Lá roça a pele o vento da ancestralidade: monumento das razões lusitanas aprimorado pela natureza e pela beleza civilizatória do humano negro. O atabaque chama e a água faz renascer. É como se o harmonioso tivesse que ser e se fosse em nós todo inteiro. O chão pisado pela primordial presença indígena - cantigas das ninfas morenas do Paraguaçú em louvação à negra mãe Iemanjá. Um mundo incrustado de dor e sabor azeitado para além da escravidão. À mesa, a misteriosa maniçoba entre o índio diluído o negro reinventor e o branco que consome. A paisagem como elevação: sol brilhando no âmago do rio que segue; as chuvas que irritam o rio alimentando suas águas; uma gente com sede nos olhos e desejo no corpo; a sabedoria dos velhos e velhas que preservam caminhos para o encantamento; a poesia dos instantes; a Pedra da Baleia - otá maior da poderosa senhora de todas as águas...
O rastro da história que se deve. Expoente arquitetônico ligando para sempre passado e presente, tradição e contemporaneidade. Apesar de que lá o tempo parou nos ciclos mágicos da profunda beleza. Parou na voz de suas mulheres lavadeiras e na cerveja gelada em sua orla e em seus bares; parou na leitura de um livro da sacada de um sobrado com vista para o rio. A cidade é fomento para artistas e agora, encontro constante de intelectuais. Vívida promessa do que sempre foi concretização e ancoradouro dos sonhos mais festeiros. Aziri Tobossi à frente. Humpames Huntoloji e Seja Hundê. Capela de Nossa Senhora da Boa Morte. Nossas negras senhoras da mista mítica fé da saber viver e saber norrer.
Lá tem alívio em agosto e festejo sem par em novembro. Na Ajuda, miragens das primeiras iyaôs. O adjá toca constante; saias bem engomadas em barracões celestes na roda das mulheres comandando nossa religião. As ruas quietas metem medo. O som do sino arrepia e até frio mora lá também. O encantado misturado à dureza do dia a dia;o cotidiano de uma poética da beleza na inconstante possibilidade do sobreviver marcado ali pela força da pobreza. Mas é toda riqueza o estar da cidade na configuração do mundo.
Foi um tempo senhorial e hojé é cartão postal do nosso orgulho. O soteropolitano também nasce naquela cidade que nos arrebata sem nostirar do lugar. Ou melhor, sem nos tirar de lá - onde roça a pele a negra ancestralidade da gente.
Agora temos uma feira literária lá.
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