.Ao cair de
todas as tardes, a Yara, que mora no fundo das águas, surge de dentro delas,
magnífica. Com flores aquáticas enfeita então os cabelos negros e brinca com os
peixinhos de escapole-escapole. Mas no mês de maio ela aparece ao pôr-do-sol
para arranjar noivo.
As mães se
preocupam com seus filhos varões, sabedoras de que a Yara quer noivos. Mas para
os filhos, Yara é a tentação da aventura, pois há rapazes que gostam de perigo.
À medida que
a Yara canta, mais inquietos e atraídos ficam os moços, que, no entanto, não
ousam se arriscar.
Sim, mas
houve um dia um Tapuia sonhador e arrojado. Pensativamente estava pescando e esqueceu-se
de que o dia estava acabando e que as águas já se amansavam. Foi quando pensou:
acho que estou tendo uma ilusão. Porque a morena Yara, de olhos pretos e
faiscantes, erguera-se das águas. O Tapuia teve o medo que todo o mundo tem das
sereias arriscadas — largou a canoa e correu a abrigar-se na taba. Mas de que
adiantava fugir, se o feitiço da Flor das Águas já o enovelara todo?
Lembrava-se do fascínio de seu cantarolar e sofria de saudade. A mãe do Tapuia
adivinhara o que acontecia com o filho: examinava-o e via nos seus olhos a
marca da fingida sereia.
Enquanto
isso, Yara, confiante no seu encanto, esperava que o índio tivesse coragem de
casar-se com ela. Pois — ainda nesse mês de florido e perfumado maio — o índio
fugiu da taba e de seu povo, entrou de canoa no rio. E ficou esperando de
coração trêmulo.
Então —
então a Yara veio vindo devagar, devagar, abriu os lábios úmidos e cantou suave
a sua vitória, pois já sabia que arrastaria o Tapuia para o fundo do rio.
Os dois
mergulharam e advinha-se que houve festa no profundo das águas.
As águas
estavam de superfície tranqüila como se nada tivesse acontecido. De tardinha,
aparecia a morena das águas a se enfeitar com rosas e jasmins.
Porque um só
noivo, ao que parece, não lhe bastava.
Esta
história não admite brincadeiras. Que se cuidem certos homens.
CLARICE LISPECTOR
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