perspectivismo indígena; foi um trabalho de grupo, em que se destaca a colaboração formativa que mantive com minha colega Tânia Stolze Lima. Tomamos emprestado do vocabulário filosófico esse termo de perspectivismo para qualificar um aspecto marcante de várias, senão de todas, as culturas nativas do Novo Mundo. Trata–se da noção de que o mundo é povoado por um número indefinidamente indeterminado de espécies de seres dotadas de consciência e cultura. Isso está associado à ideia de que a forma manifesta de cada espécie é uma “roupa” que oculta uma forma interna humanoide, normalmente visível apenas aos olhos da própria espécie ou de certos seres transespecíficos, como os xamãs. Até aqui, nada de muito característico: a ideia de que a espécie humana não é um caso à parte dentro da criação, e de que há mais gente, mais pessoas no céu e na terra do que sonham nossas antropologias, é muito difundida entre as culturas tradicionais de todo o planeta.
O que distingue as cosmologias ameríndias é um desenvolvimento sui generis dessa ideia, a saber, a afirmação de que cada uma dessas espécies é dotada de um ponto de vista singular, ou melhor, é constituída como um ponto de vista singular. Assim, o modo como os seres humanos veem os animais e outras gentes do universo – deuses, espíritos, mortos, plantas, objetos e artefatos – é diferente do modo como esses seres veem os humanos e veem a si mesmos. Cada espécie de ser, a começar pela nossa própria espécie, vê-se a si mesma como humana. Assim, as onças, por exemplo, se veem como gente: cada onça individual vê a si mesma e a seus semelhantes como seres humanos, organismos anatômica e funcionalmente idênticos aos nossos. Além disso, cada tipo de ser vê certos elementos-chave de seu ambiente como se fossem objetos culturalmente elaborados: o sangue dos animais que matam é visto pelas onças como cerveja de mandioca, o barreiro em que se espojam as antas é visto como uma grande casa cerimonial, os grilos que os espectros dos mortos comem são vistos por estes como peixes assados etc. Em contrapartida, os animais não veem os humanos como humanos. As onças, assim, nos veem como animais de caça: porcos selvagens, por exemplo. É por isso que as onças nos atacam e devoram, pois todo ser humano que se preza aprecia a carne de porco selvagem. Quanto aos porcos selvagens (isto é, aqueles seres que vemos como porcos selvagens), estes também se veem como humanos, vendo, por exemplo, as frutas silvestres que comem como se fossem plantas cultivadas, enquanto veem a nós humanos como se fôssemos espíritos canibais – pois os matamos e comemos.
E o que é o humano?
É essa capacidade de socialidade. Antes, tudo era transparente a tudo, os futuros animais e os futuros humanos, vamos chamar assim, se entendiam, todos se banhavam num mesmo universo de comunicabilidade recíproca. Lévi-Strauss tem uma definição muito boa, dada numa entrevista. O entrevistador pergunta: “O que é um mito?”. Lévi-Strauss responde: “Bom, se você perguntasse a um índio das Américas, é provável que ele respondesse: ‘Um mito é uma história do tempo em que os animais falavam’”. Essa definição, que parece banal, na verdade é muito profunda. O que ele está querendo dizer é que o mito é uma história do tempo em que os homens e os animais estavam em continuidade, se comunicavam entre si. Na verdade a humanidade nunca se conformou por ter perdido essa transparência com as demais formas de vida, e os mitos são uma espécie de nostalgia da comunicação perdida.
Essa é de fato uma noção universal no pensamento ameríndio, a de um estado originário de coacessibilidade entre os humanos e os animais. As narrativas míticas são povoadas de seres cuja forma, nome e comportamento misturam atributos humanos e não humanos, em um contexto de intercomunicabilidade idêntico ao que define o mundo intra-humano atual. O propósito da mitologia, com efeito, é narrar o fim desse estado: trata-se da célebre separação entre “cultura” e “natureza” analisada nas Mitológicas de Lévi-Strauss. Mas não se trata aqui de uma diferenciação do humano com base no animal, como é o caso em nossa mitologia evolucionista moderna. A condição original comum aos humanos e animais não é a animalidade, mas a humanidade. Os mitos contam como os animais perderam os atributos herdados ou mantidos pelos humanos; os animais são ex-humanos, e não os humanos ex-animais. Se nossa antropologia popular vê a humanidade como erguida sobre alicerces animais, normalmente ocultos pela cultura – tendo outrora sido “completamente” animais, permanecemos, “no fundo”, animais –, o pensamento indígena conclui ao contrário que, tendo outrora sido humanos, os animais e outros seres do cosmo continuam a ser humanos, mesmo que de modo não evidente.
Se tudo está impregnado de humanidade, quais são as consequências disso para o modo de vida indígena?
Se tudo é humano, nós não somos especiais; esse é o ponto. E, ao mesmo tempo, se tudo é humano, cuidado com o que você faz, porque, quando corta uma árvore ou mata um bicho, você não está simplesmente movendo partículas de matéria de um lado para o outro, você está tratando com gente que tem memória, se vinga, contra-ataca, e assim por diante. Como tudo é humano, tudo tem ouvidos, todas as suas ações têm consequências.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Gabriela Mistral: Eu não sinto a solidão

Gabriela Mistral
Poetar pelo gênero e pela confluência do amor no igual:
É a noite desamparo
das montanhas ao oceano.
Porém eu, a que te ama,
eu não sinto a solidão.
É todo o céu desamparo,
mergulha a lua nas ondas.
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.
É o mundo desamparo,
triste a carne em abandono
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.
Gabriela Mistral

O que é o saudável da vida?

"Eu escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens"
Deslizo palavras entre mentiras e verdades e arrancando-me de dentro copio o outro sonhador. Antes seria uma transgressão para avassalar minha alma, torna-me importante, aprender a matar. Antes seriam enxovalhos, gargalhadas, embriaguez, perversões, maldades. Mas não. O poema meu quer a saúde da vida; algo que enfeitiça sem ser perdidão. Mas tem o outro sonhador também; tem a sua precisão e genialidade. Eu aparo os respingos da sua presença copiando-o de português para português e meu segredo é mais vergonhoso do que as besteiras que faço. Meu segredo não tem par neste mundo e discorda de quase tudo e frequenta os Altares de Nossa Senhora. Meu segredo é amor e fé e tem o outro sonhador também. Desligo-me daqui. Sinto asco do vinho, asco asma da cerveja. O que escrevo é para me libertar, construindo pontes que não separem a poesia de mim. Escrevo para reinventar olhares e fazer chover levinho, ainda que tenha em minhas mãos o livro sangrento de Rimbaud sendo outras possibilidades de vida e de morte. Mas eu quero o saudável da vida. Agora, o que é o saudável da vida?

Canção da Torre Mais Alta

Mocidade presa
A tudo oprimida
Por delicadeza
Eu perdi a vida.

Ah! Que o tempo venha
Em que a alma se empenha.
Eu me disse: cessa,
Que ninguém te veja:
E sem a promessa
De algum bem que seja.
A ti só aspiro
Augusto retiro.

Tamanha paciência
Não me hei de esquecer.
Temor e dolência,
Aos céus fiz erguer.
E esta sede estranha
A ofuscar-me a entranha.

Qual o Prado imenso
Condenado a olvido,
Que cresce florido
De joio e de incenso
Ao feroz zunzum das
Moscas imundas.
Arthur Rimbaud

Das invenções

Lá, ao lado do sol, no branco azul da mente
Você sorridente me lembrando canções.
Um dia sem marca e sem nome
Só alegria nos conformando
Nos empurrando para dentro
Da história que nós inventamos
Para ser nossa verdade mais real.

Jussara Silveira: a elegância maior


Como dizem os mestres: ela é arqueira, canto íntegro que alimenta as almas e chega provendo de beleza as mesas barulhentas dos baianos. Okê Odé. Noutro sentido, entre outras grandezas, ela é a cantora mais bem vestida do Brasil. Baiana também. Nossa cidade precisa aprender a receber Jussara Silveira em nossos eventos... Odô Iyá. Ela é dona da elegância maior e eu não estou falando só de figurino.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Gal e Moreno: meus amores


Eu sou a música popular deste País. Eu amo os dois. Minha sede me condiciona a mirá-los e eu quero aquilo. A voz de Gal nele que é fruto do meu amor incondicional: Caetano Veloso. Moreno é lindo em tudo que ele desenhou pra ele e eu assisto. E Gal, Ah! Você é uma espécie de tormento - a voz que deverá me levar até o Orum. Só não sei qual será a canção.

É amor

Tenho tanto a dizer
Que me obrigo a calar.
Sou óbvio como o que venta
À beira mar.
Meus olhos que buscam
São a música de um sonhador
Qualquer e eu sinto desejo...
Me toquem. É o meu desejo
Minha poesia rasteira é fruto
De uma procura criança
Desesperada dentro do meu peito.
É amor.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Pedra da Baleia

Olhar essas águas é ninar meu espírito e estar em transe. Aquele doce é o sal da baleia, a outra pedra que me dá apoio; o de mãe. Lanço flores que dançam na superfície das águas e ao afundarem vão pedindo a Ela os meus anseios minhas esperanças. Brinco naquelas águas, sobrevivo às dores e sinto prazer em existir feito criança. Sou eterna criança no colo daquela Mulher. Saúdo peixes, abomino a poluição, peço sorte; canto em Iorubá, movimento meus braços, me comovo e choro, fico forte, Ogunté me atende presente em tudo que fiz que faço que farei. Meus olhos são energia-flores quando encontro a morada maior de minha Mãe e Lhe lanço minha gratidão banhado em lágrimas e seguro de nunca estar sozinho. Meu corpo é alfazema e meu íntimo serena feito balaio de presentes e cores, sendo mais verdejante, para o azul imenso que traduz a minha imaginação.

Cachoeira da Bahia: cidade poesia


Sempre que possível pouso meus olhos na beleza desta cidade. Trago sua poesia para dentro de mim. Ela intensifica os perfis da minha fé e me arrebata de água e negritude. Parte da minha alma mora ali e ensaio idas e vindas, vontade de ficar por lá, levar cinema teatro, dar aulas, fazer antropologia naquele lugar, experimentar riscos da felicidade, encontrar...
Cachoeira é mais um sonho meu feliz de cidade. O que eu nunca perco e posso e devo e quero frequentar.

Ricky Martin: autobiografia


À leitura...

O mar da minha paixão

Quero lhe trazer flores
bilhetes, doces, segredos.
Abrir sua janela para
minha vida manhã,
ser esse novo em
longas esperas,
inscrito em sua pele
guardado em sua mente
misturado em sua alma.
Quero lhe trazer brisa
num livro minha escrita
editado em sua homenagem.
Quero lhe dar alegria,
poesia para dança
música para sexo
e meus olhos fitados nos seus
para fazermos silêncio.
Quero lhe dar um rio
para que você desague
no mar da minha paixão.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Maria Bethânia: tesouro e luz


Eu te diria sobre outros países e escreveria sobre as nascentes que brotam do fruto de tua existência artística. Diria louvando a língua portuguesa preservada no teu canto, cuidada em tua fala. Te diria que amo teu silêncio mas é o teu canto que me ilumina; teu personagem dramático que cada vez mais serena sem deixar de ser o que o teu ser nos quer mostrar. Vejo tua dança sobre estrelas e busco avidamente cada palavra que pode elevar o meu cotidiano me lançando a sensações e artes e quando insisto, só desisto se não controlo em ti. Tua luz é a qualidade almejada e projeto mil tentativas de voar feito águia, de ser livre, ter excelência... Acordar e fazer meu trabalho com o prazer que estampas dos teus discos e sorrisos, experimentando a realização exitosa de quem ama o que faz e se expressa ao mundo assim: inteiro, certeiro, inquieto, veloz, sereno, inventivo... Pronto para a guerra e para paz de quem traz encantamentos para os outros. Tu és, no fundo, escritos de um tempo que eu leio e preservo como a um tesouro. Tu és tesouro e luz nas minhas incertezas.

Maria Bethânia: o mito da estrela

"As estrelas existem para iluminar o caminho. E para avisar quando prenunciam alguma coisa boa. Desta vez, ela é o pássaro da manhã. O verão está aí. O sol já desponta mais cedo. Chega de escuridão. Eu sempre me lembro que a vida é mortal. Ela sabe do imortal da vida e da morte. E nos lembra disso com sua presença. Ela, como Fernanda Montenegro no teatro, como Nelson Gonçalves e Ângela Maria no disco, e como mais uns poucos outros, criou uma forma autônoma de existir."

FAUZI ARAP

(Retirado do FotoBlog do Rosa dos Ventos-Bahia)

Ana Paula Arósio: como esquecer?

Arósio
Corrêa

Ela gira, entre o padrão, como um dos rostos mais bonitos das telas brasileiras e mais que isso, é uma atriz espetacular. Ganhou, me-re-ci-da-men-te, o título de melhor atriz do cinema brasileiro em 2010, da APCA. Como esquecer? foi um bom filme apesar do roteiro um pouco confuso, mas Aninha aplacou as fragilidades e realizou a lésbica mais comentada da última temporada. Fez bem, muito bem. Ratificando o que muitos já sabiam: ela é uma grande atriz e deve ser respeitada por isso e não, pelo outro talento facial que a aproxima da hollywoodiana Elizabeth Taylor. Vamos aproveitar Aninha?

Jussara Silveira : show no Pelourinho

Jussara
Ju e Luiz

Tiganá

É hoje. Às 20h, na Praça das Artes, Pelourinho, Salvador- Bahia, no show Nobreza, Cantam Jussara Silveira e Luiz Brasil, tendo como convidado especial Tiganá Santana. Nobreza é daqueles acontecimentos que podem sempre se repetir: trazem luz para a alma e a gente se diverte feito mágica. Imagine os violões de Luiz e Tiganá emoldurando o canto das águas de Jussara? Imagine Jussara e Luiz cantando Argila? Imagine Jussara amalgamando sua voz à voz de Tiganá e tudo isso, acontecendo, de graça, na cidade em que você nasceu?
16 de dezembro deve ser, no Orum, um dia dedicado para que se expresse no mundo a mais fina poesia. Dia pro coração escutar a qualidade. Dia pra reencontrar Jussara Silveira, Luiz Brasil, Tiganá Santana, no patrimônio da nossa audição agraciada pelo antológico Nobreza.
Dia de gritar: Jussara, eu te amo!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Fora das regras


Acendi a vela sob o sopro do vento

Que a apagou...

Nada houve de inusitado em minha

Intenção mas,

A vida sempre me jogou para

Fora das regras,

Me retirou das formas para

Eu ser um selvagem conteúdo

Motriz da minha própria iluminação.

Salve Mãe Carmélia de Oxaguian, a mameto Xagui


Mais um brinde, um festejo imprescindível para o povo de santo da Bahia. Todos à Câmara dos Vereadores, dia 17, sexta-feira, dia de Oxalá, a partir das 18:30, saudar a mulher que carrega um dos Guian mais antigos nesta terra, ela receberá a medalha Zumbi dos Palmares. Salve a mameto Xagui! Salve meu pai Oxaguian!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Os deuses que dançam


Meu povo sempre toma conta de mim!

I'm blue


Debaixo d'água e acima também
melhor fico se faço silêncio.
Eu sou mais azul do que triste,
mais peixe do que gente,
e dou oxigênio a Terra.

De cá das profundezas
a música é transporte
adocica os instantes
de uma vida colorida em sal,
desenhada por sal,
transcendente porque sal.

Do mar me viro animal
e sobrevivo à custa do prazer;
às vezes, duramente, tenho que
respirar... E vou à superfície.

Ali os sonhos se desintegram
e vestido de pele seda azul
experimento a árida tristeza
refletida nos olhos de alguém
que me transforma em humano.

domingo, 12 de dezembro de 2010

DVD Amor Festa Devoção: dança sobre estrelas


Marlon Marcos
De Salvador (BA)

( Para o Terra Magazine - 12/12/ 2010)

O palco se enfeita de rosas vermelhas, as luzes formalizam um cenário que deixa crer que ali é ora rosas ora estrelas e a aparência imediata de uma suposta pieguice vai gerando no olhar sensações de conforto que só a profunda beleza nos pode acometer.

E ela chega. Não se sabe bem se cantando ou dançando - com seus pés alados sobre um céu vermelho -, a voz emite o som da devoção, a mulher singra seus projetos imprimindo canções, umas nas outras, numa elaborada formatação intelectual da intertextualidade. Mas é a fina arte neste País; O Brasil que a cantora resolveu escrever com a voz.

Seus movimentos são o equilíbrio entre o canto e o drama. A palavra sonorizada é tal igual à dita em récitas que rasgam o céu-cenário do palco ao comando da deusa da canção brasileira. A retina do espectador se avermelha quando, impactado de paixão, ouve a cantora falar de mãe, de amor, de gratidão.

"Amor Festa Devoção", DVD recém-lançado, representa narrativas de um tempo passado e presente que Maria Bethânia oferece à posteridade. E consolida retratos do Brasil de dentro, tão esmeradamente cantado pelo olhar etnográfico desta artista nascida em Santo Amaro da Purificação.

Há quem se prenda às repetições que Bethânia sempre traz, mas para quem assiste este audiovisual e penetra na verve cênica e musical que ela imprime em seus shows, vaticina este trabalho fílmico, musical, poético, dedicado à mítica dona Canô, como obra monumental. Monumento à altíssima cultura brasileira. O sentido, ali, se grava na idéia de que o mais simples é muitas vezes o mais sofisticado. E que a feição fundamental do povo brasileiro, para além dos engendramentos industriais que geram o desenvolvimento, é a realização da festa. Sem vergonha nem preguiça, neste DVD de Bethânia, é a festa, em suas perfilações sócio-existênciais, a maior expressão do povo brasileiro.

Em "Amor Festa Devoção", aquela menina que, aos 19 anos, ganhou o Rio de Janeiro, é hoje a grande senhora de nossas produções fonográficas de qualidade, e apesar da inflexão de seu sotaque quase carioca, se mostra despudoramente baiana.

A costura musical executada pela primorosa banda à guisa orquestral de Jaime Alem, a ocupação corretíssima do palco, aquela voz que envelhece melhorando e transformando a canção popular no mais engenhoso produto artístico feito neste País, o figurino que bem veste a mulher, o repertório desfiando aparentes incongruências e a energia de transcendência que ela emite de si para quem a assiste, são compósitos de um show erguido do movimento humano mais poderoso: o amor incondicional. E todos os respingos desse sentimento raro podem ser alcançados nas imagens e no som deste mais recente trabalho lançado ao mercado por nossa Maria Bethânia.

O DVD Amor Festa Devoção é uma dança sobre estrelas no céu vermelho de Oyá.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Clarice Lispector: textos onipresentes


"E se me achar esquisita,
respeite também.
Até eu fui obrigada a me respeitar."

O tempo nos avassala.
Corro atrás de dizeres alheios
que me toquem e se tornem meus;
corro para dentro do que leio sem pensar,
tenho febre e o que me cura são palavras.
Estou no rastro de uma escritura mistério,
minha bússola é a ânsia que tenho de comunicação.
E se não me expresso,
me obrigo a propalar escritos de uma mulher
que é a matéria que sustenta minha alma.

Clarice Lispector: 90 anos!


Quando é 10 de dezembro sempre me alcanço em misturas de mim mesmo. Ouço música, leio poemas, invado a literatura que me comanda e invento. De verdade mesmo só minha saudade. De tanta coisa descrita nos textos de Clarice Lispector. Da vida que me inspira e eu não a tenho. Mas não sou imoral, me ordeno a me fazer feliz e a amar estar vivo. Ordeno-me, em entrelinhas, a atrair o inesperado bom pra mim e a dividi-lo com o mundo. Eu sei um pouco do mundo e ele é simples; tal igual a festa que faço dentro de mim por causa do nascimento da escritora. O mundo simples é quando um livro se abre em minhas mãos e quem o assina faria hoje 90 anos.
Sempre é festa em meus olhos quando 10 de dezembro, ou quando literatura clariceana me tomando. Quando dou conta do tempo que vai passando e nossos desejos ainda gritam sem muito pesar.
É 10 de dezembro em meu peito Clarice Lispector e passo a desenhar rosas brancas e vermelhas, a fazer poemas, a chorar baixinho, tomando vinho, tomando ar, esperando carinho de alguém que insiste em não chegar. Mas hoje é 10 de dezembro. Palmas à senhora Lispector.

Cássia Eller: a gente é assim


Lembrar sempre.
Por que a gente é assim?
Mais uma dose é seu canto
Rondando a minha mente.
Saudades doídas de ti.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Iansã reina em Dezembro


Sobrevoando os cenários da minha vida. Iluminando-me! Iansã reina em dezembro. Sua presença nos chega como fogo e realização. Iansã é canção na voz de Maria Bethânia e no toque dos atabaques. Ela venta esperança e me protege; uma relação ancestral: Oyá vence guerra! Oyá vence a dor ! Oyá traz o amor maior. Oyá é conta marrom e caruru! Seu vestido vermelho me marca de coragem e o acará me alimenta! Eparrey...

Falou Amizade

Caê
Rainha da Lapa
O quase-beijo
Família feliz


Falou amizade
E por toda cidade ecoa
A letra dos lisvros voa
Falando amizade
Por toda cidade boa

Falou amizade
E por toda cidade boa
A letra dos lisvros voa
Falando amizade
Por toda cidade boa

O sonho já tinha acabado quando eu vim
E cinzas de sonhos desabam sobre mim
Mil sonhos já tinham sonhados
Quando nós perguntamos ao passado
Estamos sós?

Mil sonhos serão urdidos na cidade
Na escuridão, no vazio há amizade
A velha amizade
Esboça um país mais real
Um país mais que divino
Masculino, feminino e plural

Caetano Veloso

Abrir janelas (II)

E eis que se via o tempo passar...
o vento levava e trazia segredos
ampliando enredos de uma história
que não sabia findar.
Tudo visto da janela;
todo sentido construído
a partir da janela aberta;
todo pedido toda negação
e o sim que circula na alma
para instalar a ilusão.
Abrir janelas,
estar nelas em horas,
sonhar acima da condenação,
tendo misericórdia de si,
sobrevivendo à luz da compaixão.
Vendo-se em Caeiro,
(ele o verdadeiro deus tempo),
com dois poemas ardendo na mão
e o coração perdido na rota tosca
dos lugares proibidos.

Abrir janelas


Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Alberto Caeiro



quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Negrumes


do movimento que brilha
na dança que narra
arrepios e memórias
da beleza em áfricas

Seus olhos

Deixe-me ver o mundo dos seus olhos;
quero alcançar a esperança com o brilho
que eles têm.
Quero me perder me achando dentro deles,
sonhar por eles, rejuvenescer.
Põe-me nesta sua infância eterna,
imerso em inocência e doçura,
quero evitar desertos e saudade.
Seus olhos são a paisagem
que meus olhos mais gostam
de ver.

Serenar


Olhos exaltando as divindades. Água e mato como paisagem. Medo e solidão.Sempre distâncias. E medo. Os olhos se permitindo à imensidão que traz beleza, traz medo. As distâncias que renovam escritos e pedidos e alimentam a alma de fé. A cor da água como espelho a ventilar favores à nossa permanência. A cor da água sem cor no azul mais de perto; o verde que é a força no azul mais bonito. Do jeito da solidão e do silêncio. O medo. O peito sussurrando pedidos. Os pés molhando-se para as mãos tocando o ar. Melhoras na respiração. Dias como um tudo sem. E a vida a se fotografar amainar desejo diminuir saudade ter coragem respirar despir maldades acreditar prosseguir serenar... Poderia reencontrar você.