Marília,
É tão difícil ser neste nosso país.
Aqui, mais que talentosos, temos que exercer a inumana perfeição. Tenho a
clareza das noites de 1982 quando, após a voz de Nana cantando Se queres Saber,
você entrava em cenas sobre amor e dor, ao lado de Claudio Marzo, na série
global Quem ama não mata, e eu acessando ali o seu raro talento... Depois veio
Pixote – a lei do mais fraco, para chegar a Brega e chique e confirmar, em mim,
você como a maior atriz brasileira.
Tive a honra de assistir, no
Teatro, Elas por Ela, Master Class, Mademoiselle Chanel e me maravilhar com o
seu domínio cênico, a destreza da enorme atriz, a beleza da mulher, a mágica
das invenções em cena. Foram muitas outras coisas e em tudo: Marília Pêra!
E assim, banhada em entrega e
grandeza artística, você nos deixou e calou minha voz e bagunçou meus
pensamentos. Metendo medo, em Pé na Cova, com a sua grandiosa Darlene, em tom
de despedida, como Clarice Lispector nos deixando com a sua Macabéa.
Darlene e Macabéa, Macabéa e
Darlene... Marília e Clarice, Clarice e Marília... Meus sonhos rodando no
centro desta aproximação distante que a arte faz e eu choro a sua morte
agradecendo a nossa vida. A sua vida!
Minha atriz, entre tantas outras
maravilhosas como Cleyde Yáconis, Laura Cardoso, Louise Cardoso, Ruth de Souza,
Dina Sfat, Débora Bloch, que me ensinou a gostar de teatro e cinema, já que
televisão eu já adorava...Minha atriz que dançava e cantava com talento e
elegância... A mulher visionária acendendo cenas e iluminando de possibilidades
o breu contextual do Brasil.
Escrevo–lhe, entre lágrimas e
carinho, mais silêncio do que palavras, sem aplausos para não macular seu
descanso. Sua vida foi brilhantemente cumprida e nós calamos frente ao seu
legado e ao que do feminino genial você marcou na história do Brasil. Pensar
cultura, em sintonia com a arte, é eternizar o nome Marília Pêra.
Siga, mas fique, viu? Não quero que
lhe esqueçam e nem quero a fragilidade das homenagens necrófilas... Quero você
vibrante e amoral tocando no âmago da gente que ainda sobrevive. Quero falar da
minha saudade que nunca será maior que a minha grande admiração, meu amor pela
sua arte – Caetano Veloso, outro mestre, dizendo: “Marília é a maior atriz de
cinema do mundo”.
Não sei se do mundo, mas você é a maior atriz de mim.
Beijos!
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