sábado, 23 de julho de 2011

E permanecem os vitoriosos?


É noite. Uma crudelíssima noite de sábado me empurrando para o-não-sei-o-quê, aquele silêncio que evita perguntas e respostas para que a gente transcenda sem enlouquecer. É noite e um corvo na minha janela, o Cão-Cão da infância, bicando a dor no pensamento. Deveras, com calma, a gente precisa morrer. É noite em minhas vestes brancas e os sonhos escapuliram para dentro da cristaleira. Meu sorriso reflete a solidão dos bêbados, a agonia dos apaixonados, o desespero dos não talentosos, os indecisos, os ávidos por tudo, o vivo sem  sentido...
Hoje é noite e confusão, e essa vasta onda de sobreviventes, e minha pergunta sobre tratados trabalhos sucesso? Onde ir que não seja bar? O corvo bicando minha dor no corpo e o talento morto da cantora pra sempre. Hoje é pra sempre num disco que toca a favor do meu amor e o tempo chora. Soa o inaudível. O querer nos olhos que escrevem por mim. A alma que não há na mulher no lugar de Deus. Soa, como perto do mar, um sax. É Deus falando pra mim. É o abismo do anseio em busca do sucesso. A linha rompida da eterna união. O disco rodando e esse fastio, essa resseca, essa praga, esse castigo. Quase experiência de morte. A morte como salvação.
É hoje  mais um afinado desalinho: o peso desmedido da vida e a gente, sem ter como, continuando... Uma canção para ter meu amor aqui; para de lá, fora do meu alcance poético, mais idêntico desespero e vontade de transgressão, cantar a despedida que é encontro.
Pego flores, e daqui do pensamento, as lanço ao mar. Nado sobre elas para ter beleza leveza esperança... nunca poderá ser diferente, eu sei... nunca ocorrerá o alívio contínuo... nunca só sol brisa mar azul amor abraço sorriso... nunca a dádiva sempre e o presente dos céus todo dia...
Mas em mim, sempre haverá amor e fé! E suportarei, até o fim, os vitoriosos da acusação.

5 comentários:

Guellwaar Adún disse...

A Amy é daquele tipo de alma desgarrada que sempre me motiva momentos de dor, sabia? É penoso observar a vida sendo tragada, de maneira tão absurda, e não precisar recorrer aos búzios ou outro oráculo para saber o desfecho. O mesmo não podemos dizer dos 'Cão-Cão' que permeiam nossas vidas desde a infância até os dias atuais.

Ao ver Marlon citar a figura do 'Cão-Cão', como categoria tenebrosa, agourenta e sorrateira, não pude deixar de associar, quase que onomatopeicamente, à imagem de um dos imperadores mais cruéis e nefastos da história da China, o 'Cáo Cão', ao nosso longevo e desnecessário Sarney.

Mas na verdade poderia ser qualquer criatura que mantenha cidades tão amorfas, tão sem vida, sem brilho quanto a nossa Salvador dos dias atuais... O maribondo de fogo, o Cão-Cão nesse caso seria aquele personagem, direta ou indiretamente, responsável pela necrofilia que se abate sob o fazer cultural no Brasil, especialmente em Salvador.

Amy, assim como Cassia Eller, Cazuza, Elis Regina, Hendrix, e tantos/as outros/as, além de terem atravessado a vida de forma sofrida e doída, o fizeram de maneira muito rápida, intensa, densa. Esse tipo breve de andarilho, sim, me parece necessário para dar sentido a vida, para dar um rumo diferente, chacoalhando o status quo daquilo que é externo e daquilo que nos é de mais interno, mais íntimo, mais particular.

Quanto a turma que nos assombra e mantém a cidade de Salvador no estado que se encontra, ah, essa turma mantém seu sopro de vida, seguindo o script da mesma forma que qualquer vampiro o faz – parecem eternos.

Elô Maranhão disse...

li seu texto para além da morte de amy, e me espantei com os comentários... o que prova que vc está certíssimo, a mediocridade grassa, afe, que merda! ningupem merece um mundo desses. amy se livrou, mas deixou um buraco imenso.

anaholmes disse...

Amy, a ti, por nós ...Leve nosso pedido de socorro por nossa sociedade passada à ferro, sem cheiro , sem calor, sem vergonha da mesmice...Ana Holmes- Recife

Cristina disse...

Seu texto: "Além da morte de Amy" está maravilhoso. Parabéns.

Amanda Vargas disse...

Belissimo texto!!! Parabéns de verdade.