quarta-feira, 9 de julho de 2008

Memória e encantamento

Passei meu fim de semana acometido de imagens e sons que remontam o mistério da gente. Foi forte ouvir Virginia Rodrigues cantando magistralmente uma música de Tim Maia em homenagem ao mesmo. Senti o peso dos anos na força da minha memória esmagando os restos de desejos que já se foram. Será que algumas coisas passam mesmo? O que é o inteiro de mim senão todas as experiências exitosas ou não nessa minha caminhada? Acordei comigo olhando um postal de Paris, desejando morar em Paris, reinventar-me pelas ruas daquela cidade e em sua xenofobia, ser-me estrangeiro num lugar estrangeiro e não mais nesta minha amada cidade.
Um outro som: Cássia Eller na trilha de uma novela mostrando Paris. Cássia, relicário do meu amor, tudo que se foi e jamais passará. Aquela música em meus ouvidos de sábado trazendo encantamento e lágrimas, avivamento à memória que me deixa, não me deixa, me deixa... Meus olhos viram Paris num postal, na tela da Globo, e na voz genial desta falta que não cessa: Cássia Eller.
Também assisti: Bubble... Uma tentativa artística de se fazer um manifesto contra as discriminações gerais; histórias de amor gays e héteros em seus desencontros na cidade de Tel Aviv. Uma narrativa que beira o didatismo, mas não deixa de ser forte e comovente: o amor que se implode explodindo; a vida que se esvazia pela nossa incapacidade de convívio e de respeito ao mistério que nos alimenta e à diferença que nos enriquece.
Pensei nos amigos conspirando suas revoluções anticapitalistas; discursando e “lutando” por um mundo melhor do que este. Talvez com menos fome e desemprego. E também pensei: com mais liberdade de expressão, direito à fé em divindades, poesia sem críticas e, deixa pra lá, pois daqui já seria eu atuando e o diferente tem que existir, graças a Deus.
Amanheci mais uma vez para enfrentar uma segunda-feira, que enfrento melhor que domingo, e me esfreguei em poesias de Hilst e Pessoa, ouvindo Cássia Eller, vestindo minha camisa preta com a cara dela e me perdoando das festas dos amigos que não fui para estar mais comigo.
E como um paciente preso a uma errância mental, precisei de Virginia sublime aos meus ouvidos, de Cássia me libertando do medo de lembrar e de Bubble, o filme, para chocar-me de beleza com as possibilidades amorosas entre as pessoas em qualquer lugar do mundo.
Renasci para criar um texto-delação e fazer composição de um final de semana meu, eu sozinho com todos estes, aceso pela ciência antropológica que tento aprender e sem sonho, vivi acordado de memória todo o amor que um dia eu quis oferecer.
Que nenhuma força arranque a poesia de mim, pois mesmo sem ser poeta, me sou a palavra em sua sagração: transbordo do que vivi a recriar. E me quero sempre assim.

Nenhum comentário: