É mês de junho no país que festeja
Santo Antônio, São João e São Pedro. País onde nasceu Maria Bethânia, a
cantora. Neste mesmo mês em que ela nasceu, e que completa 68 anos, Bethânia
nos presenteia com seu mais novo trabalho: o CD Meus Quintais, saindo pela
gravadora carioca Biscoito Fino.
Tem que se fazer 49 anos de carreira,
não ter medo de ser o que se escolheu ser, manter a coerência artística sem
evitar riscos, mas baseando-se nos caminhos estéticos eleitos pelo desejo de
expressão, para poder oferecer ao país um CD que desenha a atmosfera da
infância, os fundos da casa interiorana, louvando os caboclos, as tradições
indígenas reinventadas nesse tempo, mas apagadas dos cenários midiáticos pelas
cruéis demandas urbanas.
A mulher aprimorou o canto, à quase
perfeição, para brincar com sons e palavras a favor de imagens que devassam a
simplicidade, nos mostrando um Brasil positivo que insistimos, por burrice
existencial, fingir esquecer porque recupera o indígena na construção desta
civilização.
Meus Quintais é um primor em
lítero-musicalidade, mas, melhor que isso, é um serviço ao índio, aos caboclos
nortistas, com tempero da literatura (traz texto de Clarice Lispector),
brincadeira e coragem da artista que se eterniza fazendo, nos últimos trabalhos,
uma espécie de antropologia veiculada pela indústria do audiovisual.
A cantora tribaliza o Brasil,
arregimenta talentos como Adriana Calcanhotto, Roque Ferreira, Dori Caymmi,
Paulo César Pinheiro, para espalhar o que é mais simples e está contido no mais
complexo, misturando aspectos de sua infância com a sua atual maturidade, compondo
uma narrativa sonora, alicerçada na forma canção, onde o mito e o vivido
remontam o sentido de se sentir saudade – a que, no caso da cantora, é a mais
legítima: sua falecida mãe, dona Canô.
O disco é um reflexo no espelho:
uma senhora de 68 anos, a noticiar os feitos do tempo e a redesenhar ontologias
do brasileiro, a caminhar por uma discursiva trajetória que nos aquece de
música, de poesia, sem deixar olhares históricos e socioantropológicos de fora.
Marlon Marcos é jornalista e antropólogo email: ogunte21@yahoo.com.br
(Publicado no Jornal A Tarde, em 21 de junho de 2014, Opinião, p. 3)
Um comentário:
Excelente texto! Traduziu o magnífico exercício artístico dessa Rainha que amamos.
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