domingo, 5 de abril de 2009

Eterna Cássia

Eller

Em cena ela era altamente revolucionária, agressiva até. Trazia sua chama de provocação e foi, aos poucos, conquistando os "nerdes" desta nossa reacionária classe média formadora de opinião e consumidora de produtos culturais. Cássia, ao vivo e em cores, era dulcíssima e generosa. Uma mulher que eu queria ser. Alguém que, da sua simplicidade, comunicou a nós todos raridades. Cantora absoluta, inovadora e marcante pelas peculiaridades que faziam dela um fenômeno de conquista estética e consolidação no mercado musical brasileiro. Ela não foi só uma intérprete da cena alternativa; ela dominou, do seu jeito, a música no Brasil dos últimos anos, chegando perto das "monstras" sagradas que a antecederam...Chegando perto de Maria Bethânia em traços de criatividade estética e beleza artística. Como estaria nossa música se Cássia estivesse viva? Seria ela, de verdade, hoje, a maior cantora brasileira de todos os tempos? Não quero endossar os mitos. Eu já tenho o meu e se chama Maria Bethânia - a minha tradução inteira e, pra mim, a melhor atemporalmente. Mas Cássia me despertava amor. Vontade de ser. Coragem de ser. E eu não tinha vergonha de amar ninguém e lutar por esse alguém do jeito que o coração pedia. Hoje até envelheci e fico vermelho perante minhas loucuras muito inaceitáveis. Saudade desta menina-macho. Homem-mulher que pariu e se entregou à sua vida. Morreu tão jovem, com a idade que tenho agora, pronta a fazer lindezas...Eu da idade dela, tão velho e pouco criativo, estancado, esmagado pela rotina do trabalho; sem os arroubos adolescentes que fazem da vida da gente uma eternidade...Cássia, ao terminar este texto que me devassa dentro do vazio destes dias, eu choro; não por você - intensa vontade de viver e fazer, mas por mim, cada vez mais comum em busca de coisas que nunca me foram reais - nunca acreditei na vida real e tenho sido obrigado a isso...Todos ao meu lado são isso...Nem basta posso mais dar.
Você era meu signo de transgressão...Cantou o relicário do amor que mais amei e passou e até isso acabou; cantou as coisas mais lindas em nome da Ilha de Lesbos, sendo uma Safo mais antenada e mais democrática e mais amante e mais aglutinadora. Faltou sua voz com a de Bethânia - iluminando aquilo de mim que eu chamo de maior felicidade.
Eterna compilação de muitos sonhos que tive, tenho e ainda terei...Você nunca me foi morte e sim um Sim ao contínuo nascimento. Primavera. Tenho saudades da sua presença como descreveu nossa Clarice. Tenho. Trabalho. E escrevo para publicar essas coisinhas e me vingar deste mundo bundão que não sabe porque mata e pelo que concorre. Vou ouvir você e Roberto, para não perder meu direito à contradição. Saudades. O Relicário destruiu-se mas a música ficou em mim. Pra sempre. Mas pra sempre sempre acaba, não é?Você não,viu? Eterna Cássia.

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