Zé Celso
Um país não pode ter fim. Não um que tenha José Celso Martinez Corrêa embrenhado nos movimentos do seu Teatro Oficina, sacolejando a caretice, desafiando moralismos, inspirando-se no caos, acendendo luzes e reflexões, alimentando a criatividade e, ao mesmo tempo, se divertindo.
Um dos nomes mais importantes da dramaturgia brasileira, poeta da libertação, José Celso Martinez Corrêa tem um pouco do seu trabalho e vida contados no documentário Evoé – Retrato de um Antropófago, de Tadeu Jungle e Elaine Cesar, da bela série Iconoclássicos, projeto do Itaú Cultural, e ali, fragmentos de uma poética da antropofagia ancestral tupinambá, depois de suas ressignificâncias oswaldianas e tropicalistas, ganham forma no corpo e no discurso do setentão Zé Celso, eterno e jovem encenador, em trânsitos da sua vontade de fazer reinar no Brasil a força do legado mítico dionisíaco amalgamado ao “canibalismo cultural” dos mais conhecidos índios brasileiros, os da família tupiniquim.
Expressiva beleza a nudez transgressora deste controverso artista amante das artes, um típico greco-africano inserido numa narrativa, onde ele é o narrador, que conta parte da história do teatro no Brasil do século XX, desenhando as resistências e as lutas que o Teatro Oficina, criado por Zé Celso, enfrentou para a sua permanência, na cidade de São Paulo, até os tempos atuais.
O documentário é uma ode à imaginação artística e centralizando-se em Zé Celso, centraliza-se no fazer artístico brasileiro, destacando a importância das artes para o livre pensar de um país e de quanto é revolucionário se ter humanos vivendo e fazendo aquilo que amam. Contemplação e arte, em Zé Celso, são puro trabalho.
A antropofagia, o seu sentido de transformação, que tocou na antropologia de nomes como Viveiros de Castro, e que pode ser sentida na canção Um índio, de Caetano Veloso, é o texto fundamental para se compreender as propostas estéticas do Teatro Oficina, ainda comandado por Martinez Corrêa.
O filme é uma pedagogia sobre realização. Reorienta a política, envergonhando os pesadões das economias e a burocracia.
(Publicado no Opinião, Jornal A Tarde, em 27/12/2011)
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