Caetano Veloso: 70 anos
entre cores e nomes
Marlon Marcos
Jornalista e antropólogo
Eu cresci apreendendo o Brasil a partir da obra
lítero-musical dele. Respirava suas radicalizações comportamentais mudando
esteticamente este país; navegava as possibilidades coexistenciais das
diferenças apontadas por ele; assistia a beleza do negro que ele exprimia das
suas canções, cantando, às vezes, com a boca pintada de batom rosa, de camiseta
dourada à moda feminina, ora uma conta de Odé, ora uma de Oxum; a poesia que
vinha da Bahia revitalizava-se ali: na voz do cantor.
Toda vez que precisava de uma epígrafe para uma prova, ou
para reforçar um pensamento, ou falar de amor, mostrar profundidade, alcançava:
“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, “Botei todos os meus fracassos
nas paradas do sucesso”, “Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia
ser tudo o que quer”. E era esperança o que eu mais via na música do
santo-amarense Caetano Emanuel Vianna Telles Velloso, nascido à luz do signo de
Leão, no dia 07 de agosto de 1942.
O Brasil deve muito à inquietação e à criatividade deste
homem. Eu devo meu fascínio pela Música Popular Brasileira, pela força da
palavra como poesia, pela perda ( ainda que relativa) do medo de ser o que eu
tinha que ser nesta vida. O gênio deste homem aflorou em mim o desejo de
conhecer, já que suas canções me eram aulas sobre arte, sócio-antropologias, história,
literatura, sobre sexo e prazer. Sua voz me adormecia e despertava, eu me sabia
inteligente porque desde os 8 ou 10 anos eu gostava de Caetano Veloso.
Uma trajetória artística que sempre arejou e entregou coragem
ao povo brasileiro. Traços do absoluto na palavra como domínio da linguagem
poética inclinada a canções. O homem mensageiro do novo, insatisfeito,
delicado, paradoxal, imerso ou emerso das infinitas possibilidades
comunicacionais que marcam sua presença entre os séculos XX e XXI no mundo,
singrando a própria angústia que muitas vezes fez o gênio fortemente derrapar.
Mas ele está a salvo do alto dos seus 70 anos, jovialíssimo,
apesar de triste, alicerçado num conjunto criativo frente ao qual eu me
deslumbro. Não é só o compositor que faz dele inexcedível poeta, é também o
cantor, em sua voz burilada pelo tempo que tornou o canto dele, entre os
homens, o mais bonito do Brasil.
Às vezes, ele parece em desespero e desarrumado, desarruma
existencialmente aqueles que prestam atenção em sua arte; compõe Recanto escuro e põe na voz sublime de
Gal. Machuca a audição de um país que dói na beleza, mas avisa: estamos vivos
aqui e lá. Ama Salvador do epicentro dos artistas endinheirados do Brasil: o
Leblon, no Rio de Janeiro. Rompe com a crença no divino; patrulha as normas
cultas nas quais ele acredita como baluarte da língua e chama metade dos brasileiros
de analfabeta e burra. Insiste numa iconoclastia que não traduz o cidadão que
valida a arte do Psirico, e segue jovem cantando ao lado de Maria Gadú, sem
conhecer o canto de Claudia Cunha, Stella Maris, Ana Paula Albuquerque, Carlos
Barros; sem fazer referência ao talento múltiplo e universal de Tiganá Santana.
Este é o mano Caetano que, em profunda verdade, eu amo.
Amo entoando a melodia de Trem
das cores, sendo-me na intensa doçura daquela canção instaurando o tempo
irreal da felicidade e que, nela, a gente obtém chorando. Amo nas cenas de Fellini
que ele me convidou a assistir, no impacto de O estrangeiro sobre mim, em muitos escritos nos jornais, na
representação do baiano universal. Nas canções (minhas melhores lições) também
iluminadas na voz da enorme Maria Bethânia, sua irmã.
Entre tantas cores, ligado a tantos nomes, Caetano que é
verbo como grafou Djavan, faz 70 anos para a Bahia lhe agradecer e pedir aos
Orixás que tome conta deste filho que é deles e sempre será um dos maiores
mestres da verve cultural deste país. Em todos os tempos.
(Publicado no blog do Terra Magazine - Portal Terra - em 07/08/2012)
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