segunda-feira, 31 de maio de 2010

Gal nesse instante

tão linda, tão diva, tão distante
Para encerrar meu Maio com a leveza da vida. Junho, mês da diva maior, será profundamente musical. Viva Gal! E, Viva Maria Bethânia!!!

À morte


Na hora dos louros e do ouro,
eu sou só executor.
Na hora do sórdido, do dissabor
me fazem protagonista.
Não! Mísero forasteiro,
tua língua civilizada,
tua empertigada roubalheira,
tua francofonia delicada suja,
não sabe pronunciar o orunkó que me assina.

Para o mar


Minha esperança tem vista para o mar.
Mergulho verdinho verdinho verdinho...
Intencionando o azul cheiroso dos sonhos.

Gal Costa

Gal - 1973
Sobre o quê perguntar? Melhor ouvir e sentir. Passear pelos lagos claros da memória; vento doce, brisa nordestina; tempo sem pressa, cristal tinindo a profunda afinação. Visualizar o amadurecimento de uma mulher e agradecer por sua presença viva entre os vivos. As nascentes que brotam de um canto indo à frente, num pequeno conjunto, de um tempo musical celeste: rotas sagradas da musicalidade maior.
Devemos silenciar... Que seja breve o restauro magnânimo da musa eterna. Aquela seta que abre o peito mais que promessa e faz a gente sonhar. Um sonho íntegro no azul que percebo: clarinho como o agudo daquela mulher... azulzinho como o teco teco da nossa infância. Um acerto divino em sua condição de cantora.
Flutuar nas asas delicadas sonoras serenas aquáticas vibrantes silenciosas da voz certeira de Gal Costa e assim, fazer manhãs dentro de nós.
Estejam certo: ela volta!

sábado, 29 de maio de 2010

Mulher Negra

Márcia Short
Ontem, 28 de maio de 2010, aconteceu, no ICBA, o grande lançamento do livro Carnaval no Feminino, organizado pela Sepromi - Luiza Bairros ( BA); fiquei de fora. Foi Vilma Reis quem me falou do evento e me mostrou o belíssimo livro e me disse: Márcia Short cantou!!!! Vou atrás do livro e a negona Márcia ouvirei, dia 1º de junho, terça-feira, ao lado do canto de beleza Carlos Barros.
Segundo Vilma, Márcinha cantou assim...
Eu me orgulho de ser
Uma mulher negra
Eu tenho kelê
Eu tenho a dijina
Minha vó que foi rainha
Minha mãe que foi princesa
Eu me orgulho de ser
Uma mulher negra
Eu tenho kelê
Eu tenho dijina
Esse canto de ancestral
Foi Zambi que me ensinou
Esse canto é todo negro
Com a força do meu amor
Axé ayê auweto
É zan zan zan
Axé ayê auweto
É Zambi ê
É Zambi na queteçá
É Zambi ê
Gerônimo

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Minha palavra


Minha palavra é descritiva;
descrevo dela o que
minha alma pede.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Uma prece por mim


Era manhãzinha de um dia fora do tempo. Toda a alegria confluía para lá. Tudo cheirava inocência e como sorte, havia rosas decorando o lugar. O jeito mais comum da felicidade. Uma vontade equânime de dois saindo da cama e indo para mesa. A paisagem, além de corpos sem roupas, era a imensidão do mar... Recortado entre verde e azul, imenso por dentro e circundado em sua condição de baía. O mar era o elo entre os períodos... O mar era o centro do tempo permitindo a força daquele encontro. De dois maiores que par: ímpar amoroso. O que se não divide. Dança serena sem marcação nem término; nada de tédio: dança volúpia de um imenso desejo aumentando na duração das eras... Era o que se sabia no eterno retorno de um inexplicável sentimento entendido pela semântica da palavra amor.

Olhos afundando-se na baía. Presença salutar dos golfinhos e o dicionário sem termos servis: abandono, medo, fuga, receio, regra, limitação.

Era dia no fazer poesia daquela relação. Fruto-semente ao que o sexo permitia. Era dia porque tinha sexo em todas as noites. A lua fotografando; o sol, como deveria ser, aquecendo. Tudo muito certinho: aquela manhã sem vinho, sem nenhum álcool, sem ânsia, sem espera... A alma una de dois festejando a primavera dos corpos nascidos para aquele instante.

E assim foi; que assim seja.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Liderança feminina no candomblé em destaque


"Pessoal: sexta-feira, dia 28/05/2010, das 8 às 18 horas tem a I Oficina de Lideranças Femininas das Religiões de Matriz Africana na Bahia. A ideia do encontro é muito legal: troca de experiências entre essas mulheres que são exemplo de resistência na conservação das tradições afrorreligiosas.
O encontro vai acontecer no Centro Cultural da Barroquinha, local que tem uma estreita relação com a história de constituição da Casa Branca, que é considerado o mais antigo terreiro de tradição ketu do Brasil.
As interessadas podem comparecer e fazer a sua inscrição, que é gratuita. A programação é extensa, mas as oficinas serão sobre história, com a participação da professora Cecília Soares, que tem um trabalho maravilhoso sobre a atuação das mulheres negras no século XIX; sobre liderança, dentre outros temas. Também vai acontecer mostra de filmes."

P.S.: retirado do blog de Cleidiana Ramos, Mundo Afro.



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Vasculho


Ela em sua forma fugidia
Aceno da sua necessária imperfeição.
Mulher que barulha na rota do silêncio
Assomando-se ao sal da criação
Para compor uma natureza.


Ela que imprime beleza
Exterminando padrões
Típico cantar da poesia
Relembrando Safo entre nós.


Ela militância de seu ofício.
Certezas menores que dor
Voz da realeza singrando
As turbulências do amor.


Ela furor do destino...
Corpo franzino de mulher
Alçado à condição de mito.

Para efeito do amor

Maria

"E depois de uma tarde de quem sou eu
E de acordar a uma hora da madrugada em desespero...
Eis que as três horas da madrugada eu acordei e me encontrei,
Simplesmente isso: Eu me encontrei.
Calma, alegre; plenitude sem fulminação, simplesmente isso.
Eu sou eu e você é você, é lindo, é vasto, vai durar.
Eu sei mais ou menos o que vou fazer em seguida.
Mas por enquanto, olha pra mim e me ama.
Não, tu olhas pra ti e te amas.
É o que está certo."
Clarice Lispector
Ao que está certo e se segue virgulando como efeito da espera. Bate à porta e limpa o pensamento, abre o peito, enxuga as mãos, se repete, se inova, muda a roupa, se veste de verde e entrega um livro. Lá dentro há muito silêncio; cá de dentro, no buraco machucado do peito, a voz da alucinação pede aceite em nome da cantora. Uma pronúncia que produz beleza, segreda o melhor e... Cantora das viagens atemporais que traz na voz, literatura. Alguém que narra aquele canto...

Os olhos lacrimejam. Tudo estacionado na vida que passa tão rápido e o pedido à beira da porta. Voz alucinante do pensamento que se precisa vazio; voz do silêncio no outro entre cândido e medroso; o narrar sublime da cantora que aumenta a poesia nesse instante de amor e súplica. O estúpido caminhar do romântico investindo-se a favor do sexo.

"Tá tudo aceso em mim, tá tudo assim tão claro", sem afastar silêncios naquele pedido... Os olhos enxugados e o rosto num eterno descanso no dorso parado à entrada da casa... O lado de dentro que dá sentido, que dá felicidade.

De súbito: os sorrisos advindos da permissão...

A contadora de histórias, a cantora, num excesso de iluminação: " desde que sim eu vim morar nos teus olhos".

, estivemos o tempo todo prontos. Você sempre se chegando para mim. É o que está certo.

Da janela de Gal Costa


Fotos de Gal Costa

O mar da Bahia clicado por uma de suas vozes mais singulares... Uma das mais belas vozes surgidas no mundo no anúncio das canções populares: Gal Costa.
Um pouco da paisagem marítima em transversalidade. A sereia vista e ouvida dali. É o que me resta ou o que me basta? Cantiga vem do céu - serena luminosidade que compõe a vida.
Ouvir Gal é um alento para estes desencontros cotidianos. E o mar desta terra representa a forma mais altiva e gostosa do que eu entendo como fruição.
As fotos são da janela da musa quando ela, assim, se permite a alguma indiscrição.
A Baía de Todos os Santos é meu degredo de salvação, meu ístmo de última morada, consolo prazeroso por ainda estar aqui.
Hoje, eu queria que me fizessem um poema ou um conto - homenagem artística para alguém que tem sido só amor!
Enquanto isso, vejo a Baía de Todos os Santos na voz de Gal Costa.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Masmorra


São tantas explicações desenhadas num caderno
para que tudo sintetize: eu te amo.
A janela aberta e
minha vida fechada.

Impulso Quântico: Lydia Sepulveda

Impulso Quântico, de Lydia Sepulveda, é a exposição inaugural desta artista, que terá abertura no dia 26 de maio de 2010, às 19 horas, ficando até de 20 de junho deste mesmo ano. A mostra é composta de 26 quadros, de diversos tamanhos, que, de modo abstrato, retratam impulsos visuais, intuitivos e representacionais dos aspectos elementais como o fogo, a água, a terra, as folhas, o ar, combinando compreensão artística, intuição, força criativa, trabalho racional, a uma capacidade inovadora e pessoal de tradução da Natureza.

As obras que compõem a mostra sintetizam o amadurecimento artístico de Lydia Sepulveda impulsionada a “falar” nas entrelinhas sobre como sua experiência existencial somada à poética da sua arte expressam, em fragmentos e abstração, as possíveis relações do olhar humano com o que de “natural” corporifica o seu exterior.

Os títulos das telas encaminham o espectador a leituras iniciais para possíveis compreensões do que ali se traduz, valorizando, é claro, a subjetividade de cada receptor, de cada fruidor diante das impressões laboriosamente construídas por Lydia Sepulveda. Títulos como A dança do fogo, Revoada de corvos, Ventania, Pássaros feridos, Terra em transe, Adivinhando o ouro do Pantanal, Travessia perigosa, entre outros, inserem a artista no universo aberto das traduções artísticas e sua busca por espelhar a Natureza a partir da vibração de sua expressiva pintura.

Referendo Artístico

Durante todo o ano de 2010, a galeria Prova do Artista, de Veranice Gornik e Denisson de Oliveira, estará comemorando seus 25 anos de existência. Um dos pontos fundantes daquela galeria é o interesse de apresentar à sociedade baiana novos talentos, pintores iniciantes que demonstrem talento, qualidade artística; portanto, além de renomados das artes visuais, a Prova do Artista faz questão de mostrar o trabalho inaugural de Lydia Sepulveda que , na leitura de Denisson de Oliveira, “a partir de uma seleção de trabalhos feita ao longo desses anos, nós temos a oportunidade de desvendar um novo talento nas artes da Bahia; seguimos a elaborada apresentação do consagrado Murilo Ribeiro, um dos curadores da exposição, ao destacar a importância de se servir como instrumento de divulgação deste trabalho iniciático mas promissor”.
Murilo Ribeiro, renomado artista brasileiro, assina a curadoria ao lado de outro consagrado artista, Justino Marinho, e em seu texto de apresentação vaticina: “A pintura de Lydia com seu gestual espontâneo vem em pleno conhecimento da Física Quântica, do permanente deslocamento do quantum... Gestos desdobradores e reveladores que multiplicam vetores em contrárias direções... Dança do pulso da mão que gesta. Da alma que se entrega e cria... De Lydia cabe dizer: sua pintura é Força da Natureza”.
O curador Justino Marinho sobre o trabalho da artista avalia: “Lydia recusa o aprendizado técnico no sentido convencional, cria uma técnica pessoal, adequada aos seus fins expressivos, realmente intransferível. A espontaneidade, que é um traço da artista casa perfeitamente com o resultado de suas obras”.

Sobre a artista


Lydia Sepulveda, 47 anos, é economista de formação. De família que valoriza a cultura e a arte, teve acesso, desde cedo, a diversas manifestações artísticas e culturais, o que lhe abriu um espaço para a liberdade de criar. Em sua trajetória profissional, trabalhou na Desenbahia na área de Planejamento e nos últimos anos na Assessoria de Comunicação. Atuou no incentivo a projetos culturais na Área Governamental e na Iniciativa Privada, participando, dentre outros, da elaboração e implantação do Projeto da Casa Anísio Teixeira, em Caetité. Esteve sempre envolvida em projetos culturais voltados para o apoio ao desenvolvimento e fomento das mais diversas linguagens artísticas e culturais. Trabalhou no MAM/Ba, quando voltou seu interesse para a pintura, desenvolvendo a partir daí, o desejo de direcionar sua criatividade para as artes plásticas. Hoje, além da pintura como atividade principal, Lydia dedica-se à edição do seu livro que espera ver acontecer o mais breve possível.

Serviço


Exposição: Impulso Quântico
Artista: Lydia Sepulveda
Curadoria: Murilo Ribeiro e Justino Marinho
Local: Prova do Artista (Galeria de Arte)
Endereço: Travessa Bartholomeu de Gusmão, 13/01 – Rio Vermelho (3341-6247)
Vernissage: 26 de maio de 2010 ( quarta-feira), das 19 às 23h.
Exposição: de 27 de maio a 20 de junho de 2010, sempre de segunda à sexta, das 9 às 18h; e aos sábados, das 9 às 13 horas.
Obs.: Todos os quadros serão disponibilizados para venda.

livro do quase invisível


Livro-carta endereçado aos corações levinhos. E aos pesados também. A autora é uma das melhores revelações literárias na Cidade da Bahia e, com apenas dois livros, é uma das minhas poetas favoritas. Seu nome é Karina Rabinovitz e sua agitação cultural nos permite viajar na leveza que a poesia, às vezes, instaura. Lembra-me Mário Quintana, Manoel de Barros, mas melhor que tudo lembra-me a grandeza existencial dela, a risada dela e aquela vontade dela de fazer o azul florescer como marca do amor entre as pessoas. Este meu texto é piegas mas o livro passa bem ao largo disso. Tem instantes de rara beleza; tudo é diminuto porque não se caberia diferente assim: é o imenso e o muito disfarçado de pequeno e pouco... Já o li e re-li várias vezes me fixando em alguns poemas que me traduzem a alma. Sou-me daquele azul e daquelas águas numa espécie de ancestralidade que denota Oxalá e Iemanjá no meu ori e no ori de Karina, ela que é baiana de origem judia. Necessário para espantar a mediocridade, tirar os pés do chão, ter beleza ao alcance dos olhos e agradecer pela poeta que vive entre nós. livro do quase invisível é visivelmente uma obra flecha que nos chega inteira para instaurar paixão. Um brinde aos que lêem e aos que amam a poesia.

Em nossos olhos...

Eu vi a vontade descrita na superfície fugidia dos seus olhos: melhor e maior do que falar em palavras e sonorizar esse nosso sentir. Olhos para fazer silêncio íntegro à força do desejo que resguardo por ti. Olhos para nos marcar de aproximação num sentimento que cresce para vencer o medo e que se quer em carnalização.
Eu vi a euforia discreta em nosso sentido das possibilidades e a boca preparando-se; o corpo falando suas singularidades que comanda, protege e aquece de um frio que não tem lugar. Naquela noite primazia de cinema sem busca, de cinema alcance, de cinema deixas para onde se deve voar... Eu vi como se lesse um conto. Rapidamente a entrega.
Tudo que é intenso são descrições advindas do olhar. Entremeio do toque na fala dando a razão que os olhos desregraram para a tácita confirmação.
Vi do seu verde tranbordante o sereno azulado do meu instante indo à felicidade por causa do encontro fixo e sutil dos nossos olhares. Narrativas da alma dizendo sim aos corpos que vão desnudar-se.

O segredo dos seus olhos


Não se pode traduzir o impacto que uma obra de arte nos causa. Críticas, ensaios, palavras são representacionais ao modo de uma mera aproximação. O magnetismo de um filme, a sua poética em exitosa realização, nos arrebata para as mais variadas formas de arte e alimenta nossos sonhos, abre velhas feridas, acorda memórias, desperta fé ou desespera, humaniza quando não, nos diviniza com o poder da imaginação.
O segredo dos seus olhos, filme argentino, me impactou como o seu conterrâneo Plata Quemeda; assisti-lo foi presentear minha alma intensamente faminta e angustiada por esses tempos difíceis. Aquela coisa da leitura amorosa que fazemos de alguém e o colocamos para além das nossas possibilidades carnais... Aquela coisa que cala boca, machuca o peito, desequilibra a mão mas, os olhos falam falam falam falam... E tudo cinematograficamente bem construído e narrado.
Ali - o que emporcalha o ser humano e também, o que salva o ser humano. O amor se sabe objetivo e quando sobrevive ao tempo e à solidão, é a melhor síntese de sobrevivência que se inventou para isso chamado coexistência humana.
A cena final se encerra com uma porta se fechando para que aconteça aquilo que mais desejamos no desenrolar da história contada... Bem do jeito que conservamos os amores imorredouros, nós os de alma incauta... Estes que enchem de inocência e poesia o cotidiano da vida coletiva e vazia que nos arrasta para a nadificação quando não se sente a beleza do mundo.
O segredo dos seus olhos compõe e ativa beleza na gente e a memória sente e traz o que nunca nos poderia faltar: amor.

Da luminosidade


O Sol se faz sorrisos mas
não apaga a penumbra de mim.

sábado, 22 de maio de 2010

Lenine é de Iemanjá


Mesmo que não seja, ele é. Seu canto, veículo magnífico de sua música, é a infinda poesia advinda do mar. Ela, rainha do Aiocá, o favorece naquele verde único Ogunté e o faz enternecernos em palavras e sons - o homem- mãe - , o Pernambuco difuso numa brasilidade que só ele, nosso universal, sabe trazer.

Trajetória insigne de um mestre que apareceu na hora certa. Sua fala são aspas para exprimir o pensamento melhor da gente brasileira. Ele, o Nordeste-Brasil que se espraia da França. Humano de muitos lugares, alma nascida na negra Bahia, corpo habitante do Rio de Janeiro; manejo das palavras em tons europeus e sonorização africana profunda.

Orgulho de Pernambuco, criatividade acesa para todos que vivem e fazem o Brasil da contemporaneidade.

Homem-destino, físico masculino no arquétipo feminino que sua mãe Iemanjá impingiu na presença artística dele.

Lenine é de Iemanjá, e eu agradeço por isso.

Farol da Barra, 12:00 do dia 21 de maio de 2010, na Cidade da Bahia.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Adeus a Damário DaCruz


Meu poeta,

Você se foi no dia do meu aniversário; no momento intenso das minhas perguntas sobre o que se é viver. Viver, pra mim, é ser poeta e fazer de Cachoeira, minha cidade amada, mais linda do que ela já é... Pousei tanto no Pouso e vivi sua poesia, um pouco, de perto do seu autor. Sua vida foi cumprida nas marcas raras de quem desenha cores, fala de amores e nos faz sonhar pelo ímpeto profundo da palavra erguida poema. Sua vida, humana, foi poema e por tanto mistério divino e tanta amargura cotidiana, nessa coisa da gente não se saber, vai-se cedo. Sua arte fica e sua presença amiga nos faz, de algum modo, permanecer. Um poeta pode morrer em 21 de maio: para marcar-me no difícil e sublime caminho, que mesmo eu menor, sou-me inteiro a poesia que existe no mundo. Independentemente de língua, sou-me a insígnia que revela a poesia como respiração e salvação para quem sente o mundo deste jeito.

Meu poeta,

Siga pelos ventos da nossa Oyá-Gaiaku Luiza e, só não deixe de fazer poesia aí do Orun!

Todo risco

A possibilidade de arriscar
É que nos faz homens
Vôo perfeito
no espaço que criamos
Ninguém decide
sobre os passos que evitamos
Certeza
de que não somos pássaros
e que voamos
Tristeza
de que não vamos
por medo dos caminhos
Damário DaCruz

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Meu olhar eu lanço para as estrelas




Para que eu me seja, só me posso no excesso de mim. Numa viagem marítima solto pelo mundo desaguando na superfície das águas límpidas da Baía de Todos os Santos. Só me posso entregando-me a uma espécie de desespero que amadurece e vigora em mim como sustentação existencial, alicerce fortíssimo deste mero edifício que sou eu.
E as águas salgadas deste azul que não abandona meus olhos; deste azul que me dá sangue alimentando minha ânsia de ser poeta. Sigo o rastro aquático do mar da minha terra me diluindo atemporalmente e assim, participo das correntezas míticas da vida dádiva imprecisa do Deus que ainda me quer por aqui. Nado sobre a calma translúcida das águas de um Porto da Barra e já estou no frio belíssimo das do Arpoador - meu lugar mais raro é o mais comum.
Singro humanos por debaixo da pele da palavra e tudo que me escapa são sobras do meu exagero. Eu, o sem respostas que desaprendeu a perguntar. Vivo nas entrelinhas para conservar o movimento e o mistério dos sonhos que me orientam; sobrevivo porque retiro do ar a energia da continuidade que me gera teimosia e do mar eu sou para o mar e transfiguro-me concha alga peixe...
Indo de canoa pelo pensamento e controlando dali qualquer tormenta - os oceanos são domínios de mim e viajo com a mais profunda proteção: falta de medo de morrer. No mar, sou-me transmutação.
Serena sereia das lindas cantigas matutinas e infantis: felicidade era assim... O que se traz de mais prazeroso e íntimo numa existência é imaginado. Nunca se toca o melhor da vida; nunca se suja de realização o instante profundo do sentido absoluto: amor é imaginação no físico ardente e desejado da pessoa que não chegou.
Sim - meu olhar eu lanço para as estrelas e da altura delas converso com os deuses que me deixam no mundo à luz da esperança. Meu olhar de criança não sai do mar azul ornamentado de sol e brisa. Meu olhar castanho fome se acende de paixão e arte e se dedica a seduzir pessoas. Meu olhar poesia diária lê pequenos milagres na escrita alheia. Meu olhar conta minhas histórias profundas e me delata as memórias.
Meu olhar também é o meu silêncio.


quarta-feira, 19 de maio de 2010

Estar ou não estar só, eis a questão

Caio Fernando Abreu

Para desacelerar o externo e intensificar e aquecer o interno. Para valorizar o sentido de uma escrita que ilumina nossa vida nos carregando do que mais humano se possa ter e ser... Par ler com os olhos no outro e entender que a arma mais potente das existências humanas é o querer bem , o se gostar; essa tal história do amor, e aqui, não é só o afeto-sexual:

Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.

Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de “minha vida”. Outros fragmentos, daquela “outra vida”. De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.

Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.

Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector “Tentação” na cabeça estonteada de encanto: “Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível”. Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.

De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.

Era isso – aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.

Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.

(Publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, 22/04/1986
)

Caio Fernando Abreu: dizeres de um lugar alto astral

Caio F.
Para Chiquinho
"Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão."
Em mim essa estiagem numa falta crônica de lágrimas. Mas a presença mágica da coragem me impulsionando a desaguar. A força certeira da fé que nunca seca e meu abrigo sentido no colo dos amigos que mais quero, que mais preciso, que mais tenho... Eu que me mergulho na exata incompreensão da vida, naquela lógica descrita no "muito que amei e não me amaram", nesse hoje nem sujo nem limpo e, pior, hoje morno por onde já não me pergunto mas sigo...
Em mim no que melhor me resta: palavras. Erguidas ao vento da beiramar; lugar das memórias e dos pedidos e essa luz do chamado destino a me estacionar. Ao menos, frente ao mar como fruto da inspiração e alívio pelo contínuo desta dor que me leva todo dia a escrever, sem porquê só quase... Paisagem Clarice-Caio nos respingos miúdos do que eu, no meu tamanho, desejaria um dia parecer.
Mas Sim, para evitar o morno de hoje que se faça festa e se renasça à sombra do amigo, e digo na voz louca do lúcido Caio algo em que eu mesmo não mais acredito:
"Só que homossexualidade não existe, nunca existiu. Existe sexualidade - voltada para um objeto qualquer de desejo. Que pode ou não ter genitália igual, e isso é detalhe. Mas não determina maior ou menor grau de moral ou integridade."
P.S.: Chiquinho, obrigado por você existir e renascer sempre nos maios outonais. Beijos. Marlon.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Tudo ou Nada?


"Mistério sempre há de pintar por aí"

Dos dias que se seguem



"É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio..."
Não , nada do que eu lhe diga. Nada. Esse silêncio é excesso de compaixão e me faz arremedo de mim mesmo, numa busca furiosa de contrapontos que lhe convençam de mim. Nada que seja palavra ou ação; nada que esteja sobre a mesa cama folha de cheque papel tela... nada se nos faria encontrar porque o mais perverso, a morte do desejo, o esquecimento, nos arrancaram do afeto.
E eu caminho sobrevivente a mim mesmo por entre os escritos que lhe mandava e para que cada dia seja menos lento, fico a queimar as montanhas de textos que escrevi e assim, não me sentir sem nada, torna-me o nada das dezenas de fósforos frios inúteis ao chão, por apagarem as memórias do que eu lhe dediquei.

Feliz Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!... (Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração! Não penses!
Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos ( meu Fernando Pessoa)
P.S.: Por que os iguais a mim gostam mais do heterônimo Álvaro de Campos?

Direto do Aiocá



Das águas
Fruto flutuas
Atendendo as sedes
No jogo interno da rede
Pesca peixe, beleza.

À espera

E essa dança que balança sua natureza em mim;
surto mágico de uma espécie de posse,
em que me veria para além da espera
nós dois um aqui: alumbramento.

O preço da traição

Em O Preço da Traição, Juliane Moore se envolve com prostitua contratada para o marido
"Depois de “Direito de Amar” (Tom Ford), a atriz Juliane Moore volta aos cinemas brasileiros neste mês como Catherine em “O Preço da Traição”, drama onde contrata uma garota linda e loira (Chole, vivida por Amanda Seyfried) para descobrir se seu marido é infiel, mas acontece que ela acaba se envolvendo com a tal garota. Com o nome original de “Chloe”, o filme – como diz o nome brasileiro – fala sobre até que ponto o ser humano é capaz de ir para esclarecer suas dúvidas, ter suas certezas. Em um jogo perigoso de sedução e traição, Chloe se vê bem no meio do casal, gostando de Catherine de um modo inesperado."
Link: http://mixbrasil.uol.com.br/cultura-gls/cinema/novo-filme-traz-juliane-moore-vivendo-romance-lesbico-com-loira.html

Abeokutá

Abeokutá (minha outra terra)

Por diversas vezes pronunciado o nome da terra mítico-concreta em que nasceu Iemanjá. Percursos do alumbramento, epifania de uma verdade interior, o cheiro sem tradução das águas e o sentido da festa na cara efeito do pertencimento no jeito da crença de quem vive sob proteção. O que não pode passar. O que é e está para além das formulações. Absurda arquitetura onde só bastaria o mar e também, nascentes da água simbolizando a vida que não pode faltar.
Mistério como prisma e o olho da sedução que anima: novelos e novelos da fêmea-mãe. Uma terra desconhecida. Palco de simbologias que cortam a carne, aguçam a memória, fazem o corpo dançar e a consciência cessar para ser outra, edificam como música e poesia e iluminam de verde azul o querer existir mesmo sobre as pedras ásperas da caminhada.
Abeokutá- minha outra terra. Outra vida seria daqui sem escrita e perto do começo quase peixe quase golfinho na âmago da sabedoria sem livro. Portanto, no âmago da sabedoria maior. Iemoja na rede sagrada em que me pesco para eu ser Ela mesma. Imensidão de mim.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Convocação


Imperdível

Foi-se no vento

Era para ser pintado num muro. Não foi porque o coração a ser atingido não tinha endereço e cada vontade de atingimento se arrolava pelas incongruências do tempo. O humano envelhece à espreita de si mesmo: o que sou e ao que me destino? Era para ser desenhado em um muro noutros significados: alcançado no corpo nos olhos na alma no pó mágico da eternidade inglória; alcançado para solidificar o tédio. Olhar perdido abaixo da janela do quarto. Olhar esquisito de dentro do quarto na janela vendo um amor passar como mau tempo, vento daninho, abrupto esquecimento. Ao longe, feito caverna sem saída, no escuro da escuridão, a música de Mahler atirando no cadáver em Morte em Veneza, o filme. O inconcluso que não contará mais. Fim de uma narrativa feroz, quadrada, paisagística, proto-platônica, cem palavras em alguma espécie de culto. Trâmite de uma discórdia. Indiferença. " Você passando num avião". Longas cartas para ninguém. Inverno no Rio Vermelho. Sede de música brasileira em escritos alemães.
O muro que agora é livro onde com grandeza leveza e saudade desistente se lê:
"Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi nosso tempo é agora."

Museu expõe em Berlim a maior retrospectiva de Frida Kahlo da história

Frida Kahlo ganha merecida retrospectiva em Berlim

Por Tereza Pires

Entre 30 abril e 9 de novembro de 2010, 120 pinturas e 70 desenhos de Frida Kahlo estarão expostos no Martin-Gropius-Bau, situado na Niederkirchnerstr, 7, Berlim. É a mais extensa retrospectiva da artista, incluindo obras nunca trazidas a público, algumas consideradas como perdidas e a última, inédita, até então. A mais famosa mulher artista na primeira metade do século 20 alcançou este patamar combinando cores, cultura e folclore mexicanos com experiências traumáticas da vida pessoal. Ao captar o drama da deficiência física, o visitante percebe, na mostra de Berlim, as paisagens que se transformam em fantasias sexuais e o sutil humor em alguns textos e imagens.Frida foi uma das pessoas mais desejadas do seu tempo, por muitos homens e algumas mulheres. Carismática, sabia como seduzir as pessoas por quem era atraída e seu modo de se vestir lançou um estilo, seguido até hoje. Além da moda, sua figura é cada vez mais fonte constante de inspiração na música e nas artes plásticas e visuais.

“Para que pés, se tenho asas para voar?”

Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón nasceu em 6 de julho de 1907 em Coyoacán, México, do casamento de Guillermo Kahlo, de origem alemã e Matilde Calderón. Filha de fotógrafo, sabia utilizar a câmera, revelar, retocar e colorir, o que lhe seria muito útil na carreira.Sempre soube como se posicionar - direcionava o olhar intenso para a câmera e mantinha os lábios fechados. Aos seis anos contraiu poliomielite, o que lhe afinou a perna direita. Para ocultar o defeito físico, começou, muito jovem, a usar calças compridas e, em seguida, passou a vestir-se com roupas masculinas.Estudante da Escola Preparatória da Cidade do México (1922), participou do grupo de vanguarda “Los cachuchas” interessado em literatura e nas idéias socialistas. Fazendo moda de protesto, os membros escolheram, para se identificar, uma espécie de gorro, usado pelos traficantes. Destas fileiras, saíram muitos líderes da esquerda mexicana.

“Corpo rima com dor”

Em 1925, sofreu o terrível acidente de ônibus que marcaria para sempre sua vida. A perna doente sofreu nada menos do que onze fraturas, três vértebras lesionadas jamais foram curadas e a dor era constante. Frida teve graves sequelas na área genital, tornando-se incapacitada para a maternidade.A medicina daquele tempo torturou seu corpo com 35 cirurgias: enxertos de coluna, trações, amputações de dedos, uso de coletes ortopédicos de gesso, couro, argila e metal. Durante a longa recuperação, a artista começou a pintar seus pequenos autoretratos. Como saía nas fotos, assim mesmo se pintava: sobrancelhas unidas e um buço desenhado meticulosamente, fio a fio.Primeiro, foi realista, pintando retratos de amigos e familiares. Depois, para exorcizar a dor no corpo destroçado, passou a usar imagens oníricas, muitas vezes brutais. Uma boa parte de sua obra é associada à Escola Surrealista. Perguntada sobre o motivo que a levou a ser a protagonista de sua própria arte, respondeu que passava muito tempo sozinha e era o modelo que melhor conhecia.

Na Gringolândia

Depois de 3 anos experimentando técnicas diversas, resolveu enviar algumas obras a Diego Rivera, que a encorajou a continuar seu trabalho. Enquanto pintava, presa ao leito, continuava imersa na sua realidade social e compartilhava com o famoso muralista os compromissos com a Revolução Mexicana e a exaltação da mexicanidade, contra a americanização.Kahlo e Rivera casaram-se em 1929, divorciaram-se em 1940 para se recasarem pouco tempo depois. De 1931 a 1933 Rivera – convidado para pintar um mural e Frida na tentativa de experimentar alguns tratamentos pioneiros - viveram nos Estados Unidos, a Gringolândia, como ela chamava. Foi uma estada malsucedida. Ela não se vestia como as saudáveis norte americanas, usava calças compridas e fumava em público. O que, na época, era um tabu.Reinvenção da mexicanidadeAo adotar o traje típico de Tehuantepec, por sugestão de Rivera, não procurou disfarçar a deficiência física e nem se fantasiar com roupas folclóricas e cores locais para ir a um baile de carnaval. A opção pelo vestuário de índia tehuana, ao contrário do que pode parecer, não era um ato fútil: chegou no momento em que Frida desejava validar sua cultura e fazer parte dela. Era um figurino diário colorido, com acessórios exuberantes, anéis em todos os dedos, flores na cabeça e saias volumosas.Na pintura, este engajamento aparece nas representações dos “ex-votos” - quadros de formato normalmente pequeno, que o povo mexicano confecciona para agradecer os milagres da Virgem Maria e dos Santos.

“Que a partida seja alegre “

Verdadeiro ícone no México, apenas uma vez teve sua obra exposta em seu país, na Primavera de 1953. Proibida de comparecer pelos médicos, mandou chamar uma ambulância e chegou ao local logo após a inauguração do evento, levada em maca. Acompanhada por uma multidão de jornalistas, cantou, bebeu, contou anedotas. Neste ano, a perna direita foi amputada abaixo do joelho, em consequência de gangrena. A partir daí, Frida tornou-se deprimida, depressiva e tentou o suicídio várias vezes. A morte em 13 de julho de 1954 foi envolta em rumores de suicídio, sustentados pela ausência de autópsia. Suas últimas palavras, escritas no diário, foram: “Que a partida seja alegre e espero nunca regressar” . A fascinante Frida Kahlo, não tendo sido uma pintora extraordinária pela técnica, segundo os críticos, teve a capacidade de converter em arte sua própria vida.

P.S.: retirado do mixbrasil ( www.mixbrasil.com.br)

Humberto Werneck ensina a arte brasileira da conversa


Claudia Leal ( do Terra Magazine, publicado em 12 de maio de 2010)
A defunta, como vai? - perguntava Otto Lara Resende, em 1992, num momento de vazante literária. Nem tão cadavérica assim, a crônica perdia seus cultores, mas o leitor ainda seria capaz de se comprazer com a caminhada de Rubem Braga atrás de uma borboleta amarela, que roçou nos cabelos do cronista na esquina da Graça Aranha com Araújo Alegre, e aventurou-se pelo oitão da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Com mais de um sentido, a borboleta amarela sumiu das retinas de Rubem. Já a "defunta", numa intermitente catalepsia, costuma reabrir os olhos e desafiar os órfãos em volta do caixão.

O escritor Humberto Werneck é outro caçador de lepidópteros, muitos deles aprisionados nos casulos dos dicionários e da memória. As suas crônicas publicadas no jornal "Brasil Econômico", aos sábados, recuperam a importância das palavras e das pequenas histórias para o cotidiano. Parte dessa caça está no livro "O espalhador de passarinhos & outras crônicas" (Edições Dubolsinho), que será lançado nesta quarta-feira (12), a partir das 18h30, na Livraria da Vila da rua Fradique Coutinho, em São Paulo.

Werneck organizou a coletânea "Boa companhia" (Cia. das Letras, 2005), com 42 clássicos da desconversa, de Fernando Sabino a Antônio Maria. Mas faltava o seu palmo de prosa. Depois da biografia de Jayme Ovalle, devia-nos os vestígios de sua própria vida de repórter e escritor, diariamente observando as desgracinhas deste mundo com um humor que dá o bote antes que as ideias insinuem arabescos.

Quer exemplo? Na Flip 2008, Werneck compartilhou uma mesa literária com o jornalista Xico Sá, que buscava a palavra certeira para definir um ponto oculto feminino - como diria o Houaiss, "a base do púbis", entre a vulva e o você-sabe. "Qual é o nome?...", vasculhou Xico. "Períneo... Já estive lá", matou Humberto.

Quando a antena capta uma de suas tiradas, a tentação é seguir o conselho de Nelson Rodrigues, a respeito de Otto, e abrir uma promissora "Loja de Frases". Algumas das crônicas de "O espalhador de passarinhos" nascem do bom papo, o qual serve de laboratório para as teorias werneckianas mais representativas. Vem-me a dubiedade da "mulher interessante". A da vertigem de sobreloja é recomendável para etiquetar aquele escritor (ou nem tanto) que sente alturas literárias quando ainda nem passou da marquise do Edifício Itália. Vaidades, vaidades. O que poderia bivacar na conversa fiada ganha refinamento em "O marido da mulher pelada":
"Pode ser que você não esteja ligando o nome à coisa, mas na certa conhece essa modalidade de apoteose mental a que todos, uns mais, outros menos, estamos sujeitos. Imagine o camarada que, tendo subido um modesto lance de escadas, já se considera no topo do edifício. Ainda não fez jus ao inebriamento lisérgico de uma genuína vertigem de altura, pois mal chegou à sobreloja - mas já começa a gastar por conta"

Repórter e escritor se encontram na reinvenção de palavras e no tempo da narração, às vezes puxando o rabo-de-papel da morte: "Gosto de cemitérios. Não como residência, é claro, pelo menos não por um bom tempo ainda. Gosto. Acho até que vou acabar num deles. Se não me cremarem, naturalmente. Mas só depois de morto, por favor."
No texto derradeiro, Werneck relata o obscuro - e jamais publicado - ensaio fotográfico de Alina Fernández Revuelta para a Playboy. Filha rebelde do comandante Fidel Castro, ela fugiu de Cuba em 1993, disfarçada de perua espanhola. Residiu em Madri e depois se mudou para Columbus, na Geórgia (EUA). Redator-chefe da revista, Werneck a convenceu a posar nua. "Por que não? - ecoou Alina, subitamente animada."

As curvas irregulares, salpicadas de celulites, exigiram um ajustamento do corpo - sim, da boca. "Como a bruxa de Joãozinho e Maria, eu pediria a ela, de tempos em tempos, que mostrasse o dedinho - o qual, ao contrário do que ocorre na história, deveria apresentar-se cada vez mais delgado", conta. No jantar para acertar o contrato, Alina se apresentou "sem maquiagem, metida numa roupa suja e com cabelos cuja coloração sugeriu às visitantes 'uma água de salsicha'".

Sem pensar nos rumos da revolução, mas apenas na qualidade da vanguarda, a Playboy preferiu não publicar as fotos de J.R. Duran. Bem, esse é o detalhe. Deliciosa pacas é a forma da narrativa, num livro em que o relato jornalístico é ocasional. Outra maravilha de humor e concisão em "Antes que me esqueça":

"As duas amigas, já francamente outoniças, arrastavam as chinelinhas pelo parque em vacilante caminhada, uma amparada na outra, pulando de assunto em assunto ao sabor de suas memórias cada vez mais despovoadas."

"- Que fim levou Carmelita Moreira?

- Sou eu - informou a outra."

A defunta vai muito bem.

Delas


Abriu a porta deixando-a entrar... Nada de palavras tudo de silêncio: olhares fixos, mãos trêmulas, corpos próximos, suores e de súbito: o sorriso. Desta vez, já se sabiam amar.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Memória


Amar o perdido
deixa confundido
este coração.


Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.


As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão




Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Carlos Drummond de Andrade

Mar de histórias

Retirado do Blog
Propaganda Gratuita

São explicações excessivas para efeito da minha servilidade. Tenho, de modo elegante, desaprendido o mundo e me visto dentro da mediocridade. Assim, sou mais pessoa, o tipo de gente que lê um pouco, vai ao cinema, fala horas ao telefone, colabora para o mal e bem do mundo alheio, tem fé, assisti tv, crê em Nossa Senhora, chora muito, tem saudade, prefere cores claras, ama candomblé, ama golfinhos, se embriaga para anestesiar, fofoca, queria fama e dinheiro, adora e odeia trabalhar, vive intensamente a quase-vida de sua cidade, sai mas não sai, engorda e emagrece, adora a si mesmo, se maltrata, desalinha, implora, ajuda tanto, cala, mas por saúde e sobrevida, graças a Deus, se vence...
Um mar de histórias que poderia refletir só naufrágios, muita coisa conspirou contra, mas o Universo disse Sim e sem muito parecer, seu caminho é proteção.
Haveria visão melhor que mar de livros erguidos para a poesia? Só mar descrito em sua forma natural azul, calmo, tropical, perto de mim. Hoje eu me teria em livros; contaria o susto de uma vida pesando e ficaria a lamentar no requinte de Tolstói as marcas exageradas do querer devassando o que eu não fui.
Explicações e servilidades: manejos da minha sociabilidade. A mãe dupla no ir e vir da falta do pai.
Histórias de um trancamento sem renúncias. Pronuncio o mundo, mas meu querido Paulo Freire, não posso e não quero mudá-lo. Sou co-participante da mediocridade. Ensaio ela daqui, quero ser íntegro a este meu tempo baiano, não devo ser incivilizado. Quero comprar algum livro de Balzac, que fale de crise dos 40, em alguma livraria sofisticada lá na Praça José de Alencar, próxima à Rua João de Deus, no nosso patrimônio maior: o Pelourinho. Minhas histórias também sabem ser classe média.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Verso

em mim:
nada dura mais que o verso.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

No futebol...

Gerard Pique e Ibrahimovic

... não se pode ternura e carinho? Quanto barulho por nada; o mundo heterocêntrico não se entende e se protege à toa.

Mais sobre Antropologia




Silva, Vagner Gonçalves da. O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre as religiões afro-brasileiras, São Paulo, Edusp, 2000, 194 pp.
Resenha: Patricia Birman Professora do Departamento de Ciências Sociais – UERJ

Revista de Antropologia
Print version ISSN 0034-7701
Rev. Antropol. vol.45 no.1 São Paulo 2002
Em O antropólogo e sua magia a natureza da pesquisa antropológica é submetida a uma delicada e persistente interrogação. O argumento central do livro busca responder a uma questão básica e recorrente na disciplina que envolve as condições de produção do seu saber: como trabalha o antropólogo? As respostas a esta pergunta têm, é claro, variado ao longo do tempo já que dependem das opções teórico-metodológicas de quem escreve. Vagner Gonçalves, acompanhando os questionamentos da disciplina a partir dos anos 80, orienta as suas reflexões sobre este campo a partir de seus interesses acadêmicos específicos. O seu trabalho busca repensar as formas pelas quais os antropólogos brasileiros se relacionaram enquanto pesquisadores e também como indivíduos com o domínio de pesquisa designado usualmente como "religiões afro-brasileiras". Retoma criticamente a relação entre o antropólogo e o campo "mágico" e exótico da possessão – campo este, diga-se de passagem, que remonta às origens da antropologia no Brasil e que, ao longo da história, já foi associado tanto às mazelas dessa sociedade como às suas dimensões "culturais" mais valorizadas. O livro, contudo, não trata da história desta intrincada e pertubadora relação – o autor não parece estar interessado em "desconstruir" historicamente a constituição deste "objeto" da antropologia nacional. O seu ponto de partida nos revela outro objetivo: apoiando-se nas suas próprias dúvidas busca criar um espaço de interlocução, um lugar comum partilhado com outros antropólogos que trabalharam nesse mesmo campo empírico. Assim, interroga-se a respeito do trabalho de campo (no processo de relacionamento com os pesquisados) e da elaboração dos resultados de pesquisa, e também sobre as maneiras e os efeitos da apropriação desta pelos pesquisados. Trata portanto das relações de poder, das diferentes experiências subjetivas e inter-subjetivas do pesquisador e de seus pesquisados, dos seus interesses sociais e morais, dos seus projetos e horizontes políticos, das relações de gênero, de "raça" e de "status" que cultivaram. Em suma, "tudo" que de diferentes formas vem participando do trabalho de campo e da elaboração dos resultados por parte dos pesquisadores do campo "afro-brasileiro". Busca demonstrar através de exemplos retirados da sua própria experiência (e da de seus colegas) como o pesquisador não consegue jamais se desvencilhar de si mesmo nem das injunções que, em diferentes circunstâncias, delineiam as condições da pesquisa para construir um modo objetivo de investigação e um relato etnográfico (também objetivo) como resultado desta.
A "falta" de objetividade, contudo, não seria a novidade analítica e/ou metodológica que traz o seu trabalho. Esta reside sobretudo na forma pela qual conduziu a pesquisa. Com efeito, recusa-se a tratar seus informantes e a si mesmo através dos procedimentos que questiona. Assim, por valorizar o fato que a pesquisa antropológica é feita por indivíduos com interesses, condicionamentos, estatutos e visões de mundo específicos, oferece a seus entrevistados um modo de presença na pesquisa que equivale em grande medida àquele que propõe para si próprio. E o meio que encontra para fazer isto é através, em primeiro lugar, de uma antropologia feita na primeira pessoa. A sua experiência organiza as questões que coloca de forma explícita para os outros bem como para os seus leitores. Em segundo, pela valorização de uma perspectiva dialógica na relação que estabelece com os antropólogos e com os religiosos, seus "informantes". Na relação com ambos pede menos informações do que pontos de vista. Busca uma troca de experiências tanto com antropólogos que deste lugar comum fizeram como ele "trabalho de campo" junto a religiosos, quanto com religiosos que foram objeto de pesquisas como a sua. O fio que une as duas pontas é aquele dado pela dupla condição vivida pelo autor: ele próprio começou seus estudos de antropologia na condição de iniciado no candomblé. Em nome de sua dupla experiência e da instabilidade relativa de suas identidades num campo e no outro pôde ir em busca da colaboração de uns e de outros para tematizar e discutir as diferentes questões que os tem envolvido nas múltiplas situações de pesquisa.
O propósito do autor, portanto, é de elaborar um ponto de vista como um efeito de um encontro com seus colegas e pesquisados. Cria assim um lugar importante no seu trabalho para os depoimentos de seus colegas a respeito destas questões partilhadas. Em vez de proceder atribuindo aos antropólogos entrevistados a condição de "pesquisados" no sentido de "objetivados" pelo seu discurso etnográfico, o que propõe a estes é uma discussão em que a experiência que tiveram dos mesmos problemas venha à tona e se integre a um conjunto de relatos que se relacionam tematicamente e se reforçam mutuamente. Constrói assim um mosaico onde a fala de uns e de outros se sucede, juntando elementos distintos provenientes das experiências singulares de todos. O mesmo tratamento é concedido aos tradicionais pesquisados, isto é, os pais, mães e filhos de santo das casas de candomblé em São Paulo. Eles relatam da mesma maneira as dificuldades por que passaram com "seus" pesquisadores, e também o que nestas interlocuções lhes chamou atenção.
O autor argumenta (citando inúmeras vezes a literatura antropológica bem como os relatos e testemunhos de colegas e companheiros de percurso religioso) o quanto as formas de objetivação são "contaminadas" pelas mais variadas circunstâncias: expectativas, conhecimentos, redes de pertencimento, intenções, exigências, estatutos sociais, projetos políticos, ideológicos dos antropólogos e também dos seus pesquisados. Os depoimentos se misturam, se entrelaçam sem que sejam ordenados segundo uma clivagem que separe com rigor excessivo os homens da ciência daqueles da religião. Até mesmo porque entre seus entrevistados alguns partilham da posição entre os dois lugares que um dia foi a sua.
Como dissemos, a preocupação de Vagner Gonçalves ao questionar a objetividade do pesquisador sobre a relação destes com seus pesquisados deve-se, em parte, às condições em que se deu o seu próprio trabalho acadêmico e, portanto, às dificuldades que ele mesmo enfrentou. Toma como referência no livro, assim, a dupla experiência que o forjou como pesquisador: membro de uma casa de candomblé e mestrando/doutorando, isto é, aprendiz de antropólogo.
A múltipla iniciação vivida quando pesquisava as religiões afro-brasileiras em São Paulo transformou-se pois num projeto científico que veio em seguida desenvolver. Grande parte das perguntas que atravessa o livro decorre da sua posição: de que forma a elaboração do conhecimento pela ciência difere daquela realizada nas casas religiosas? Como é possível colocar estes conhecimentos em relação? Como seus autores, a partir de interesses distintos, obedecendo a princípios cognitivos e morais diversos, terminam por negociar suas diferenças e estabelecer mecanismos de troca que redundam nisto que designamos como "etnografias"? Como também os religiosos transformam o conhecimento produzido na "academia" num saber "ancestral" ou vice-versa? De que modo uns e outros se influenciam, se adaptam e se antagonizam no curso destas experiências compartilhadas? Quais os compromissos éticos do antropólogo diante do segredo religioso, dos conflitos de posições, das divergências aparentemente inegociáveis?
Visando, em última análise, um aprimoramento do conhecimento antropológico, Vagner Gonçalves pretende explicitar a construção dessa "magia" do antropólogo e as peculiariedades desta como um estranho operador de feitiços que faz desaparecer do campo do visível todas as relações que estabelece "no campo" e fora dele. O livro insiste que estes "atos mágicos" escondem o pesquisador como um indivíduo que cria laços de proximidade, que influencia seus informantes, que modifica o equilíbrio dos poderes locais e que pode legitimar ou deslegitimar as regras e os valores vigentes no grupo que estuda. Enfatiza também o quanto a apropriação do trabalho do antropólogo e o diálogo com este se faz presente nos grupos estudados e se integra portanto a dinâmicas sociais que escapam de seu controle.
O que é, contudo, este conhecimento, sobre o qual todos os interlocutores desse livro se debruçam e buscam discutir as condições de sua produção? Esta questão aparentemente simples nos convida a debater com o autor alguns problemas da produção antropológica como, por exemplo, o estatuto que ele atribui à noção de religião. Com efeito, Vagner Gonçalves parece hesitar entre uma perspectiva em que conhecer significa compreender, segundo a perspectiva de Geertz, ou uma outra em que essa mesma noção é empregada no sentido mais relativista de gerar uma interpretação a partir de um ponto de vista específico – sobretudo quando dá lugar às varias versões sobre os encontros entre pesquisadores e pesquisados. Estas duas posições teóricas são, no entanto, abandonadas em certos momentos a favor de uma terceira, aquela tributária de uma ciênca positiva em que conhecer quer dizer estabelecer conceitos com validade universal. A antropologia como ciência, neste livro, vai integrar a crítica pós-moderna da falta de objetividade da ciência como "percalços" ou "armadilhas" a que todos estão sujeitos e que talvez possam ser evitados com o uso de modelos de investigação mais respeitosos do saber nativo. Nesta perspectiva, a incorporação tanto do autor quanto das relações de pesquisa como parte da construção do objeto antropológico é mais restrita: diz respeito a uma operação metodológica que não afeta a natureza do conhecimento produzido ( a não ser como "falta"). No transcorrer do livro algumas "faltas" de objetividade apontadas são facilmente assimiladas ao repertório já conhecido da disciplina como críticas relativas a um controle insuficiente do antropólogo na coleta dos seus dados. Permite assim que o leitor conclua que se estes dados tivessem sido bem levantados o resultado teria sido certamente um conhecimento mais objetivamente científico e neutro.
A oscilação que apresenta na compreensão do trabalho do antropólogo resulta certamente de uma perspectiva mais universalizante da disciplina enquanto ciência e de uma crítica implícita a um relativismo a qualquer preço. Mas parece decorrer também de um certo ajuste entre o que seria uma "ciência" da religião e a noção de religião como uma disciplina análoga à "ciência", isto é, como um domínio constituído como produtor de conhecimento. Se "religião" significar um conjunto de saberes relativos ao mundo invisível, o conhecimento a ser produzido pelo antropólogo de certo modo coincide com aquele dos religiosos – ambos teriam, digamos, o mesmo "objeto", o mundo sobrenatural e as formas dos homens se relacionarem com ele. Os antropólogos teriam como objetivo primordial "conhecer" esta modalidade específica de "conhecimento" e as práticas relacionadas a este.
Não há dúvidas de que esta interpretação da religião é uma entre muitas que circulam no mundo acadêmico e religioso. No entanto, creio que deva ser relativizada. As práticas relacionadas à "religião", como em muitos momentos o autor nos indica, atribuem sentidos a ações humanas não necessariamente circunscritas ao domínio religioso. Podem concernir a todas as esferas da vida social como, por exemplo, aos jogos de poder e de interesses, aos valores sociais e morais, aos estilos de vida e às identidades étnicas e nacionais etc. Como bem demonstrou Talal Asad, quando critica o conceito de religião empregado por Geertz, a "religião" pode ser tratada como um "objeto" desde que não se ignore como os grupos sociais em causa a concebem e o que praticam sob essa designação. Nem sempre diz respeito a um domínio bem estabelecido na sociedade e nem sempre oferece respostas a problemas considerados universais. Afinal, nem sempre a "magia" fala da relação com os deuses, como nem sempre seu sentido provém da anomia social. Pode estar nos dizendo coisas fundamentais sobre a economia, sobre o parentesco, sobre a violência e as relações de poder das quais pesquisados e pesquisadores participam na sociedade paulista, entre várias outras possibilidades.
A leitura deste livro nos abre muitas vias para compreender as complexas relações que os antropólogos e seus pesquisados vêm desenvolvendo no campo "afro-brasileiro" e também sobre os limites dos procedimentos "tradicionais" da antropologia. Ao enfocar sua análise nos procedimentos mágicos o autor deixa entrever o que nos resta de inconcluso e de problemático na antropologia (a começar pelos seus contornos) nestes tempos que aboliram os antigos paradigmas disciplinares sem nos livrar de todos os desafios implicados na prática de uma antropologia com ética e feita com seriedade.

Clara Vidência


"Nasceu de uns olhos morenos molhados de mar"
Quando uma presença e uma voz se nos fascinam. Quando alguém bate à memória, fogo e água, e a história de melhorar até os domingos. É água no mar. Contos e contos de uma canto brasileiro intimamente baiano. Era mineiro vivendo no Rio. E exatamente baiano. Idilicamente baiano como ponte a ligarnos ao melhor que nós fazíamos aqui. Sem medo nem vergonha de ser negro e de ser Brasil. Leituras da mestiçagem. Clara transcendência na beleza e na voz. Clara vidência de um Brasil que prosseguia popular. Jeito de cerveja, caipirinha, feijoada sobre a mesa e felicidade inteira no coração. Domingo era alegria. Às vezes aparecia na televisão. Rompia as discórdias, todos se uniam para ver ouvir sentir a Clara do Brasil. Nossa morena quase Angola quase Bahia e integralmente brasileira. Fruto das certezas de que a grandeza dá samba. Cantora universal dando samba seu ritmo magistral. Rainha Nunes nos libertando das torturas deste cotidiano de opressões contra o povo.
Quando uma presença faz falta aos olhos mas vive e canta na alma deste País!

Olhos d'água


O súbito descortinamento. Matéria mais expressiva ao se desenhar em delicadeza. Cores que intrigam e fazem diferenças. Primeira passagem da alma. Delírio do quase sexual. Símbolo raro dos anjos. O que está à frente dizendo do mais lindo silêncio. Maneiras do se encantar no que é humano e são escritos na falta das palavras. Atino da memória em espelhos d'água. Concórdia entre amor e saudade. Escaninho à vista para se ver levezas. O que envelhece sendo sempre infância. O ver. Alvorecer do sol sublime quando são os mais amados. Investigação de todos os sentidos. Bem vindo até escarlate. Orgãos e ação. O jeito mais límpido da sedução. Marcador da esperança. Espele torrente de vibrações. Nítidos e fugidios. Nascedouro de águas salgadas. Mar humano. Piscinas d'água no humano. Outra espécie de flores. Filmes contínuos. Absorção da inteireza da beleza que se pensa tocar. Caminho a outros sentidos. Preâmbulo visual do que a alma filtra e melhora. Símbolo de aproximação. Naquilo semente. Pura imaginação em si caçando os quais se quer mergulhar.

Emília II ou Pir Lim Pim Pim


Das risadas no turno da tarde
Dos lugares mais previsíveis
A roupa sem arte e grife
O corpo cansado
A mente em sono
Mas o pensamento nele.


O corpo preso na outra alma.


Lembranças de mágica
Numa tv preto e branco
O jardim sem flores
Mas o anseio de muitos sonhos.


A alma no corpo dele.




Feitio de brincadeira
Uma viagem de barco
Final de tarde ensolarada.

Um pouco de música
Odara do Caetano
E os olhos na cena dele.



Por hoje seria a mágica de Emília
Na órbita sagrada da infância,
Mais que esperança:
Pir Lim Pim Pim.

sábado, 8 de maio de 2010

Legião Urbana e Clarice Lispector dão os rumos para a reflexão




A música e a literatura têm sido o suporte para as aulas de filosofia e sociologia no Colégio Estadual Mário Augusto Teixeira de Freitas, localizado em Nazaré. A ideia de utilizar estes recursos foi do professor, jornalista e antropólogo, Marlon Marcos, que ministra as duas disciplinas.

“Eu tenho usado músicas de Legião Urbana e Cazuza para associar ao pensamento de filósofos. Outro dia uma aluna me deixou super feliz com uma reflexão sobre o tempo a partir da música Pais e Filhos, da banda Legião Urbana”, relata o professor.

A aluna citada por Marlon Marcos é Êmile de Almeida,14 anos, da turma C do 1º ano.
“Numa sociedade em que os indivíduos são julgados pelo exterior fiquei pensando numa parte da letra que fala sobre a brevidade que temos para viver e, portanto, de como precisamos nos preocupar com coisas mais importantes”, explica a aluna.

Ponte Em sociologia, o professor tem usado textos de Clarice Lispector para debater temas como luta de classe, ação e fato social, dentre outros que são básicos na disciplina. O esforço criativo de Marlon Marcos já mostra resultados.

“Eu passei a ler também outras coisas de Clarice Lispector.
Sociologia é uma disciplina que está me ajudando até a escolher melhor em quem eu vou votar”, diz Amanda Xavier 18 anos, da turma E do 1º ano.
Aluno da mesma turma, Ígor Jambeiro, 15 anos, está reencontrando sociologia.

“Tive contato quando estudei em escola particular. Eu gosto”.
O que anima Patrick Coelho, 16 anos, é a discussão de questões sociais. “Dá para entender mais”, acrescenta.

Fonte: Jornal A TARDE de 03 de maio de 2010



sexta-feira, 7 de maio de 2010

Da África em todos nós


Beleza se compartilha,
às vezes no olhar,
outras na emoção.
Circula melhor em
riquezas da diferença
abrindo possibilidades.
Beleza é o estado da
confusão,
nega princípios
e se instaura subitamente.
Perfuma e cura
alma corpo mente.

Seminário internacional sobre Jorge Amado



A Companhia das Letras e o Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao) da UFBA têm o prazer de convidá-lo para o Seminário Internacional sobre Jorge Amado, conforme programação anexa sujeita à confirmação.
O Projeto Jorge Amado na Companhia das Letras promoveu, em 2009, Workshops de formação e capacitação de professores, sobre a vida e obra de Jorge Amado. Congregamos professores da rede pública em nove cidades brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Espírito Santo, Goiânia, Brasília, Salvador e Fortaleza. Agora em 2010, realizaremos, dentro do mesmo projeto, seis concursos culturais para alunos, além de dois seminários internacionais.
O Seminário Internacional sobre Jorge Amado, que tem curadoria da professora titular da USP Lilia Schwarcz e da professora Ilana Goldstein, ocorrerá na Universidade Federal da Bahia (nos dias 27 e 28 de maio).
Este é um evento incentivado pelo Ministério da Cultura, uma vez aceitando nosso convite, estarão cobertos todos os custos com transporte, alimentação e hospedagem.

SEMINÁRIO ACADÊMICO INTERNACIONAL JORGE AMADO
Curadoria: Lilia Moritz Schwarcz e Ilana Seltzer Goldstein
Coordenação - Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao) da UFBA: Paula Cristina Barreto e Jocélio Teles Santos
PROGRAMAÇÃO SAVADOR
Local: UFBA (27 e 28 de maio)
1o dia
10h-12h
Mesa-redonda 1: “Jorge Amado e seu Brasil”
Affonso Romano de Sant’anna (Escritor) e Alberto da Costa e Silva (ABL)
Mediação: Miriam Fraga (Fundação Casa de Jorge Amado)
14h-16h
Mesa-redonda 2: “Mestiçagens na obra de Jorge Amado”
Ana Rosa Ramos (UFBA) e Ilana Seltzer Goldstein (Unicamp)
Mediação: Lilia Moritz Schwarcz (USP)
16h30-18h
Mesa-redonda 3: “Uma cultura afro-baiana”
Antonio Marcos Pereira (UFBA) e Ordep Trindade-Serra (UFBA)
Mediação: Jocélio Teles Santos(UFBA)
2o dia
10h-12h
Mesa-redonda 4: “Questões de gênero em Jorge Amado”
Júlio Assis Simões (USP) e Laura Moutinho (USP), Ilana Strozenberg (UFRJ) e Jean-Yves Merian (Université Rennes)
Mediação: Heloisa Buarque de Almeida (USP)
14h- 15h30
Mesa-redonda 5: “Literatura e política”
Daniel Aarão Reis (UFF), Luís Gustavo Rossi (Unicamp)
Mediação: Marcos Aurélio de Souza (UFBA)
16h-17h30
Mesa-redonda 6: “Uma literatura amadiana”
José Eduardo Agualusa (escritor) e Moacir Scliar (escritor)
Mediação: Flavio Moura (USP e FLIP)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Jussara Silveira


Nesses dias de poesia marítima em que a alma é do tamanho da arte: Jussara Silveira! Meu blog é de gente, sim! louvações a humanos... E hoje o meu sobrehumano é delicadeza musical. A saudade do cantar que me espalha por todas as águas, refresca a vida, me põe à beira-mar. Meus olhos seguindo o horizonte à espera de uma presença, na ânsia de uma chegada... Não vivo assim. Jussara canta como trilha para soluções. Que artista! Que mulher linda!
Preciso de serenidade. Ter saúde nas tardinhas com amigos e sonhar na música Jussara e no poema Karina e ... Alcançar o sossego da pedra próxima do mar.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Te espero

Chega mais perto,
ouve-me todo,
embebede-se do que começa ser:
desejo lançando palavra.
Poesia do anoitecer!

Da longevidade

"E se amor morre com o tempo
Amor não é o que sinto
Neste momento. "
Hilda Hilst
Ainda passeio pelos respingos que me caem do seu olhar.
Ávida memória do que sinto como futuro.
Eu, o sem tempo certo navego
O oceano do eterno que o amor quis pra mim.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Não me lembro

"Há tempos tive um sonho
Não me lembro, não me lembro..."
Cada tempo, cada etapa, cada instante soprando seus vazios. Ao longe, uma tardinha se indo, da janela de um espaço cobertura abaixo de um desejo, em papel picado para desenhar momentos do que, insuportavelmente, tivera sido a mais intensa felicidade. Fragmentos de um sonho ou traços inexatos de lembranças do real?Não me lembro, não me lembro.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O masculino em reverência à Senhora dos Mares

Foto de Guellwaar
Retirado do blog Jeito Baiano


Se não for doce morrer no mar, viver perto dele é... Perto de tudo que gera beleza e fé; perto das narrativas que corporificam o mais íntimo de mim. Tenho pensamentos sobre mim como peixe, ou melhor, como mamífero marinho, ora baleia ora golfinho mas, me tenho como criatura do mar.
Lindo é ver o Dois de Fevereiro na Cidade da Bahia, onde as mulheres, rainhas absolutas em sintonia com as àguas, festejam a Senhora dos Mares; e belo e doce é quando os homens lançam flores ao colo sagrado de minha Mãe. Eu sobrevivo para estes instantes de poesia. Vejo-me naqueles aprontados pelo fé; roupas brancas e azuis saudando em concentração esta energia da gente, Iemanjá.
É lindo! Primaveril assertiva de que sublime e divina é a tradição africana deixada entre nós.
É lindo. Eu sobrevivo por isso, ancorado na luz desta proteção. Irremediavelmente baiano, nascido na beira da de Todos os Santos, filho dileto da Iyá Fazedora de Peixes e Mistério!
Todas as flores de mim vão para Ela.

Maria Bethânia: cumprindo uma missão

Eu, Maria e Bia Lessa ( TCA, Salvador-Bahia, 22 de novembro de 2010)
Um todo percurso de reflexão e entrega apaixonada. Uma missão que foi cumprida em retribuição à inspiração, à fruição e sentidos construídos a partir da presença artística desta mulher: Maria Bethânia. Sou eu abandonado a uma concepção identitária que perfila o Brasil das salas populares sem perder inventividade, sem prescindir da sofisticação. Sou eu me deixando ir pela palavra ressignificada no som saído da garganta que me aquece até dos domingos... Minha retribuição na investida de que a obra de Maria seja amplamente entendida como fonte epifânica do que um país, em seus aspectos sócio-culturais voltados para a criação popular, pode gerar de grandeza e transformar pobreza em bem estar geral. O canto de Bethânia como narrativas a serem lidas a favor da fruição, da educação, da preservação da memória, da fomentação da fé, do respeito pelas religiões de matriz africana, pelo respeito às diferenças, para o olhar descentralizador, para novas possibilidades de beleza e para o livro-escrita que sai do canto desta escritora vocal do Brasil.
Daí, a minha dissertação. Também uma louvação, agora sim, a uma deusa: Oyá-Iansã!