Salvador é retratos de mim mesmo. Eu mergulhado numa insistência
antropológica para me fazer entender nela e a amando de verdade. A cidade onde
mais me sou, mas, às vezes, me dói estar e a vontade é abandoná-la sem retorno.
Tem muita burrice e nos falta o real amor próprio; não isto da tal baianidade,
perdida no ensimesmar-se, que estagna e prende à ideia do que uma dia ( talvez)
fomos e já não sabemos mais.
Hoje amanheci lendo o "olhar estrangeiro" de Ruth
Landes, que tantos depreciam, e me vi naquela cidade dos anos 30 indo a um
terreiro de candomblé... Tanta coisa me significa aqui e tenho saudade no
futuro. Vejo os ataques a Landes escrevendo um livro que é uma das coisas mais
lindas que "nossa" antropologia já produziu, e muitos xingam de
literatura, como se literatura fosse xingamento; e dizem que, no livro, as
palmeiras da cidade a receberam, ela, Landes, batendo palmas. Talvez, no dia da
chegada as palmeiras não tenham batido palmas, mas hoje elas e tantas outras
espécies aplaudem o legado que Landes nos deixou em seu clássico "A cidade
das mulheres".
E Salvador faz 465 anos hoje, e é em Landes que minha
curiosidade antropológica e minha perspectiva poética repousam... Aliviam-se
nessa minha forma doída de gritar para alguns que estão fora dos cercadinhos do
poder: eu te amo!
Agora, as águas da Baía de Todos os Santos batem palmas para
mim...Mergulhado no livro de Ruth Landes, que o machismo, a arrogância, os
olhares enviesados, a inveja dos seus pares naquele tempo, e nos dias atuais
também, quis invalidar.
Salvador em sua lotação feminina, dona deste mar e da população
negro-mestiça mais bonita do mundo... Ora criativa como Caymmi, ora passada
como Bell Marques, Claudia Leitte, Carlismos de antes e de agora...
Aciono o cantar de Gal Costa, ao violão de Gil, na poesia de
Tiganá Santana e saio lendo Ruth Landes em suas fraturas de gênero, como bem
disse Mariza Côrrea, enxergando a força da mulher no candomblé e a forte e
decisiva presença homossexual no cotidiano destas práticas religiosas.
Nesses 465 anos vou evitar música, pois meu lado luz dormiu
ouvindo Maria Bethânia, daí, o além, só no canto meu de Billie Holiday - e
teria que ser ao vivo.
Salve Salvador e este texto vai para
Dorival Caymmi, Ruth Landes, entre os mortos e,
Miriam Rabelo, Bel Melo, Iuri Ramos, Michelle Cirne, Emili
Almeida, entre os vivos.
Acima do bem e do mal, para Maria Bethânia e Caetano Veloso.
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