domingo, 12 de abril de 2009

Das lições de Batatinha

Mestre Batata

“Todo mundo vai ao circo/ menos eu, menos eu/ Como pagar ingresso se eu não tenho nada/Fico de fora escutando a gargalhada”. Esses versos são de um dos maiores poetas da música do Brasil no séc. XX: Batatinha. O circo é um manifesto; de modo simples, sem muitas elaborações, ela, a canção, perfila o teor de exclusão social vivida pelos humanos negros e pobres na Bahia dos anos 40, 50, 60 e 70. É uma obra prima. E eu não estou pedindo o tombamento da canjica.

Agora é tempo de relembrar a importância histórica do compositor da dor no cancioneiro brasileiro; a pouco mais das 18h., do dia 22 de março, no Unibanco Glauber Rocha, foi lançado o excelente longa “Batatinha – O Poeta do Samba”, de Marcelo Rabello, que verteu lágrimas dos olhos de quem viu a sua projeção.
O documentário recupera, em belas imagens, a trajetória e a ambiência vivida por Oscar da Penha, em sua Cidade da Bahia, que tanto lhe deve por sua grandeza artística, e que poucos conhecem e reconhecem; o homem de versos primorosos e tristes tornados “canções de carnaval”. Como linguagem, o documentário não é inovador; lembra o já feito sobre outro grande sambista, o carioca Cartola; busca uma narrativa meio sociológica, passeando pelo nosso empobrecido Centro Histórico. Mas, com maestria, capta a poesia da obra de Batatinha desfiada nos lugares mais freqüentes em que o mestre viveu. E amigos, parceiros, filhos têm voz para falar sobre a estrela maior deste filme.

É isso: o grande mérito de Rabello, como diretor e roteirista, é ter feito Batatinha a estrela maior de seu próprio documentário. Ele evitou entrevistas e depoimentos com nomes nacionais da música brasileira, que divulgaram o nome de Batata; conseguiu assim, relatos comoventes da gente que viveu o tempo todo com ele e que endossam o seu talento submetido ao provincianismo da Salvador de outrora.

Conheci Batatinha via Caetano Veloso, em Hora da Razão, e Maria Bethânia, em Diplomacia. Sou fascinado pelo CD Diplomacia, produzido por Jota Velloso e Paquito, em 1998; ali tem Bethânia sublime em Bolero e Jussara eterniza Ironia, esta de Batatinha com Ederaldo Gentil. Aliás, a cena mais forte deste documentário é a que traz Ederaldo sem mostrar o rosto, chorando, tendo suas palavras, sobre o mestre morto, lidas por sua irmã, e Vera da Penha, filha de Batata, o consola e cantarola outra obra prima do samba brasileiro: Ironia.

Ah! Bahia do carnaval dos brancos da “Orla”. Por que não criam uma Fundação Batatinha e ajudam na reforma do bar Toalha da Saudade, referencial que pulula a memória do nosso poeta. Toalha, onde no início dos anos 90 eu bebia cerveja e comemorava meus aniversários. Toalha, onde ainda hoje, eu bebo, ouço samba, e converso com Vavá, filho do mestre.

(Publicado no Opinião do A Tarde em 09 de abril de 2009)

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