sábado, 25 de abril de 2009

A moça do sonho

Maria

Súbito me encantou
A moça em contra luz
Arrisquei perguntar: quem és?
Mas fraquejou a voz
Sem jeito eu lhe pegava as mãos
Como quem desatasse um nó
Soprei seu rosto sem pensar
E o rosto se desfez em pó
E corri contra luz para ver de olhos fechados com a força de quem tenta abrir o sorriso alheio. Eu vi a dama do mistério me dizendo que a vida não acaba aqui. Olhei para dentro dela com o poder das adorações e fui poeta flutuando sobre a imagem que não me tinha e nem eu pertencia a ela. O lado de fora fazia silêncio para que a mensagem ultrapassasse a fronteira do sonho. E escorri...
Há de haver algum lugar
Um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais
E a vida não
Por ali reinaria meu bem
Com seus risos, seus ais, sua tez
E uma cama onde à noite
Sonhasse comigo
Talvez
Para dentro do centro da morada da musa: espirais vertigens azuis sons medo repetições melhoras buscas sílfides cruz contas rendas seda flores sol harpa luva chuva mão águia água terra fogo nada céu vermelho branco corpo sexo rio alma palavras mar voz. Lá estava ela se olhando perdida em criações. Asas violentas era a minha imaginação: eu nela sem tocá-la; notas de sua nova emissão, pessoa desintegrada, pura canção...
Por encanto voltou
Cantando à meia voz
Súbito perguntei: quem és?
Mas oscilou a luz
Fugia devagar de mim
E quando a segurei, gemeu
O seu vestido se partiu
E o rosto já não era o seu
Límpida forma da plateia que espreita o seu. Ali, contudo, o eu mergulhado na voz em ressonância, espécie de dança sem corpo em movimento; era o eu na espreita sonora da musa cantando a concórdia do som e da palavra - e o que ele via era seu num tempo que ninguém sabia... A musa respingando rostos compartilhando beleza. Tráfego do mistério, o chão daquela natureza de fogo. Semente aquática configurada na inspiração. Míticos contrapontos, oquidão minha uma linha no sonho...
Um lugar deve existir
Uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar
Entre escadas que fogem dos pés
E relógios que rodam pra trás
Se eu pudesse encontrar meu amor
Não voltava
Jamais
E a vida girando em torno de um nome que a voz do rosto da moça no sonho não faz esquecer... E batalhões de sentidos descritos no signo das canções. Ela me repetindo o que eu vivo a dizer. Meu sonho labiríntico; colunas que não sustentam; mapas que se rasgam; bússolas que escapam; o desejo de não ficar; o vazio do se não for; o silêncio do que nunca foi; uma vida só não basta; a quentura da cama; o medo do sim. O drama da moça desenhando meu sonho; o meu pedido na voz daquela musa, a moça, dentro do meu sonho.
Minha outra certeza: não quero nunca despertar dela. Ela que é a minha inspiração e marca de paixão o nome do qual não sei me perder.
P.S.: A moça do sonho, de Chico Buarque e Edu Lobo; encenada em música e letra , por ela, Maria Bethânia - manancial dos meus melhores sonhos.

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