Haveria eu de fazer muitas perguntas
diante das contínuas belezas que traz
o selo carioca Quitanda, dentro da Biscoito
Fino, para a cultura brasileira. Mas, com
o projeto O vento lá fora, com as vozes de
Cleonice Berardinelli e de Maria Bethânia dizendo
poemas de Fernando Pessoa, em imagens
sonoras em preto e branco, me reduzo ao
silêncio contemplativo e a uma espécie de reverência
que se move e aprende através do
delicado resultado que é esta obra dirigida por
Marcio Debellian.
O projeto traz um DVD e um CD que cumprem
a tarefa de recortar a obra do autor à luz
da especialidade acadêmica de D. Cléo (uma
das maiores especialistas em Fernando Pessoa
no mundo) e da récita inconfundível de Bethânia.
O filme nos assenta em nós mesmos:
foi feito para audições individuais, solitárias,
quase secretas. Se há paixão do Brasil por
Pessoa e Bethânia, o Brasil também se apaixonará
pela nonagenária intelectual, imortal
da Academia Brasileira de Letras, Cleonice Berardinelli,
fincada em sua trajetória professoral,
mas artística até a alma e extensivamente
enamorada da poesia que o bardo português
legou ao mundo.
O DVD trata de maestria e de generosidade.
Maestria em Pessoa, em D. Cléo, em Debellian...
Maestria em Bethânia, que se soma à
sua própria generosidade, se emprestando ao
projeto como estrela maior da MPB e que se
faz pequena frente à sabedoria da professora
e, mais ainda, à condição senhorial que os 98
anos da mestra imputam à relação entre as
duas e entre todos os envolvidos na construção
do vídeo.
Mais que aula. O filme é pura poesia em
movimento – lições da fala, da escrita, da dicção,
da inflexão, do silêncio a partir da língua
portuguesa –, absorvendo a quem o assiste pelo
viés da experiência poética, um convite entre
rigor e transe, costurado pela beleza e ventilado
pelas risadas de Bethânia, pelo piano de Bethânia,
pelos cortes de D. Cléo, pelo humor
professoral de D. Cléo e pela edição fílmica
deste encontro. É mimo, como diria D. Cléo...
Um mimo aos ouvintes de Pessoa que entra
assim: “Estou preso ao meu pensamento/ Como
o vento preso ao ar”.
(Publicado no Jornal A Tarde, Caderno Opinião, p.3, em 20/12/2014
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