domingo, 7 de outubro de 2012

Claudia Cunha: voz íntima da beleza



Salvador anda desértica, pálida, ensimesmada na mesmice. Arrochada demais, criativa de menos. Mas, às vezes, circula, sonoramente, a esperança por nossos ares. Numa noite, 11 de setembro de 2012, no histórico Teatro Vila Velha, às 20h., a voz de uma mulher, inclinada a celebrar a trajetória artística de uma das maiores cantoras do mundo, surgiu como ensinamento para afirmar que ainda podemos ser.

Aconteceu no show Solar. Claudia Cunha, a excelente cantora paraense existindo entre nós, revisitou o repertório de quase 50 anos de Gal Costa, e mostrou à plateia, que superlotou o Vila, a presença de qualidade na música produzida na Bahia atualmente. Foram récitas de canções como Flor do maracujá, Me recuso, Eternamente, Barato total, da safra diversa e modernizante de Gal, cantadas sem saudosismo, sem parcas imitações, sem exageros. O repertório foi brilhantemente executado numa espécie de homenagem que só uma grande artista pode fazer.

Ali, ao se ouvir Claudia Cunha, artista sem o destaque e o reconhecimento merecidos, a sensação foi de intrigação e deleite; a voz que tempera canções, numa afinação de transbordo governando nossa respiração e nos alimentando de ideias.

Foi inexprimível sentir aquele canto, assistir à cantora acompanhada pela excelente banda, numa interpretação arrebatadora da canção Negro amor, versão de Caetano Veloso, que é um dos emblemas potencializadores da voz sublime da Gal Costa, e Claudia a cantou como síntese do seu próprio talento, ali, à disposição da história da eterna Gal.

Claudia Cunha é um ser advindo do mistério das sereias, entre mar e igarapés; seu canto é fonte de luz e nos convida a cuidar de nossa cidade, do nosso convívio, da música que possamos para além dos dias de Carnaval. Uma menina mestra, senhorinha das canções, que tem que assistir a outras claudias dando “lições de canto”, em programas dominicais, só para estender a banalidade que toma conta do mercado musical neste país.

Ouvi-la daqui, frente às águas da nossa baía, geradoras de Dorival Caymmi e Tiganá Santana, é saber que nós podemos muito.
(Publicado no Opinião, p.3, Jornal A Tarde, em 04/10/2012)

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