sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Há 50 anos nascia o canto universal de Maria Bethânia



Um dia, em uma entrevista, ela me disse: “obrigada por gostar do meu trabalho, um simples ofício de cantora popular. E que você se expresse com sensibilidade e inteligência, Deus o abençoe sempre”. Havia ali a presença toda sã de uma das maiores artistas que este país viu nascer e permanecer, falando com alguém que engatinhava, aos 33 anos, buscando a expressão como acadêmico entre a história, o jornalismo e a antropologia, usando como tema de pesquisa o talento fulgurante da cantora em associação às narrativas do orixá Oyá-Iansã.

A partir da pesquisa começada na Faculdade de Comunicação da UFBA, e ainda continuada no Programa de Pós Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, no CEAO, passei a centralizar em mim os exemplos estéticos e intelectuais dados por ela. Tornei-a meu controle de qualidade para as coisas que me atrevo a fazer.

Maria Bethânia Vianna Telles Velloso faz nestes 13 de fevereiro 50 anos de oficializada e luminosa trajetória artística no principal cenário lítero-musical brasileiro. Uma cantora popular nascida na Bahia que ensina ao Brasil a ser brasileiro, que brada ao som da inconfundível voz possibilidades estéticas, saídas políticas, memórias, trajetórias religiosas, convivências étnicas, melhoras sociais. Ou seja, uma voz que escreve belezas e educa a favor de uma plateia nacional que seu talento merece conhecer.

São 50 anos desfiando os lugares mais límpidos da poesia, usando o som e a palavra para expressar a sua dilacerante inteligência que colore o seu comportamento e define a sua arte.  Inteligência e sensibilidade que alicerçam sua caminhada embasada em autodidatismos e a levam a fazer uma espécie de etnoantropologia deste país, que custa a se transformar em um lugar mais humano e igualitário no sentido das questões econômicas.

Bethânia é a beleza que esmigalha opiniões, pois transpõe as favoráveis e as desfavoráveis – a sua força inventiva somada à autopreservação e à vontade missionária por expressão, a conduziram ao posto de artista feminina mais importante do cancioneiro no Brasil. O amadurecimento do seu canto, aos 68 anos de idade, confere a nós brasileiros o privilégio de termos viva uma das maiores cantoras do mundo em atividade. A sua recorrência estética embeleza o mundo com as coisas mais simples e mais necessárias que temos no nosso cotidiano, e que podem nos traduzir identitariamente.

Inexplicavelmente, ela é poesia transfigurada em fêmea, mulher, cantora, brado, projeto, elucidação, silêncio... A artista que gera congressos, que atrai Omara Portuondo, que inspira poetas, desequilibra intelectuais, e melhor, singularmente canta o que se pede pra cantar.

Nota nítida é o estar desta menina que, dos seus quintais, elabora sonhos e paisagens e nos convida a participar. Uma mulher aquática destemida, dona dos ares, brincante, entreposto da emoção que dialoga com a razão de quem sabe ser gente e águia, esta sereia negra da voz matricial da Purificação.

A diva que diz: “ Chegar para agradecer e louvar o ventre que me gerou, o orixá que me tomou, a mão de água e ouro de Oxum que me consagrou”; e sai pelos palcos, clariceanamente, desafiando: “ tropece aonde eu tropecei, e levante-se assim como eu fiz”.

É esta a rosa do deserto de Cecília, a destemida Iara do amado Caetano, a principal discípula de Fauzi, a filha mais exemplar da minha majestade Oyá, o manancial da diversa beleza que trago para dentro da antropologia que faço.

Musa e mestra numa carreira longeva que está sempre recomeçando. 

Marlon Marcos é poeta e pesquisador aficionado da obra de Maria Bethânia.



2 comentários:

Unknown disse...

Como sempre - e em integridade na obra - este texto anima a gente!
Obrigado, Marlon.
Bethânia sabe!

Unknown disse...

Prof. Marlon... o cara dos belos textos! (Eu falei isso pra ele, pessoalmente, quando do II Congresso Sobre o Canto e a Arte de Maria Bethânia, em Salvador).