sábado, 14 de maio de 2011

Conversa clariceana






Meu pensamento se distrai ao som da máquina: é um se me acompanha e tenho outras coisas para ouvir. Mas a máquina toma o silêncio, denuncia a falta de paz e desafia a liberdade da qual não abro mão.Continua. Marulha minhas olhadas discretas, pela janela, para o tempo e a desilusão. Cria histórias que me dilaceram e me fazem escrevinhar linhas. Hoje não há sol de dia mas o lustre me guia a sangrar entrelinhas que ninguém escutará. Mesmo batendo contra o silêncio e dominando meu pensamento, as batidas da máquina me salvam. Um movimento de fogo ao vento revelando possibilidades de deixar. O maior luxo em mim é conseguir deixar pra trás, é esquecer.
Tremeluz minha aprendizagem às avessas, meu livro dos desprazeres. O amor sempre clandestino, alinhado à marca hipócrita do impossível, maior que acaso, se fez morada cotidiana em minhas procuras de afeto e companhia. O não-sei- o-quê é o que me define. Me alimento do mistério que há mim. Me queimo nele para sentir a vida. Minha vida recria-se como uma pintura: Água viva. E é o poema mais tátil vital alegre triste inspirador. Prosa poética? O que é isso?
Converso com o som da máquina e sonho ter algumas palavras raras que ela imprime. Sonho ter histórias inventadas, as que não me são confessionais; as tiradas do exterior como " eu é um outro". E sigo. Máquina.
Para além dos dissabores, dos ferimentos, das violências. Fico - numa conversa pausada, mais passivo que ativo, ouvindo a máquina. A máquina domínio de uma mulher que não me deixa fugir de mim.


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