sexta-feira, 11 de julho de 2008

O pouso da cotovia




Sem pressa. Esta é a grande sensação que o novo filme de Andrucha Waddington, Pedrinha de Aruanda, em cartaz no circuito comercial alternativo de Salvador, que mostra fragmentos do cotidiano da cantora Maria Bethânia, de férias em Santo Amaro-BA, deixa na gente.
Uma narrativa fílmica que desenha instantes de uma diva desacelerada, altiva diante de suas conquistas pessoais e artísticas; momentos quase íntimos de uma mulher no convívio prazeroso com seus familiares, enlevada em sua fé constante, marcada pela imagem da sua própria força e cantando como nunca em seus mais de 40 anos de carreira.
O filme dá uma idéia de como a estrutura familiar, a educação interiorana, musical e poética, serviram de esteio fundamental para a construção da mulher que se tornou uma das maiores referências musicais do cancioneiro brasileiro de todos os tempos.
Um dos mitos contemporâneos deste País, ao lado da sua matriarca Canô, e do não menos importante Caetano Veloso, seu irmão, cantando as canções que marcaram a sua infância e foram trampolim para lançá-la ao horizonte do seu exitoso ofício existencial. Estas são, em síntese, as imagens desfiadas pela câmera de Andrucha, que levou quatro dias para concluir seu projeto de revelar uma Bethânia mais informal para o público cinematográfico do Brasil.
A cantora aparece em imagens singelas, em lugares comuns, menos impostada, sem as conhecidas projeções cênicas que a perfilam como grande artista de palco; mais tranqüila e coloquial, embebida de muita música e de algum álcool, aquecida pela atmosfera de sua cidade natal: Santo Amaro da Purificação.
Vale ressaltar que a película me comoveu como fã que sou, e foi forte vê-la saudando a mãe Oxum na cachoeira da Vitória, seu delicado ritual de fé e entrega, tão incomum em pessoas que alcançam fama e fortuna, ou muito se intelectualizam, tornando-se “imortais” sob a pecha de cientistas e intelectuais.
Bethânia comove também em sua relação de profundo amor com sua mãe. É mágico ouvir dona Canô, na época aos 98 anos, cantando canções da década de quarenta, numa demonstração de memória prodigiosa, rodeada por seus filhos famosos e de outros filhos quase anônimos, sendo mimada pela filha cantora, que a trata com a sacralidade que as mães e os idosos devem ser tratados em qualquer lugar do mundo.
Em uma hora de duração Bethânia se deixa, um pouco, revelar. Acompanhada de seu maestro e fiel escudeiro Jaime Alem, ela vestida à moda das ebomys do candomblé, em uma estação da ferrovia de Santo Amaro, canta uma das mais lindas canções de seu irmão Caetano, Motriz, desenhando a emoção que fala da soberania da presença da sua mãe, do seu pai, de sua cidade, na construção da humanidade dos dois irmãos.
Um filme para fãs que qualquer um pode gostar. Pois se inscreve em raros instantes em que se ver uma cotovia levemente pousando.

Nenhum comentário: