quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Angolão Paquetan:livro faz preâmbulo de uma história que precisa ser contada


A história da chamada nação de Candomblé angola,ou mais amplamente congo-angola, sempre foi negligenciada pela maioria dos pesquisadores das religiões de matriz africana. Agora, numa acertada parceria entre a Fundação Palmares/ Ministério da Cultura e membros do Terreiro Mutá Lambô ye Kaiongo, nasce o livro A casa dos olhos do tempo que fala da nação Angolão Paquetan e que já pode ser considerada uma obra preambular a serviço da memória do povo-de-santo de origem banto.

O trabalho reúne as belíssimas fotografias de Aristides Alves (fotógrafo, coordenador editorial do projeto), um artigo etno-histórico do antropólogo Renato da Silveira, um memorial sócio-antropológico da jornalista e mestra em Estudos Étnicos e Africanos, Cleidiana Ramos, uma análise etnobotânica dos biólogos Aion Sereno Alves da Silva e Ana Paula de Sales A. Alencar, além das belas ilustrações do professor Marco Aurélio Damasceno.

Cânticos litúrgicos

O livro é uma ação a favor do registro historiográfico da nação de candomblé denominada Angolão Paquetan, da qual os principais representantes estão ligados ao tatá de inquice Jorge Barreto dos Santos, conhecido pelo nome religioso, ou dijina, como se diz entre os angoleiros, de Mutá Imê, sacerdote supremo do terreiro. Ele foi responsável pela publicação e supervisão do projeto que deu origem à obra, que também é acompanhada de um CD com fonogramas litúrgicos, sob direção musical de Tuzé de Abreu.

Congo-angoleira

O artigo de Renato da Silveira abre a publicação reivindicando mais estudos que possam demarcar, em complexidade e grandeza, o candomblé de angola -; rotula, numa avaliação militante, de antropologia maldita as pesquisas pioneiras de Nina Rodrigues e de seus seguidores mais imediatos, denunciando nomes como Edison Carneiro, como responsáveis pela recorrente inferiorização dos negros bantos e dos seus costumes religiosos que, no Brasil, deram origem ao calundu colonial, uma espécie de culto ancestral que são as mais remotas raízes das religiões de matriz africana em nosso País.

Pronto a conferir a real complexidade litúrgica da angola, Silveira investigou documentações e textos de antigas missões católicas na África, exprimindo as primeiras inferiorizações comparativas entre os negros sudaneses e os da África central, conhecidos como bantos e tidos como atrasados em relação aos primeiros. Esse material literário ajudou a construir entre nós um imaginário distorcido e pouco tradutor das especificidades comportamentais e religiosas do povo estrangeiro que mais alterou o português falado no Brasil com empréstimos de palavras fundamentais à nossa comunicação cotidiana: o banto.

Calundus

A riqueza do texto de Silveira concentra-se em suas exposições sobre a importância dos calundus na era colonial, citando o crescente diálogo religioso entre angolas e os índios tupinambás nos idos do século16, 17, ressaltando a existência das chamadas “santidades”, espécie de organização religiosa que abrigava costumes congoangolas e ameríndios.

As reflexões do reconhecido antropólogo baiano nos empurram a projetar pesquisas sobre o candomblé congo-angola que possam preservar sua memória, revelar a grandeza religiosa e combater de vez, tomando emprestada a exaltação de Silveira recorrente em seu artigo, a imbecilidade do chamado nagocentrismo.

No segundo texto, A casa que vela por uma nação, Cleidiana Ramos, com maestria e didatismo, conta uma história ancestral, que, começada na Bahia, com uma personagem mítica, a Mariquinha Lemba, baluarte do Angolão Paquetan entre nós, começa por despertar nossa curiosidade por este ramo religioso e nos enche de orgulho com a história familiar e espiritual de Mutá Imê.

Alguns relatos são transpostos para o texto com a habilidade poética de uma jornalista experiente, que navega com destreza os mares da etnologia do candomblé baiano. A leveza do texto nos faz percorrer uma história religiosa, com termos e sentidos difíceis num primeiro momento, mas que Ramos, comdomínio conceitual e da escrita, nos insere, sem dores, na riqueza da história contada.

Os biólogos Aion Alves da Silva e Ana Paula Sales, amparados em seus domínios profissionais, encerram a publicação com uma leitura eficiente sobre a espacialidade do Terreiro de Mutá Imê, fazendo análises culturais e biológicas do uso das ervas no universo do candomblé. O livro é uma bela homenagem que deve se expandir para outras casas de matriz congo-angola na Bahia e no Brasil.

( Publicado no Caderno 2+ do Jornal A Tarde, em 19 de outubro de 2010).

Um comentário:

Hugo Gonçalves disse...

Marlon, foi você mesmo que escreveu esta reportagem para o A Tarde?