sexta-feira, 14 de maio de 2010

Foi-se no vento

Era para ser pintado num muro. Não foi porque o coração a ser atingido não tinha endereço e cada vontade de atingimento se arrolava pelas incongruências do tempo. O humano envelhece à espreita de si mesmo: o que sou e ao que me destino? Era para ser desenhado em um muro noutros significados: alcançado no corpo nos olhos na alma no pó mágico da eternidade inglória; alcançado para solidificar o tédio. Olhar perdido abaixo da janela do quarto. Olhar esquisito de dentro do quarto na janela vendo um amor passar como mau tempo, vento daninho, abrupto esquecimento. Ao longe, feito caverna sem saída, no escuro da escuridão, a música de Mahler atirando no cadáver em Morte em Veneza, o filme. O inconcluso que não contará mais. Fim de uma narrativa feroz, quadrada, paisagística, proto-platônica, cem palavras em alguma espécie de culto. Trâmite de uma discórdia. Indiferença. " Você passando num avião". Longas cartas para ninguém. Inverno no Rio Vermelho. Sede de música brasileira em escritos alemães.
O muro que agora é livro onde com grandeza leveza e saudade desistente se lê:
"Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi nosso tempo é agora."

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