Ela era o que não sabia e sentia o mundo pelo olhar. Naquele sentido estava o seu vago destino. Haveria coisas demais nas existências alheias e assim, ela esquecia de se perguntar sobre si. Solta pelas ruas e como sempre, anônima: seu único privilégio, caminhar notando sem jamais ser notada, marcada, reconhecida... Uma mulher para muitos mas ninguém a percebia. Não tinha apreço por poesia, literatura só erótica; o melhor em sua vida era caminhar ao som de músicas. Estranhamente: só instrumental. E tinha sede e desejava os homens, ria e chorava quando o assunto era mulheres. Eu sou uma anomalia? O que sigo ou faço para ser igual aquela vestida de verde água? Meu tempo é quando? E nisso, parcamente, se questionava sem perceber o solitário e o inusitado de algumas ideias suas bem menores que suas dúvidas sobre isso de ser mulher e de ser homem. Juntar-se sob a lógica do amor? Não, ela ardia por sexo e vivia do luxo de encontrá-lo das maneiras mais porcas toscas violentas e rápidas e negar o delicado maior que vestia sua vida: ela mesma, solta na rua, de vermelho e incógnita, à procura do prazer ligeiro e desnecessário para sua alma de abnegação. Mas o corpo tinha e queria exercer identidade. Puta, diriam. E ela nua sem vulgaridade gozando numa intensidade jamais vista. Eu sou meio homem, eu tendo para o quê?
Caminhar caminhar caminhar era o passar do seu tempo. O trabalho era a exata obtenção da sobrevivência; lugar de perversidade e adversidade, de tenebroso sofrer. Melhor que aguardar o banho noturno em sua casa, era a expectativa das ruas vazias, suas encruzilhadas, e o que muitas vezes encontrava: homens sem perguntas sem respostas sem sentimentos sem endereços e graças, também sem nomes. Sexo era a sua condição. O oculto que a impelia ao silêncio. Detestava amizades. Uma tia para visitar em finais de semana. E ela faltava sempre que encontrava sua meta em vias públicas. Mulher sofisticada. Assustadoramente calada. Será que sou meio homem? Perguntava fugindo de qualquer resposta. Trabalho, trepo, ando , ouço, vejo, como pouco, visto vermelho, odeio água fria, rios e mares; eu sou uma vaca uma cadela uma égua uma melhor. Sou a melhor mulher do mundo sem temer violência solidão pobreza doença falta de sentido de compromisso de afinidade de família... Sou da espécie gata, felina e não ferina, porque no sexo, a arranhada sou eu.
Odeio espelho e odeio cartas - nunca as recebi. Minha máscara é meu vazio. Não preciso de fingimento e só lamento falta de sexo.
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