quarta-feira, 16 de julho de 2008

Vozes da memória



Dentre os mais diversos projetos educativos e culturais empreendidos pelo quase centenário terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, fundado em 1910, existe o Ilê Ohun Lailai, que se traduz como Casa das Coisas Antigas e é um museu que funciona como importante instrumento de preservação da memória e de transmissão de conhecimento sobre a herança nagô deixada pela saudosa ialorixá Aninha Obá Biyi.

Projetado pela modelar mãe Stella de Oxóssi, atual sacerdotisa suprema daquela casa, o museu possui um acervo permanente erguido por peças que pertenceram as outras “iyás” que ajudaram na construção do “Afonjá” como um dos mais importantes templos das chamadas religiões de matriz africana no mundo.

Foram elas: mãe Aninha, mãe Bada, mãe Senhora e mãe Ondina, todas responsáveis por uma história de luta e conservação dos ensinamentos ancestrais que orientam a prática religiosa no universo deste candomblé de “nação Ketu”.O Ilê Ohun Lailai está atualmente sobre a coordenação da professora e contadora Célia Silva, que desenvolve projetos pedagógicos a favor da atração de um público externo, direcionado ao segmento infanto-juvenil e discente da Cidade do Salvador, objetivando contar uma parte da história afro-brasileira, desmistificando o candomblé como uma “seita demoníaca”, e educando essa nossa parcela populacional para a prática da tolerância inter-religiosa.
Este memorial sobrevive exclusivamente com recursos da Sociedade Cruz Santa do Axé Opô Afonjá e atende a uma demanda da comunidade negra baiana (e brasileira) localizada nos ditames da Lei Federal 10.639/2003, que obriga a disseminação da história cultural africana e afro-brasileira em nossos currículos escolares.
Aberto a todas as escolas baianas, e ao público em geral, o museu funciona através de um processo de agendamento que ocorre por telefone (71-3384-5229), e juntamente, com a biblioteca e a Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos, perfila a ação educativa que mãe Stella exige para o funcionamento do sistema sociorreligioso desta casa que ela dirige. Segundo a coordenadora Célia Silva, o museu “representa uma oportunidade de se preservar a tradição e a cultura iorubá na Bahia, reafirmando a nossa memória ancestral negra, sem discursar contra nenhuma outra raça, pelo contrário, o museu quer educar para integrar os povos, as pessoas”.


Dentre os vários projetos acionados por sua coordenação, o museu estará realizando nos dias 22 e 23 de setembro, das 9h às 18h, um seminário intitulado Primavera dos Museus, quando será apresentado o espaço “ecomuseológico”, destinado ao replantio e ao cultivo de ervas sagradas do candomblé, feitos pelas crianças da comunidade.Além de preservar a memória material com os pertences e adereços das antigas iyás e dos orixás em geral, este espaço patrimonial ensina suas crianças a cuidarem daquilo que é vital para a existência desta religião: a natureza. Pois como nos ensinam os mais velhos: “Sem folha não há sonho, sem folha não há nada”.
(Publicado no Opinião do A Tarde em 18/09/2007).

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