Muitos encantos erguidos pelos negros de Salvador perduram na
expressão religiosa de muitos terreiros de candomblé que iluminam esta cidade e
preservam amálgamas culturais que a
história nos deu. Todos os anos, o Terreiro Tumbenci, fundado em 1937, e comandado
hoje por Mãe Zulmira, no dia 26 de julho, dia católico de Santana, a mãe de
Maria, que é sincretizada com a Senhora dos lamaçais, a grande avó do
candomblé, Nanã, leva presentes consagrados a este orixá que comanda a vida e a
morte, sendo a consorte maior dos mistérios da fé que orientam aquele terreiro.
No findar da tarde, ao som suave dos atabaques, e de cânticos
que exaltam Nanã, flores, perfumes, joias, bilhetes, enfeites, iguarias
alimentícias e amor singram e mergulham nas águas sagradas do Dique do Tororó.
Uma tradição que já dura décadas e que derrama beleza, sutileza e esperança
sobre todos os que acompanham este ritual de fé.
Mãe Zulmira se traduz nos arquétipos de Nanã e representa para
o povo de santo de nação congo-angola, jeje e ketu um símbolo vivo de resistência
e força em nome das religiões de matrizes africanas na cidade da Bahia. Aos 78
anos de idade, 61 anos como sacerdotisa, ela ensina o cuidado e a perseverança
que se deve ter na prática do candomblé, encontrando-se, em seu exemplo, com
outros baluartes religiosos baianos como D. Timóteo Anastácio, o saudoso abade
do São Bento, ou o importante Agenor Miranda, saudoso babalaô e signo da
sabedoria do Ifá entre nós.
Nessa tarde, no Dique do Tororó, a Bahia fundada sob a égide
das civilizações negras que se misturaram aos portugueses e tupinambás, matriz
sociantropológica da ideia de Brasil,
revive-se na plenitude da sua vocação popular e entrecruza sentidos religiosos
que espelham a Iyá Zulmira reverenciando sua mãe Nanã. O objetivo é atingi-la
na lama que habita o fundo do Dique, tocá-la com os elementos sacerdotais que
configuram o seu culto, e se permitir, em mentalizações da fé, ao bem estar e à
prosperidade que o povo baiano tanto precisa quando a política só tem trazido
desgoverno e atraso. Saluba, grande Zumbá!
Marlon Marcos é jornalista e antropólogo email: ogunte21@yahoo.com.br
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