(Foto: Margarida Neide/ Jornal A Tarde)
O vento
De lá, 1965, o grito do carcará; daqui, 2015, o doce entoar
em pronúncias perfeitas sobre etnias indígenas que civilizam o território
nacional. Hoje, o Brasil celebra os 50 anos de carreira da matriarca da canção
brasileira. A senhora franzina que pauta beleza e simplicidade no cenário
cultural deste país. A mulher que ensina com o canto minucias e delicadezas que
estão em nós e, muitas vezes, bem esquecidas.
Hoje a Iara dança desguarnecida, livre, desatenta, em nome da
festa que a canção popular nos traz. E sem vontade de ser destemida. Hoje é um
tempo vermelho dourado da beleza nascida em Santo Amaro, na Bahia, mas que na
forma de raio e pássaro conquistou o Brasil. As águas remontam uma história que
revigora o estar de um mito. Um gênio feminino atirado ao campo artístico, ao
educativo, ao antropológico.
A memória negríssima no poema de Fernando Pessoa, nos
estimulando a ler, nos convidando a ver, nos fazendo agir, nos permitindo
gozar. A memória guarida da palavra eleita para os sonhos que, como fogo, se obriga
a transformar este país. E pra melhor. A história do impossível sonho que rasga
o chão para que brote a rosa vermelha do deserto.
50 anos de esmerada carreira movida à paixão. Do teatro show
Opinião até o centro do nosso Castro Alves, Maria Bethânia é o ouro que faz
amanhecer este país, como se ela fosse a rosa do deserto de Cecília: “Eu vi a
rosa do deserto/ainda de estrelas orvalhada/ era a alvorada”.
A alvorada é Bethânia recomeçando. Frente ao disco Ciclo
dedicando a Seu Zezinho. Ela tocando o chão para saudar mãe Menininha. Ela
reaprendendo Pessoa aos cuidados de dona Cléo.
Ela sendo analisada em um congresso todo seu feito pela Associação Rosa
dos Ventos Bahia. Ela vista menina irmã mulher artista nas narrativas de Mabel.
Ela derretendo-se de saudade de
dona Canô, de Nicinha, de Fauzi Arap. E nunca desistindo.
( Publicado em Opinião do A Tarde, 13 de fevereiro de 2015)
Mais poesia:
Bethânia em dourado vermelho: 50 anos de arte!
Ela é uma voz ordenada a celebrar as belezas que criou.
Acenos para a música em canções que somos nós.
Dicção que formula sonhos e cala nossas agitações.
Mas ela não é e nem pode ser só paz.
É-lhe todo o belo o mais certeiro,
Dança baiana em dourado vermelho
Entre Oxum e Iansã ela rasga como ninguém
O céu quente do Rio de Janeiro.
Quase um canto francês à luz
Deste idioma a se melhorar.
Ela inflama plateias
E o seu voo é de águia
Mesmo que aquática seja
Esta mulher fenda dos ares,
Ela é água: rios e mares...
Sua guerra me assiste
Seu perfume sonoro absorve
Minha percepção
Controla o que ouço
Silencia-me a favor da temperança.
Um Brasil eterno se eleva ali
Na bravura daquele canto
Que eu também quero azul...
A sereia que dança
Lado da mesma criança
Sendo-me a senhora rainha
Que me acolhe no lugar da arte
Onde sempre eu quis existir.
Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário