segunda-feira, 31 de março de 2014

Salvador, 465 anos


Salvador é retratos de mim mesmo. Eu mergulhado numa insistência antropológica para me fazer entender nela e a amando de verdade. A cidade onde mais me sou, mas, às vezes, me dói estar e a vontade é abandoná-la sem retorno. Tem muita burrice e nos falta o real amor próprio; não isto da tal baianidade, perdida no ensimesmar-se, que estagna e prende à ideia do que uma dia ( talvez) fomos e já não sabemos mais.

Hoje amanheci lendo o "olhar estrangeiro" de Ruth Landes, que tantos depreciam, e me vi naquela cidade dos anos 30 indo a um terreiro de candomblé... Tanta coisa me significa aqui e tenho saudade no futuro. Vejo os ataques a Landes escrevendo um livro que é uma das coisas mais lindas que "nossa" antropologia já produziu, e muitos xingam de literatura, como se literatura fosse xingamento; e dizem que, no livro, as palmeiras da cidade a receberam, ela, Landes, batendo palmas. Talvez, no dia da chegada as palmeiras não tenham batido palmas, mas hoje elas e tantas outras espécies aplaudem o legado que Landes nos deixou em seu clássico "A cidade das mulheres".

E Salvador faz 465 anos hoje, e é em Landes que minha curiosidade antropológica e minha perspectiva poética repousam... Aliviam-se nessa minha forma doída de gritar para alguns que estão fora dos cercadinhos do poder: eu te amo!

Agora, as águas da Baía de Todos os Santos batem palmas para mim...Mergulhado no livro de Ruth Landes, que o machismo, a arrogância, os olhares enviesados, a inveja dos seus pares naquele tempo, e nos dias atuais também, quis invalidar.

Salvador em sua lotação feminina, dona deste mar e da população negro-mestiça mais bonita do mundo... Ora criativa como Caymmi, ora passada como Bell Marques, Claudia Leitte, Carlismos de antes e de agora...

Aciono o cantar de Gal Costa, ao violão de Gil, na poesia de Tiganá Santana e saio lendo Ruth Landes em suas fraturas de gênero, como bem disse Mariza Côrrea, enxergando a força da mulher no candomblé e a forte e decisiva presença homossexual no cotidiano destas práticas religiosas.

Nesses 465 anos vou evitar música, pois meu lado luz dormiu ouvindo Maria Bethânia, daí, o além, só no canto meu de Billie Holiday - e teria que ser ao vivo.

Salve Salvador e este texto vai para

Dorival Caymmi, Ruth Landes, entre os mortos e,

Miriam Rabelo, Bel Melo, Iuri Ramos, Michelle Cirne, Emili Almeida, entre os vivos.


Acima do bem e do mal, para Maria Bethânia e Caetano Veloso.

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