terça-feira, 23 de dezembro de 2014

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fiquei imaginando você,

nessa sua cara de galã,

todo grande,

atuando,

a la irandhir santos,

de cueca branca,

chuva nordestina,

filme pernambucano,

diretor e ator,

roteiro certeiro,

mais poesia que narrativa,

cabelos molhados,

lábios mais vermelhos,

mais macho que anjo

e ainda que sob água:

puro fogo brincante.


O vento lá fora


Haveria eu de fazer muitas perguntas
diante das contínuas belezas que traz
o selo carioca Quitanda, dentro da Biscoito
Fino, para a cultura brasileira. Mas, com
o projeto O vento lá fora, com as vozes de
Cleonice Berardinelli e de Maria Bethânia dizendo
poemas de Fernando Pessoa, em imagens
sonoras em preto e branco, me reduzo ao
silêncio contemplativo e a uma espécie de reverência
que se move e aprende através do
delicado resultado que é esta obra dirigida por
Marcio Debellian.

O projeto traz um DVD e um CD que cumprem
a tarefa de recortar a obra do autor à luz
da especialidade acadêmica de D. Cléo (uma
das maiores especialistas em Fernando Pessoa
no mundo) e da récita inconfundível de Bethânia.
O filme nos assenta em nós mesmos:
foi feito para audições individuais, solitárias,
quase secretas. Se há paixão do Brasil por
Pessoa e Bethânia, o Brasil também se apaixonará
pela nonagenária intelectual, imortal
da Academia Brasileira de Letras, Cleonice Berardinelli,
fincada em sua trajetória professoral,
mas artística até a alma e extensivamente
enamorada da poesia que o bardo português
legou ao mundo.

O DVD trata de maestria e de generosidade.
Maestria em Pessoa, em D. Cléo, em Debellian...
Maestria em Bethânia, que se soma à
sua própria generosidade, se emprestando ao
projeto como estrela maior da MPB e que se
faz pequena frente à sabedoria da professora
e, mais ainda, à condição senhorial que os 98
anos da mestra imputam à relação entre as
duas e entre todos os envolvidos na construção
do vídeo.

Mais que aula. O filme é pura poesia em
movimento – lições da fala, da escrita, da dicção,
da inflexão, do silêncio a partir da língua
portuguesa –, absorvendo a quem o assiste pelo
viés da experiência poética, um convite entre
rigor e transe, costurado pela beleza e ventilado
pelas risadas de Bethânia, pelo piano de Bethânia,
pelos cortes de D. Cléo, pelo humor
professoral de D. Cléo e pela edição fílmica
deste encontro. É mimo, como diria D. Cléo...
Um mimo aos ouvintes de Pessoa que entra
assim: “Estou preso ao meu pensamento/ Como
o vento preso ao ar”.

(Publicado no Jornal A Tarde, Caderno Opinião, p.3, em 20/12/2014

Mãe Tatá: dádiva de Oxum


Em pleno movimento da festa do barco
– a que encerra o calendário litúrgico
anual do Ilê Axé Iyá Nassô Oká e é uma
homenagem a Oxume a Iemanjá – aconteceu
o lançamento do livroMãe Tatá – uma dádiva
de Oxum, pela importante editora baiana
Ogum’s Toques Negros, organizado pela ekedy
e professora doutora Ana Rita Santiago,
que intuiu homenagear com a obra Altamira
Cecília dos Santos – a mãe Tatá de Oxum,
sacerdotisa maior que está no comando daquele
terreiro desde os anos 80.

A festa é um paiol de beleza: combina
tecidos finos dourados com cortes de seda
azul clarinho, como o mimo que Oxum e
Iemanjá fazem em seus filhos. O feminino
que se alastra negro saudando nossas origens
africanas. O livro pode ser definido como
síntese da delicadeza dirigida à delicada figura
de uma das grandes lideranças do candomblé
baiano nos últimos anos. É uma reunião
de relatos, curtos e tocantes, com impressões
de membros e amigos daquela comunidade
religiosa e que viveram experiências
com mãe Tatá, tida e referida no livro,
pelo babá Air do Pilão de Prata, como a Irmã
Dulce do Axé.

Numa noite de domingo, 30 de novembro,
os atabaques em batás e cânticos ijexás, uma
significativa obra é lançada para a sacerdotisa,
no barracão de um dos mais tradicionais terreiros
jeje-nagôs do mundo (já que o candomblé
tornou-se uma religiãomundializada),
e a alegria dos que participaram da homenagem
escrevendo o livro foi contagiante: “Esqueci
a palavra santa no meu texto, sou a
autora da página 103, conheci mãe Tatá através
do ogã Tonho, fomos colegas de escola; vinha
muito aqui jogar cartas com ela; nunca fiz o
santo, hoje sou católica bem praticante, mas
admiro e gosto muito de mãe Tatá”, falas de
Aurelice Pereira de Almeida, em dupla felicidade:
estreando como autora e homenageando
alguém que marcou muito a sua vida.

Que realização digna é este livro: poderíamos
assinalar os novos tempos do meu povo
de santo, escrevendo para e sobre si mesmo, se
somarmos a isso respeito às mais diferenciadas
trajetórias dentro do candomblé, mirando-
se na singeleza poderosa de mãe Tatá.

(Publicado no Jornal A Tarde, Caderno Opinião, p. 3, em 06/12/2014)

domingo, 23 de novembro de 2014

A cota Sinavulu do congo-angola



Publicado no Jornal A Tarde, dia 22 de novembro de 2014, no Caderno Opinião, p. 03

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Gal Costa trouxe Espelho d'Água para o Teatro Castro Alves

(Gal Costa - foto Daniel Menezes)


Como foi escrito para sempre ser: o canto mais doce que o século XX conheceu em todo mundo.

O grande talento se renova entre as canalhices das críticas perversas e a vontade de expressar a história de um cantar sublime que revela outras histórias da inventividade musical de uma mulher. O canto solar de Gal Costa deslumbrou a plateia do TCA, nesta noite de sábado, dia 08 de novembro de 2014, reafirmando que quem deve se aposentar são os obtusos críticos de tais rodas baianas que não podem alcançar a vitalidade de uma voz eterna e de uma trajetória que deve ser respeitada como poucas na história da Música Popular Brasileira.

Gal fez, com parte do seu refinado repertório, o que Billie Holiday fazia ao reinventar várias vezes uma mesma canção. Gal fez a gente respirar com seus pulmões divinos e aos nossos ouvidos deixou o assombro por assistir uma outra mesma cantora - destinada a iluminar de sons o que é possível de beleza a este país.

A nova desde Recanto é a mesma amadurecida de Caras e Bocas e o Brasil deve ser plateia atenta para esta cantora que, junto a Maria Bethânia e Nana Caymmi, nos formam em escolas de grandiosas cantoras, sendo estas três, a síntese viva do cantar feminino brasileiro. Resta Elis. Aliás, restam tantas.

E Gal viva no Palco Sagrado do nosso Teatro: nos pondo a rir e a chorar, como só fazem os verdadeiros artistas...

Claudia Cunha, vivi de lembrar você - aluna e mestra desta síntese!!!

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Intrigado

nessa vida?!?!

um tempinho a mais

para mais um pouquinho

da poesia escrita intra

ao que ainda me intriga

neste mundo.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Eu quero Dilma 2014


Esmagar a liberdade amorosa alheia, aviltar o exercício da coexistência diversa, erguer, cada vez mais, violências contra o não normativo, infiltrar no caminho das buscas coletivas a real ordem dos individualismos, exercer a tirania do discurso sofístico anti-comunicacional, desenhar o bem disfarçando o mal, impedir que se seja dentro do que se é, entre tantas outras desgraças que se abatem sobre o brasil, eis que o potente Sudeste, lugar dos lobão da quase vida, nos dá, como deputados federais mais votados, bolsonaro e feliciano . Reforços para Aécio ou para Dilma?

Essa é a urgência da Política - e eu tenho um prazer fundamental em poder participar de tudo isso escolhendo e não abrindo mão de querer votar, de ainda poder votar, talvez contra nada, mas tão simplesmente a favor do direito mínimo de me expressar frente ao que se ordena como eleição ( e é bom que ela exista!), mesmo que exprima nossas derrotas existenciais e configure a chegada da horda de seres humanos que colaboram, em nome da fé, no trânsito da política, contra os que afirmam a riqueza e a inexorável diferença que caracteriza a humanidade.

A tormenta do conservadorismo, a moral ilibada dos torturadores, a perfeição dos religiosos( cheios de bondade e luz), a verdade científica dos ateus, a excessiva vaidade, o barulho das falas ( a minha também), o despreparo como sorte, a incompetência geral frente ao amor, esse vazio igual a hipocrisia, a vaidade galopante, a mentira como verso em récita, a maioria dos eleitos, a nossa ignorância universitária, o voto nulo e branco, o voto no candidato que nem se sabe o nome, o declínio de gente como lobão, a falta de beleza, a feiura nas academias, a feiura acadêmica, o que não deixa viver como urge ser vivido, o que só pensa em traduzir, o que emporcalha.

Na entrada, na saída, nas laterais. Este meu reducionismo... A turba que me cansa e eu que me canso igualmente de mim.
Respiro. Do pouco, verdadeiramente positivo, para mim, tem a eleição de Jean Wyllys...

Feliz com a não eleição de Marina... lobonizado com a possibilidade de ter Aécio como presidente: se for, vou querer outro país, por favor!
Pensando no quão grande seria Luciana Genro. E clamando Dilma Rousseff para presidente. Não a Paulo Souto!

E Rui Costa - tome tino, seja melhor que Jaques Wagner e para isso nem se queira muito competente.

E um ex-viado, o cu- rado, foi um dos mais votados na Bahia... Os alquimistas estão chegando.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Vércia: olhos voz da canção



Ela é uma das grandes revelações do canto
feminino na Bahia. Sua inspiração
pode imprimir um passeio por temá-
ticas que abordem a diversidade, a comple-
xidade humana quando o assunto for sexua-
lidade, mas, além disso, seu canto rasga e
convida à doçura como se esta fosse comum
a todos os seres humanos. Vércia Gonçalves
tem sido corriqueira em cenários que efer-
vescem samba e outras pérolas do cancioneiro
brasileiro na cidade da Bahia. Cada apresen-
tação da cachoeirana, de 34 anos, nos apre-
senta a novas descobertas de possibilidades
estéticas: mesclas de motes das religiosidades
afro-brasileiras com o mais tradicional dos
sambas, mais o repertório urbano e luminoso
de colegas suas como Gal Costa.

Os olhos incrivelmente belos acompanham
a voz. A liminaridade de sua presença, entre
masculino e feminino, traz à tona a qualidade
vocal eterna de Aracy de Almeida; e, assim, se
desvenda Vércia como uma promessa desme-
dida para engrandecer ainda mais a tradição
feminina da Bahia quando a deixa é canção.
Apesar de trilhar uma trajetória de mais de dez
anos de carreira, Vércia ainda está escondida
para o grande público baiano. Ela qualifica as
noites e as tardes musicais da Bahia, cantando
em lugares como o mítico bar Zanzibar, se
cercando de colegas e amigos, como o seu
maior incentivador: o cantor Carlos Barros.

É outra que evidencia a negritude de nossa
gente e que à frente de meras questões da
necessária afirmação etnicorracial, produz ex-
periências de fruição que só a verdadeira in-
ventividade pode oferecer. Óbvio que nem
sempre foi assim. A carreira de Vércia é um
aclive a favor das melhoras que o aprendizado
e o estudo garantem, e, ralando como deve ser,
a cantora presta homenagens a Clementina de
Jesus, Clara Nunes, Maria Bethânia... Sangra
emoção e simplicidade, o drama na medida
certa, o ar menino menina, afinação, a voz
rascante são elementos da artista que se cons-
trói para a raridade.

É negra a beleza castanha dos olhos de
Vércia. E ela vaza de qualquer unilateral
comparação com a grande Mart’nália. Vér-
cia é a parte da Bahia que pode resultar

universal.

(Publicado no Jornal A Tarde, Página 3, Opinião, 27 de setembro de 2014)

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Da voz de Bethânia para minha Mãe Iemanjá



Entoo-Lhe , da voz de Bethânia, orações...

o tempo está violento, maus presságios

ondas rasteiras do moralismo

barulhos fundamentalistas ferindo o silêncio,

burocratizando a Fé...

desrespeito ao direito diverso e legítimo

de amar...

hordas da hipocrisia vicejando

racismos de todas as espécies,

morte ao outro em nome da divindade,

usura disfarçada de contrição,

maldade, perversidade, agressão

advinda dos pregadores da salvação...

fedor por todos os lados....

descaso com o direito à vida

injustiça sanguinária dos que se dizem

santificados...

Oh, Mãe

Ouve a cantora

o que dizemos sangra e é água

transborda história, é pura emoção

Ouve

Ouve

Ouve

e me alivia para o público isolamento

marcado tão somente da Tua presença

e das coisas do mar...

deixa em mim o que for do amor

só pessoas à luz do amor...

um pouquinho só

todas revestidas de amor,

Seu filho dileto!

Axé

sábado, 6 de setembro de 2014

Cássia Eller



minha alma levinha,
mas chorosa,
mais contente...

o sorriso
menininha
do rapaz valente...

quanta alegria!

revê-la personagem
nessa intensa saudade
que se cumpriu em nós...

quanta alegria!

apanhá-la pelos ouvidos
dançando em meus olhos
meu corpo suando...

quanta alegria!

me eternizar na
eternidade da sua música
pra chorar gratidão e vontade...

quanta alegria!

o excesso da sua presença
minha falta de paciência
para esse mundo tão careta...

silencio...

e navego a mim mesmo
nos reflexos dos seus
testemunhos.

venço muro
transito o oco
a cara gata extraordinária;

viajo

entre signos clariceanos
e clamo:

todos os sons
todos os versos
que ouvi e li

em sua voz rasgada.

sábado, 30 de agosto de 2014

olho cego cheio de luz



todo tempo perto de mim
traços do que mais me vejo
na vontade profunda de mu -
dança a cantar
belezas que me elevam.

olho cego cheio de luz
nem o poeta me alcança
deveras samba sem efeito
o amor, este amor, aquele amor
tudo passageiro:

a menina sem trança
me olha e ri
panorama da falta
poética e solidão...

a menina dança
civilizações sobre mim

mas me sou todo selvagem,

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

***

o nome me silencia

frente aos olhos que me queimam...

aspiro o toque da boca

ora calada ora acesa

de verdades sensuais...

sinto das mãos

que me seguram

deslize delícia passeio:

meu beijo no umbigo

quando fica tudo

pronto para então.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

***


no fundo,
para não me afogar em hipocrisias,
tenho viajado em superfícies.

terça-feira, 29 de julho de 2014

navegante

É dessa minha condição de corsário, voraz amante do mar, que me apronto todo em muitas idas e vindas, arranjando sonhos, desconversando, banhando-me, fazendo silêncio, gritando, navegando do meu jeito, quase sereia, chorando, mas muita alegria, quando saio, no sentido da felicidade.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

do que não houve

queria que fosse bem tarde... bem desgaste do tempo negando. fosse maior que a dura saudade e sem retorno do sol... fosse inteira vida em segundos e acabasse sem a ideia de acabar. fosse: intervalos entre a falta de sorte...dois corpos bem separados localizados no exíguo espaço do desencontro...falta de nome e falta de transporte...o medo matando... todo o tempo do que não houve.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Amor sempre

É melhor amar, gostar, querer bem... Isso de amor revela o mais prazeroso sentido da vida; os sentimentos contrários mobilizam, mas desgastam... Quem aprende amar, aprende a se defender com ternura e alegria.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Da síntese

O verdadeiro lance é que eu continuo um grande sonhador, cheio de tarefas para cumprir e ideais de beleza para realizar!

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Do alheamento



Para ver...
e ter...
no alheamento
de mim mesmo

fazendo sentido
sem esconderijo

como tem que ser
entre águas e matas

tão perto daqui.

Oração do dia



Que eu seja livre o suficiente para não fazer sentido.

Que eu tome conta de mim certo de que comigo sempre contarei.

Que eu tenha coragem para dizer não e hombridade para sempre agradecer.

Sabedoria para lidar com a maldade do outro e força para me apartar da minha. 


Discernimento, meu Deus, para escolher as companhias.

E ser como me escolhi para ser ao longo de 44 anos...

Que eu tenha alegria.

Que saiba do meu tamanho neste mundo.

E me comunique sem a ânsia do sucesso

E fora dos exageros de quem se rasga por celebridade.

Eu quero paz e sossegar no colo de alguém

Sem me tornar escravo de ninguém

E sem escravizar a quem eu amo.

De novo: que eu tenha coragem e assim,

Como aqui, eu exerça a minha comunicação

E me proteja da perversidade dos religiosos e dos ateus.

Que o amor que vinga no meu peito me seja norte

E eu tenha hora para concordar e hora para discordar.

Que seja eu inteiro e certeiro para realizar os sonhos

Que me convencem a estar nesta vida.

Entre Deus, Anjos e Orixás

E as Águas da Mãe e do Pai

Que sustentam minha existência.

frida kahlo



algo pra ser que deriva força faz pergunta pinta sol retalha afasta encerra mente chove vibra chora méxico fêmea gay bicho vulva resposta esperma coragem feio dança cursi arde lindo manis frieda novia flapper madonna homem história morre alta vive morte alegria partida kahlo.

domingo, 22 de junho de 2014

Quintais do Brasil de Maria Bethânia



É mês de junho no país que festeja Santo Antônio, São João e São Pedro. País onde nasceu Maria Bethânia, a cantora. Neste mesmo mês em que ela nasceu, e que completa 68 anos, Bethânia nos presenteia com seu mais novo trabalho: o CD Meus Quintais, saindo pela gravadora carioca Biscoito Fino.

Tem que se fazer 49 anos de carreira, não ter medo de ser o que se escolheu ser, manter a coerência artística sem evitar riscos, mas baseando-se nos caminhos estéticos eleitos pelo desejo de expressão, para poder oferecer ao país um CD que desenha a atmosfera da infância, os fundos da casa interiorana, louvando os caboclos, as tradições indígenas reinventadas nesse tempo, mas apagadas dos cenários midiáticos pelas cruéis demandas urbanas.

A mulher aprimorou o canto, à quase perfeição, para brincar com sons e palavras a favor de imagens que devassam a simplicidade, nos mostrando um Brasil positivo que insistimos, por burrice existencial, fingir esquecer porque recupera o indígena na construção desta civilização.

Meus Quintais é um primor em lítero-musicalidade, mas, melhor que isso, é um serviço ao índio, aos caboclos nortistas, com tempero da literatura (traz texto de Clarice Lispector), brincadeira e coragem da artista que se eterniza fazendo, nos últimos trabalhos, uma espécie de antropologia veiculada pela indústria do audiovisual.

A cantora tribaliza o Brasil, arregimenta talentos como Adriana Calcanhotto, Roque Ferreira, Dori Caymmi, Paulo César Pinheiro, para espalhar o que é mais simples e está contido no mais complexo, misturando aspectos de sua infância com a sua atual maturidade, compondo uma narrativa sonora, alicerçada na forma canção, onde o mito e o vivido remontam o sentido de se sentir saudade – a que, no caso da cantora, é a mais legítima: sua falecida mãe, dona Canô.

O disco é um reflexo no espelho: uma senhora de 68 anos, a noticiar os feitos do tempo e a redesenhar ontologias do brasileiro, a caminhar por uma discursiva trajetória que nos aquece de música, de poesia, sem deixar olhares históricos e socioantropológicos de fora.

Marlon Marcos é jornalista e antropólogo   email:  ogunte21@yahoo.com.br

(Publicado no Jornal A Tarde, em 21 de junho de 2014, Opinião, p. 3)

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Não

sono em suspensão
e eu, atoamente, aqui
lavrado em autocarinho
rabiscando não
a favor da arte final.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Para Chico, 70 anos!



Meu doce Chico,
um grande dia de aniversário para você
e a sua música e a sua poesia
ensolarando ainda mais os dias brasileiros
e às noites: a valsinha da emoção
encontrando o amor.

Maio - A perigosa Iara





.Ao cair de todas as tardes, a Yara, que mora no fundo das águas, surge de dentro delas, magnífica. Com flores aquáticas enfeita então os cabelos negros e brinca com os peixinhos de escapole-escapole. Mas no mês de maio ela aparece ao pôr-do-sol para arranjar noivo.

As mães se preocupam com seus filhos varões, sabedoras de que a Yara quer noivos. Mas para os filhos, Yara é a tentação da aventura, pois há rapazes que gostam de perigo.

À medida que a Yara canta, mais inquietos e atraídos ficam os moços, que, no entanto, não ousam se arriscar.

Sim, mas houve um dia um Tapuia sonhador e arrojado. Pensativamente estava pescando e esqueceu-se de que o dia estava acabando e que as águas já se amansavam. Foi quando pensou: acho que estou tendo uma ilusão. Porque a morena Yara, de olhos pretos e faiscantes, erguera-se das águas. O Tapuia teve o medo que todo o mundo tem das sereias arriscadas — largou a canoa e correu a abrigar-se na taba. Mas de que adiantava fugir, se o feitiço da Flor das Águas já o enovelara todo? Lembrava-se do fascínio de seu cantarolar e sofria de saudade. A mãe do Tapuia adivinhara o que acontecia com o filho: examinava-o e via nos seus olhos a marca da fingida sereia.

Enquanto isso, Yara, confiante no seu encanto, esperava que o índio tivesse coragem de casar-se com ela. Pois — ainda nesse mês de florido e perfumado maio — o índio fugiu da taba e de seu povo, entrou de canoa no rio. E ficou esperando de coração trêmulo.

Então — então a Yara veio vindo devagar, devagar, abriu os lábios úmidos e cantou suave a sua vitória, pois já sabia que arrastaria o Tapuia para o fundo do rio.

Os dois mergulharam e advinha-se que houve festa no profundo das águas.

As águas estavam de superfície tranqüila como se nada tivesse acontecido. De tardinha, aparecia a morena das águas a se enfeitar com rosas e jasmins.

Porque um só noivo, ao que parece, não lhe bastava.


Esta história não admite brincadeiras. Que se cuidem certos homens.

CLARICE LISPECTOR

terça-feira, 17 de junho de 2014

Maria Bethânia, 68 anos!



Ela se veste na elegância da sua própria caminhada. Desenha vigor e esperança quando canta e imprime possibilidades estéticas, às vezes, combatendo a ferocidade das críticas que se opõem às escolhas do que ela elege como expressão. É um mito em termos de coerência artística, uma voz para a pura fruição, mas que se qualifica a indicar caminhos culturais, educativos, humanos, que nos respeitam em nossas identificações como brasileiros.

Inventiva: uma senhora menina que faz hoje, dia 18 de junho, 68 anos, numa carreira de quase 50, marcando-se em reiterações e saudando o popular, o sublime escondido, a força negra e indígena que nos perfila como povo em diálogo com outros povos brancos ou quase brancos que chegaram a isso que temos e amamos como Brasil.

Nisso tudo: brota dela poesia, a busca por novas sonoridades, a alma cabocla brasileira, o sertão da lua ao som das violas, a palavra do português mais claro, a vontade de amar, a sede do amor, a paixão pelo palco, a missão de querer estar para simplesmente cantar o que advém do mistério das sereias, no nosso caso, do mistério das Iaras.

Tenho um sonho doce e edificante por ouvir Maria Bethânia nas duas últimas décadas - me pego a ler Sophia de Mello Breyner, Fernando Pessoa, Clarice Lispector, impulsionado pela vazão literária que nunca escapa da verve expressiva da cantora - uma das maiores vozes do mundo contemporâneo - sem vergonha de ser brasileira nascida no interior da Bahia entre o agreste e às águas do Recôncavo.

Uma presença que nos dignifica e humaniza pelos conceitos que opera em nome da sua verdade artística. Uma senhora sem medo da sua imagem de senhora. Simbolizando fé e otimismo em defesa da vida, da água, da folha, da sabedoria, da educação de todos aqui, e mais, como profunda diversão, da inserção da poesia como alimento diário dos corpos e das almas de qualquer brasileiro.

Controle de qualidade - doutora notório saber em teatro, literatura, música popular, antropologia, história e veracidade. Grande!

Um ente que a Bahia deu ao Rio de Janeiro e que, como brasileira, nos orgulha em qualquer lugar deste mundo.

Deus salve Maria Bethânia e mais luz à sua Oyá!