terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A escritura de uma iyalorixá

Iyá Odé Kaiodê
Como ponto de partida, se faz mais que necessário salientar os avanços sociais dos negros no Brasil, principalmente na chamada “era Lula”, quando, entre outras conquistas, desmazelos históricos contra a negrada brasileira começaram a ser reparados via política de cotas no ensino superior e a criação de leis para nortearem os novos conteúdos e as novas formas de se contar a história negro-indígena entre nós.

O sentido deste artigo é explanar, dentro do espaço aqui estabelecido, sobre a possibilidade de a Bahia ter em sua Academia de Letras a presença insigne da mais representativa iyalorixá da nação jeje-nagô no Brasil: D. Maria Stella de Azevedo Santos, mãe Stella de Oxóssi, consagrada como Odé Kaiodê, que desde o ano de 1976 governa com maestria o Ilê Axé Opô Afonjá, fundado em 1910 por Aninha Obá Biyi.

Mãe Stella acumula em sua trajetória importantes publicações que versam sobre a sua religião, o candomblé. Seu livro mais famoso é Meu tempo é agora, lançado em 1994, e corresponde a um substancial legado, registrado graficamente, sobre os ensinamentos erguidos na “educação de Axé do Afonjá” que prescreve as lições deixadas por mãe Aninha e por Obá Saniá, nos idos anos da fundação deste terreiro.

O início deste artigo traz algumas vitórias das organizações negras brasileiras, e, para reforçálas, tivemos no ano de 2005 a concessão do título de Doutora Honoris Causa a iyá Stella, pela conservadora Universidade Federal da Bahia, numa iniciativa do Instituto de Letras, na figura do professor e ativista cultural Ildásio Tavares.

Temos, então, esta iyalorixá como dona de um saber reconhecido pela mais importante universidade nordestina, que nos serve com sua seriedade, disciplina, e certa sisudez, como baluarte preciso para a defesa contra os desmandos sobre a religião dos orixás.
A ação político-educativa desta atual matriarca do Afonjá pode ser comprovada em seus projetos dentro da sua comunidade: a Escola Municipal Eugenia Anna dos Santos, que educa crianças do ensino fundamental; Museu Ilê Ohun Lailai, a Casa das Coisas Antigas, que guarda a história das iyás do terreiro ao longo da sua existência; a Casa dos Alacás, dedicada a fazer peças em tecidos do culto aos orixás. Em relação ao memorial do Afonjá, Maria Célia da Silva, coordenadora do mesmo, afirma: “Aqui no museu a gente sente a preocupação de mãe Stella com a preservação da memória da tradição dos orixás deixada pelos nagôs; ela é uma memorialista, ela luta para que esse saber seja registrado na escrita e o tempo não o apague”.

D. Stella é uma amante das letras, culta, fruidora da cultura universal, sabedora voraz da tradição das artes africanas e afro-brasileiras, viajada, e poderá, em 2009, ocupar a cadeira deixada antes por Jorge Amado e depois por sua amada Zélia Gattai, ambos ligados ao Afonjá.

Assim: teremos a escritura de uma iyalorixá nos representando.
(Publicado no Opinião do A Tarde em 06 de janeiro de 2009).





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