Para que eu me seja, só me posso no excesso de mim. Numa viagem marítima solto pelo mundo desaguando na superfície das águas límpidas da Baía de Todos os Santos. Só me posso entregando-me a uma espécie de desespero que amadurece e vigora em mim como sustentação existencial, alicerce fortíssimo deste mero edifício que sou eu.
E as águas salgadas deste azul que não abandona meus olhos; deste azul que me dá sangue alimentando minha ânsia de ser poeta. Sigo o rastro aquático do mar da minha terra me diluindo atemporalmente e assim, participo das correntezas míticas da vida dádiva imprecisa do Deus que ainda me quer por aqui. Nado sobre a calma translúcida das águas de um Porto da Barra e já estou no frio belíssimo das do Arpoador - meu lugar mais raro é o mais comum.
Singro humanos por debaixo da pele da palavra e tudo que me escapa são sobras do meu exagero. Eu, o sem respostas que desaprendeu a perguntar. Vivo nas entrelinhas para conservar o movimento e o mistério dos sonhos que me orientam; sobrevivo porque retiro do ar a energia da continuidade que me gera teimosia e do mar eu sou para o mar e transfiguro-me concha alga peixe...
Indo de canoa pelo pensamento e controlando dali qualquer tormenta - os oceanos são domínios de mim e viajo com a mais profunda proteção: falta de medo de morrer. No mar, sou-me transmutação.
Serena sereia das lindas cantigas matutinas e infantis: felicidade era assim... O que se traz de mais prazeroso e íntimo numa existência é imaginado. Nunca se toca o melhor da vida; nunca se suja de realização o instante profundo do sentido absoluto: amor é imaginação no físico ardente e desejado da pessoa que não chegou.
Sim - meu olhar eu lanço para as estrelas e da altura delas converso com os deuses que me deixam no mundo à luz da esperança. Meu olhar de criança não sai do mar azul ornamentado de sol e brisa. Meu olhar castanho fome se acende de paixão e arte e se dedica a seduzir pessoas. Meu olhar poesia diária lê pequenos milagres na escrita alheia. Meu olhar conta minhas histórias profundas e me delata as memórias.
Meu olhar também é o meu silêncio.
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