sábado, 1 de novembro de 2008

Impressões da grandeza

Virgínia Rodrigues

Sempre muito atento à cultura brasileira, Caetano Veloso, em 1997, assistindo Bye Bye Pelô, espetáculo do Bando de Teatro Olodum, dirigido por Márcio Meireles, descobriu o canto de nobreza de Virgínia Rodrigues. E daí, o Brasil e o mundo conheceram a expressão artística de uma ex-manicure dotada de reluzente talento que se tornaria uma das nossas melhores cantoras na contemporaneidade.

Ouvir Virgínia cantar é compreender que muitas coisas nascem para dar certo. E vencem os descaminhos que injustiças sociais promovem em nossas vidas. Sem muita escolaridade, ocupando o centro das discriminações que mais vigoram entre nós, ela, negra, mulher, pobre, gorda, é uma cantora sublime, exemplar raro da herança musical legada pelos negros africanos e veículo de belezas intraduzíveis que só a arte saída do grande talento pode expressar.

A sua voz camerística, imprimindo uma tonalidade erudita, ensina com maestria, como se pode cantar o popular de outras formas e sem subestimá-lo. Virgínia é um marco na nossa canção, e vem trilhando uma carreira pautada em trabalhos consistentes, conceituais, maduros; vem confirmando-se como uma das grandes divas da música no Brasil, sem muita visibilidade, sem os estrondos midiáticos dedicados às quase-dançarinas como Claudia Leite, longe de representarem, de verdade, a força das cantoras que em gerações diferentes iluminaram o nosso país: Carmem Miranda, Aracy de Almeida, Dalva de Oliveira, Elizete Cardoso, Maysa, Nora Ney, Alaíde Costa, Elza Soares, Silvinha Telles, Ângela Maria, Nana Caymmi, Clara Nunes, Cássia Eller, Marisa Monte, Jussara Silveira, Adriana Calcanhotto, Ná Ozetti, Rosa Passos, Marina Lima, Rita Lee, Daniela Mercury; citando também as que sintetizam em grandeza todas essas: Maria Bethânia, Gal Costa e Elis Regina, as maiores de todos os tempos.

Alcançar o canto de Virgínia é tomar contato com outras possibilidades musicais nossas, navegando um repertório que começa com releituras da Axé music, passa por Caetano Veloso, por Chico Buarque, apresenta novos talentos como Tiganá Santana, e pousa no centro da musicalidade audível em qualquer lugar no mundo. Assim como Jussara Silveira, Virgínia é outra baiana do mundo. E é matriz de uma singularidade real, sua presença é única e sua voz alimento promotor de elevação no meio popular da humanidade.

Seu novo disco, Recomeço, lançado recentemente pela Biscoito Fino, prima como sempre, pela beleza das interpretações e pela nobreza do repertório, com destaque para Todo Sentimento, de Chico Buarque e Cristóvão Bastos, que a acompanha ao piano, Beatriz, a difícil canção de Edu Lobo e Chico Buarque, Estrada Branca, de Tom Jobim, Alma, de Sueli Costa e Abel Silva, e a imortal de Dolores Duran, A noite de meu bem. Será lançado aqui em Salvador, na Sala Principal do Teatro Castro Alves, dia 13 de novembro, às 21h., em única apresentação. Imperdível.

(Publicado no Opinião do A Tarde em 01 de novembro de 2008)


2 comentários:

Ari disse...

Esse show aí eu faço mais questão de assistir do que o de JG. Assinaria esse texto, não somente pelas considerações, como também pela beleza de construção literária.
Em tempo: incluiria Zizi Possi e excluiria Daniela Mercury.

Marlon Marcos disse...

É faltou Zizi e Angela Ro Ro, não sei porque as deixei de fora. Daniela eu ratifico. Obrigado pela visita,viu? E pelas belas considerações.