sábado, 23 de outubro de 2010

Dilma e quem a referenda

Chico Buarque


Dilma 13

Eu quero continuar a ter um pouco de sentido vivendo no Brasil. Bastou-me viver expurgando minhas dores sociais só na grandeza de muitos segmentos artísticos produzidos, com muita honra pra mim, neste País. Já acreditei em projetos revolucionários que nos trouxessem uma coexistência respeitosa onde além de morar, comer, ter assistência médica e segurança, ter acesso real ao que seria por nós produzidos, pudéssemos amar com liberdade e diferença, exercer a fé religiosa, compreender do ponto de vista estatal nossa complexidade humana, sonhar e ser fruto desses sonhos. Também, é claro, me desgasto nessa ordem capitalista em seus exageros de consumo e individualismos; só me acostumei às lutas de quem tem urgência; de quem existencialmente precisa fazer do agora caminhos coletivos para de verdade alcançar futuros... Acostumei-me a desenhar a necessidade de cotas para negros, da expansão do ensino público de qualidade, da qualificação profissional dos indivíduos, das liberdades criativas e sexuais, do livre exercício da fé sem ser ridicularizada por esquerdas e direitas pensantes e materialistas, da união civil entre homossexuais, da valorização de culturas fundantes no Brasil( negros, indígenas e mestiços) que sempre foram socialmente minorizadas e secundarizadas a favor das heranças culturais e civilizatórias dos europeus e seus descendentes, ainda hegemônicos no mundo Ocidental contemporâneo...
Em contraponto, abomino os que querem fazer revolução com a fome e a miséria alheia; os que querem intensificar as crises para com elas instaurar "revoluções" e do lugar de alimentados, instruídos, iluminados, viajados e, bem servidos na conjuntura atual, marchar contra o diferente, negar também a complexidade humana, matar o destoante, o dissonante, o assustador acima, o poeta e o travesti.
Não quero as respostas fantasmagóricas de nomes como José Serra e nem quero existir no limbo produzido por esses proponentes esquerdistas de um mundo melhor.
Quereria a esquerda da esquerda, tipo Jesus Cristo e Mahatma Gandhy, onde houvesse espaço para a grande poesia de Caetano Veloso e a sua burrice política atual; algum estar onde a gente não se reatroalimentasse de nossas próprias destruições. Um lugar de ideias, devidos conflitos, problematizações mas respeito pela vida humana em seus perfis de riqueza por conta da diferença.
Queria tão longe quanto o íntimo da poesia de Ana Cristina César e uma tarde romântica como uma cena de um filme hollywoodiano... Queria a prosperidade de conviver com alguém heterossexual que é ateu e bendiz o beijo sexual entre dois homens e se comove com o excesso de fé religiosa de outrem.
A vontade é me perder nos meus desejos, mas não é isso que venho fazer...
Faço minha ação afirmativa em declarar meu voto em Dilma Rousseff e em dizer que me enjoa saber da possibilidade do outro candidato e entendo a necessidade do pleito. Afirmo, entre trancos e barrancos, ao meio de todos os riscos e negações, a minha satisfação por ter sido governado por Luís Inácio Lula da Silva - mesmo que os ideólogos de direita e de esquerda não queiram -, o melhor presidente do Brasil em toda história republicana deste País.
E como meu sentido verdadeiro existencial é outro, gostaria de sussurrar a alegria de me inspirar na integridade artística e social de Chico Buarque que espraia beleza por entre nós. E bem ingenuamente, ratificar: as pessoas do meu mundo abraçam árvores e amam pessoas, têm a força das águias e a doçura dos golfinhos, falam com Deus e com as pedras e ganham tempo sendo Natureza, nosso líder mestre presidente é Leonardo Boff.
E Leonardo Boff vota em Dilma Rousseff.

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