terça-feira, 29 de maio de 2012

Oásis de Bethânia


Oásis de Bethânia


POR MARLON MARCOS ( no blog Terra Magazine - 29/05/2012)


Para argumentar, inicialmente, este artigo sobre o novo trabalho fonográfico da cantora Maria Bethânia, Oásis de Bethânia, bastaria dizer que este nasceu da sua ação íntima como artista e pensadora e traduz a sua singularidade. É notável que toda obra da cantora baiana fundamenta-se naquilo que ela é para si mesma, ou seja, no que ela escolhe para dizer e para cantar e é fruto de um esteio estético orientado por sua consciência no mundo, viabilizado pela inteligência privilegiada, enriquecido pelas matrizes culturais das quais ela bebeu como criatura nascida no Recôncavo baiano.

Um disco que aponta uma leve reinvenção sem distanciar-se das principais características que deram vida a personagem Maria Bethânia no cancioneiro brasileiro. Ela canta dez canções escolhidas para comunicar lítero-musicalmente as transformações que ocorreram em sua vida desde os belos trabalhos Tua e Encanteria, lançados em 2009, pela gravadora Biscoito Fino. Para cada canção um arranjador e executor diferente, criando atmosferas mais diversas e acertando na ideia em alterar identidades sonoras antes mais homogêneas com as criações exclusivas do seu maestro (há quase 30 anos) Jaime Alem.

Numa primeira audição o disco pode parecer doído e noturno. Mergulhando mais um pouco, insurge-se contra isso, a luz solar do canto que, ao meio da dor, ainda assim, imprime esperança e bem estar auditivo. Um compósito do amadurecimento e da liberdade que definem os trabalhos feitos por Maria Bethânia, inclinando-se a novidades que não superam suas marcas expressivas e nem adulteram sua personalidade artística.

O violão e arranjos de Lenine, em Velho Francisco, de Chico Buarque, emolduram a força que a cantora deu a esta canção; surge a viola caipira em Fado, do baiano Roque Ferreira, arranjada e executada por Jaime Alem; Jorge Helder é co-criador geral da proposta estética do Oásis de Bethânia, junto com a cantora, e de novo com ela, cria os arranjos para um dos momentos mais líricos e delicados do disco, Casablanca, também de Roque Ferreira. Lágrima, de Cândido das Neves, é arranjada e executada com o primor de Hamilton de Holanda; tem Calmaria de Jota Velloso, adaptada por Bethânia e acompanhada nos berimbaus por Marcelo Costa e Marco Lobo.

Ainda nas canções: Barulho ( Roque ferreira), Calúnia ( Marino Pinto e Paulo Soledane), Salmo ( Rafael Rabelo e Paulo César Pinheiro) trazem respectivamente como arranjadores Maria Bethânia e Jorge Helder, Maurício Carrilho e André Mehmari. E costuram a paixão comum na interpretação da cantora e, ainda, alude a uma das suas inspirações, Dalva de Oliveira, marcada pela canção Calúnia.

A terceira canção do CD, Vive, com uma levada pop, é acompanhada pelo timbre do violão de Djavan, que a escreveu e a arranjou, e mostra ao Brasil, que se é possível tocar no Rádio algo de qualidade, leve, bem cantado e cheio de nuances que revigoram a noção do amor romântico e pode ser chamado de lindo.

Fernando Pessoa, no heterônimo Bernardo Soares, como indicação de Fauzi Arap, aparece em Não sei quantas almas tenho, numa récita que intercala Calmaria e Fado e desenha a inventividade da cantora, sua primorosa lição de intertextualidade, ligando a Bahia a Portugal, tocando fado à luz da viola caipira, juntando a poesia do sobrinho Jota Velloso à do mestre maior lisboeta.

É em Carta de amor, canção de número 9, que Maria Bethânia desfia, com intensidade, a sua grandeza comunicativa na cultura brasileira. De um texto escrito por ela com impressões sobre a sua vida, somando-se a trechos musicais criados brilhantemente por Paulo César Pinheiro, a cantora exorta a sua religiosidade, entre ensinamentos do catolicismo e das religiões de matrizes africanas, singularizando a sua presença no mainstream do nosso cancioneiro, com aspectos fundantes da sua condição sócio-existencial erguida pela junção do lusitano, africano e indígena, num diálogo de universalidade justaposto a isso, no CD Oásis de Bethânia. A canção fala de amor porque exprime fé e certezas que a cantora adquiriu em sua “territorialidade” de mulher pontualmente baiana.

Marlon Marcos é jornalista e antropólogo email: ogunte21@yahoo.com.br

Um comentário:

Mi disse...

só luxo, né?