Iyá Ogunté:
O lugar da mãe guerreira
“A Dona do mundo faz do alcance o seu dizer
Ter água no corpo é merecer”
Tiganá Santana
Iemanjá é a senhora das águas do mundo. Abrigo e gerência de tudo que é vivo, sentido profundo das fragrâncias do feminino no que salta aos olhos e, também, no intraduzível. É a mãe belicosa que arrebenta as marés, debate-se em rochas, empunha o alfanje, socorre e mata, em nome do amor que a orienta. Energia aquática soberana de peixes e sereias, reflexo das donzelas querendo amar nas areias, símbolo da mulher-mãe que comanda seu lar.
Iemanjá é o mito que transborda a essência das águas, desperta a vida, cuida sem parar do infante humano em sua caminhada de abandonos. Ela habita as algas, transmuta-se em polvo, arraia, golfinho; às vezes, é a poderosa baleia; outras, sereia; do mar, no íntimo da água salgada, ela zela poeticamente pela existência potável do que mata a sede e dá vida ao que pode viver no território terrestre.
Ela é a dança do sossego. E a fúria intempestiva dos mares. Espalha oxigênio pelo mundo segurando as cabeças que compõem a humanidade. Qualidades da mulher que adolesce e da que envelhece em contrapartida. Equilíbrio entre beleza e segurança, ela toma conta de tudo que lhe afeta e se ilumina na força que a traduz: os elementos aquáticos.
Escorre dela também doçura. Seus movimentos são lentos e oportunos, ela sabe chegar em sua majestade e marcar sua presença na luminosidade dos seus símbolos. Forte como a pedra do absoluto, translúcida e aderente como suas águas, delírio de pescador, uma senhora do cotidiano e quando mais perigo, ela é o mistério difuso que amedronta e afasta como os oceanos longínquos.
O negro feminino que pariu a Terra nascida da grandeza dos mares. Iemanjá é puro encanto. O que se desliza e atinge; alcance e representação da esperança. Sua energia ocupa qualquer lugar e ela imprime proteção na alma de quem a entende. É quem aglutina gente e desintegra os desertos. Mulher que se abastece nos vestígios de fé que perfumam e enfeitam sua casa e se enfurece com o dessentido da poluição.
Iemanjá baixa nos terreiros no frescor da generosidade e da vaidade que a definem. Destacado alicerce da fé do povo do candomblé e musa sagrada inconteste das ressignificações que deram à sua personalidade divina. Ela é a dona do mundo.
Uma canção divina que nos embala para cuidar-nos. Segredos dos pescadores – Odô Iyá – frente a rios e mares, o pratear do xaréu nas manhãs baianas que alimentam a vida. Mulher de partilhas e abrigo no ventre. O feminino se ordenando – o comando político certeiro para que haja coexistência. A mulher ninando a cria com a mão de poesia na cabeça dos filhos sonhando. A mulher banhando cada sorte, cada caminho.
Iyá Ogunté nesses atalhos do Brasil. Deusa iorubana incrustada no Rio Ogum – avalanche de águas doces e salgadas nessa esfera mítica do humano viver. Deusa negra e original da afro-brasilidade. Seios fartos de leite e procura, divindade condutora da saúde dos pensamentos.
Iemanjá – serena representação no bairro do Rio Vermelho. Aquela mãe de todos nós que inspirou o poeta: “ter água no corpo é merecer”. Erú Iyá.
P.S. - Iyá de mim, Senhora que me ocupa, Mãe da minha proteção, Guardiã dos meus mistérios mais profundos, Dona das minhas sentenças, Voz maior na minha audição, Luminosidade na minha vida, Fonte inspiradora dos meus escritos, Baluarte que me conduz, Insígnia do meu princípio, Alfange que corta a favor de mim, Água que me purifica, Beleza que me anima, Útero que me dá paz, Nome que dobra em meu nome, Encanto das minhas certezas, Âmago da minha fé - Motriz absoluto da minha existência que é nada sem a energia aquática da Sua Presença.
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